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A MONTAGEM DO APARELHO REPRESSIVO E O MONITORAMENTO DOS ESTUDANTES, PROFESSORES E TÉCNICOS-ADMINISTRATIVOS DA UFES –

No documento Relatório final Comissão da Verdade (páginas 51-54)

A SEGUNDA ONDA REPRESSIVA NA UFES: A DITADURA SE FECHA

A MONTAGEM DO APARELHO REPRESSIVO E O MONITORAMENTO DOS ESTUDANTES, PROFESSORES E TÉCNICOS-ADMINISTRATIVOS DA UFES –

1967-1969

Além das comissões de inquérito abertas logo depois do golpe de 1964, o regi- me militar manteve constante monitoramento político sobre a comunidade aca- dêmica da Ufes, apesar de ainda não contar em sua estrutura com um órgão que fosse responsável pela vigilância interna das atividades consideradas “subversi- vas”. No material analisado pela CVUfes, foram encontrados vários documentos que tratam do levantamento de informações, principalmente sobre as práticas políticas por parte de estudantes, professores e servidores.

São documentos oriundos, entre outros, dos seguintes órgãos: Superinten- dência Regional do Departamento da Polícia Federal (DPF) no Espírito Santo, Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS/ES), Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Educação e da Cultura (DSI/MEC), Serviço Nacional de Informações (SNI), Ministério da Justiça (MJ), Centro de In- formações do Exército (CIE), Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) e Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA).

Considerando as quatro ondas repressivas apontadas por Fagundes 75, este tó-

pico irá tratar do período entre 1967 e 1969, que corresponde à fase de ascenso das mobilizações estudantis contra a ditadura, as quais foram duramente golpea- das no fi nal de 1968 com o recrudescimento da repressão depois que foi promul- gado o Ato Institucional nº 5 (AI-5) e, no âmbito das universidades, o Decreto-lei nº 477/1969. Especialmente a partir de 1968, os documentos mostram a evolução do processo de endurecimento da repressão dentro da Ufes.

Entretanto, já existiam algumas práticas antecedentes, como registramos an- teriormente, inclusive com a troca de documentos oriundos do DOPS/ES e da DSI/MEC. Um ano após o encerramento das comissões de inquérito instaladas em todas as unidades da Ufes, depois do golpe de 1964, em 9 de agosto de 1965, o então diretor da Escola de Belas Artes, Raphael Samú, como possivelmente

75 FAGUNDES, Pedro Ernesto. Universidade e repressão política: o acesso aos documentos da Assessoria Especial de Segurança e Informação da Universidade Federal do Espírito Santo (ASI/ Ufes). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 10, p. 295-316, jul./dez. 2013.

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todos os outros diretores, recebeu o Reservado nº 19-IPM do 3º BC, por meio do qual o então comandante daquela corporação, coronel Alberto Bandeira de Queiroz, comunicava a instauração de um IPM para “apurar os fatos e as de- vidas responsabilidades de pessoas envolvidas com a UNE e em quaisquer en- tidades congêneres [...]” e que tivessem “desenvolvido atividades capituláveis nas Leis que defi nem os Crimes Militares e Crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social”.

A Comissão de Inquérito Administrativo da Escola de Belas Artes tinha sido uma das que, em suas conclusões, implicavam pessoas em “atividades subversi- vas” antes do golpe militar, inquirindo os estudantes, professores e funcionários da Faculdade, com um foco especial sobre a célebre “Greve Nacional pelo 1/3”, promovido pela UNE em 1962. Assim, no dia 16 do mesmo mês, Raphael Samú en- viou um Ofício Reservado s/nº para o comandante do 3º BC, encaminhando o re- ferido relatório produzido pela Comissão de Inquérito da Escola. Não há nenhuma notícia sobre algum desdobramento do referido IPM no âmbito do Espírito Santo. Apesar de ainda não terem sido criadas as Assessorias de Segurança e Informa- ção (ASIs) nas universidades até aquele momento, os documentos mostram que as atividades desenvolvidas pelas entidades estudantis estavam constantemente sendo monitoradas. A Lei 4.464/64, conhecida como Lei Suplicy de Lacerda, pre- via em seu Art. 6º, que trata das eleições dos diretórios acadêmicos, o acompa- nhamento por representante da congregação ou do conselho departamental, na forma do regimento de cada faculdade.

Dessa maneira, em 20 de abril de 1966, o chefe de secretaria da Escola de Belas Artes, Renato Monteiro Simões, encaminhou ao presidente do Diretório Acadê- mico (DA) da unidade, pelo Ofício nº 40/66-D, uma cópia do Ofício nº 270 do DCE. No dia 27 do mesmo mês, Renato Simões enviou o Ofício nº 46/66-D para o presidente do DA, encaminhando a Portaria nº 13, que designou a professora Zeny Alves de Albuquerque para representar a Congregação da Escola na eleição daquele diretório.

Num regime de exceção, uma das faces do arbítrio é o controle ideológico so- bre os livros que podem ser encontrados nas bibliotecas de uma universidade e a bibliografi a que se permite indicar aos alunos. Não foi diferente na Ufes. A Comissão da Verdade localizou cópia de documentos enviados aos diretores das faculdades pela Reitoria da Universidade 76, transmitindo orientações do então

76 A Comissão da Verdade localizou a cópia enviada para o diretor da Faculdade de Medicina,

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subdelegado regional do Departamento de Polícia Federal no Espírito Santo (DPF/ES), Elias Haddad, que determinou, pelo Ofício nº 829/67, a retirada de cir- culação de diversos livros das bibliotecas das unidades.

Entre os 35 livros citados no documento como “subversivos” e que deveriam ser “retirados de circulação” pela Ufes, estavam obras como História militar do Bra- sil, de Nelson Werneck Sodré; O Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels; Política e revolução social no Brasil, de Otavio Ianni, Paulo Singer, Gabriel Cohn e Francisco Weffort; O golpe de abril, de Edmundo Munis; O canhão e a foice, de P. E. Lapide; Que foi o tenentismo, de Virgílio Santa Rosa; Que é o imperialismo, de Eduardo Balby; 1º de abril, de Mario Lago; A crise geral do capitalismo, de N. Draguilley; História contemporânea, de V. N. Ivestov e L. I. Zubeck; História da Idade Média, de B. A. Kominshy; Terra e sangue, de Mikhail Chelakhov; Marxismo e alienação, de Leandro Konder; A diplomacia do dólar, de L. Viadinirev; e até exemplares da Coleção Histórias Novas, de diversos autores.

Em outubro de 1967, para atender uma determinação da DSI/MEC, o Gabinete do Reitor da Ufes enviou um documento para os diretores das oito faculdades en- tão existentes na Universidade 77, determinando que enviassem para a Reitoria,

com urgência, relação contendo informações de todos os professores lotados em cada uma das respectivas unidades. O documento deveria ser enviado em quatro vias e, além de conter dados sobre fi liação, naturalidade, data do nascimento, residência atual, classe, especialidade, estabelecimento pelo qual foi diplomado, e data e cursos de pós-graduação dos professores, também informações sobre “as ideias, caráter e capacidade profi ssional” dos docentes.

No caso da Faculdade de Medicina, o diretor da unidade, professor Affonso Bian- co, enviou 50 ofícios para o então delegado do DOPS/ES, Oswaldo Simões Salles

78, solicitando informações sobre o caráter ideológico e político de cada um dos

professores que então trabalhavam na unidade naquela época. A resposta veio pelo Ofício nº 303/67, por meio do qual o delegado informou que nada constava nos arquivos daquela delegacia sobre a conduta ideológica e política dos professores.

professor Affonso Bianco. Trata-se do Ofício Circular nº 78/67-R, assinado pelo vice-reitor em exercício, professor Décio Neves da Cunha, enviado em 5 de outubro de 1967.

77 Ofício Circular nº 80/67, assinado pelo chefe de Gabinete do Reitor, Rômulo Augusto Penina, enviado ao professor Affonso Bianco, diretor da Faculdade de Medicina, em 17 de outubro de 1967. 78 Ofícios nos 1155 a 1166; 1171 a 1199; 1227 a 1235/67, datados de 9, 10 e 14 de novembro

de 1967.

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A GREVE DO RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO E AS MANIFESTAÇÕES

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