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A DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO PROFESSOR ALDEMAR DE OLIVEIRA NEVES

No documento Relatório final Comissão da Verdade (páginas 38-41)

A PRIMEIRA ONDA REPRESIVA NA UFES: O GOLPE E A UNIVERSIDADE

A DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO PROFESSOR ALDEMAR DE OLIVEIRA NEVES

Aldemar de Oliveira Neves, médico e professor da então UES, junto com o ex- -reitor Paes Barreto, talvez tenha sido a principal vítima da primeira onda re- pressiva defl agrada pela ditadura na Universidade depois do golpe de 1º de abril. Em 13 de junho de 1964, Oliveira Neves teve seus direitos políticos cassados com

36 Id. Ofício nº 1573-R, de 7 de julho de 1964. 37 Id. Ofício nº 1573-R, de 7 de julho de 1964. 38 Id. Ofício nº 140-R, de 10 de fevereiro de 1965.

39 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Ofício nº 1832, de 13 de agosto de 1964.

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base no AI-1, o que seria o pretexto para sua demissão arbitrária da Universidade, determinada pelo então reitor Fernando Duarte Rabelo.

Em 1964, Aldemar de Oliveira Neves era médico parasitologista, com pesquisas publicadas em nível nacional, e também conhecido no Espírito Santo pela sua militância comunista. Nascido em 1905, em São Mateus, o médico foi prefeito do município em 1929. Mais tarde, aderiu ao PCB e participou de diversas lutas e campanhas lideradas pelo partido no período entre 1945 e o golpe de 1964. O médico presidiu o Centro Regional de Estudos e Defesa do Petróleo e da Econo- mia Nacional e, durante o período anterior ao golpe, foi diversas vezes preso por motivos políticos.

Intelectual respeitado, o médico participou do Instituto Histórico e Geográfi - co do Espírito Santo (IHGES), realizando pesquisas e escavações arqueológicas, chegando a publicar estudos como “Cerâmio da Sapucaia”, em 1943 40. Em 1958,

visitou a União Soviética (URSS) e outros países socialistas, escrevendo um livro sobre suas experiências, que acabou não sendo publicado. Em 1962, foi lançado candidato a deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Apesar de preso logo depois do golpe, como afi rmamos anteriormente, Alde- mar de Oliveira Neves foi poupado no relatório da Comissão de Inquérito Admi- nistrativo da Faculdade de Medicina da UES. De acordo com um ofício do DOPS/ ES, Oliveira Neves havia sido detido “várias vezes”, bem como processado em 16 de novembro de 1949, por infringência ao Decreto-lei nº 431. “Quanto aos últi- mos acontecimentos políticos nacionais, no que se refere ao esquema de subver- são comunista que se articulava em todo país, tem ele também uma participação ativa, motivo por que temos em andamento diversas outras providências 41”.

Mas, Aldemar de Oliveira Neves acabaria tendo seu contrato com a UES res- cindido pelo reitor Duarte Rabelo, por meio da Portaria nº 434, de 25 de agosto de 1964, com efeito retroativo a 13 de junho do mesmo ano, data da publicação do decreto que cassou seus direitos políticos. Para isso, Duarte Rabelo teve que revogar outra portaria, baixada por ele mesmo, que havia prorrogado uma licen- ça médica concedida ao médico para tratamento de saúde, com base num laudo assinado por três médicos e confi rmado pela Junta Federal de Saúde, o qual mos- trava que o professor era portador de uma cardiopatia grave.

Num despacho dado no processo referente à licença médica de Oliveira Neves,

40 INSTITUTO ALDEMAR DE OLIVEIRA NEVES. Vitória, s/d, p. 1-4.

41 DELEGACIA ESPECIALIZADA DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL DO ESPÍRITO SANTO. Ofício nº 56, de 20 de maio de 1964.

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em 10 de julho de 1964, poucas semanas antes de demiti-lo, o próprio reitor havia reconhecido que ele tinha direito à licença médica, uma vez que ela havia sido solicitada antes da promulgação do AI-1 42. No entanto, a posição de Duarte

Rabelo mudou, depois que o então diretor da Faculdade de Medicina, Affonso Bianco, em 3 de julho de 1964, solicitou “esclarecimento e orientação” por parte do reitor sobre a posição do professor perante à Universidade.

Bianco alegou que a cadeira de Parasitologia e Doenças Infecciosas e Parasitá- rias, ministrada por Oliveira Neves, estava com seu funcionamento prejudicado, uma vez que o professor se encontrava afastado, por ter sido incluído entre os que tiveram os direitos políticos cassados 43. Ignorando o despacho anterior e a licença

médica de Aldemar de Oliveira Neves, que estava em vigor e havia sido prorro- gada, em despacho de 14 de agosto 44, o reitor Fernando Duarte Rabelo mandou

suspender o contrato do professor com data retroativa a 13 de junho de 1964. A Portaria nº 434/64 foi publicada no Boletim Ofi cial da UES em 28 de agosto de 1964 e, meses depois da demissão, em maio de 1965, a Universidade enviou um ofício ao professor Aldemar de Oliveira Neves solicitando que ele compare- cesse à instituição para restituir os valores que havia recebido no período entre a portaria que efetivamente o demitiu e a data retroativa apontada no documento, chegando a ameaçá-lo de processo judicial.

Em carta dirigida ao reitor Fernando Duarte Rabelo 45, o professor Aldemar de

Oliveira Neves ironizou as notórias contradições em três despachos diferentes do reitor publicados no Boletim Ofi cial da UES num prazo de nove dias. O primeiro (26 de agosto) cessou os efeitos do contrato com a Universidade; o segundo (28 de agosto) prorrogou a licença para tratamento de saúde; e o terceiro (4 de se- tembro) indeferiu o pedido de licença. “Vê-se, assim, nesses despachos, eviden- ciada a boa ‘ordem’ existente na ‘Casa de Orates’” 46.

Oliveira Neves mostrou que, apesar de ter seus direitos políticos cassados, não havia recebido o mesmo tratamento e nem sido demitido de forma retroativa dos cargos que também ocupava no Ministério da Saúde, como médico sanitarista, nem do Ipase, onde prestava serviços como adjudicado, dos quais foi, em outubro de 1964, respectivamente, colocado em disponibilidade remunerada e desligado.

42 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Processo nº 1445/64. Vitória, 1964, fl . 7. 43 Id. Processo nº 2672/64. Vitória, 1964, fl . 2.

44 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Processo nº 2672/64. Vitória, 1964, fl . 7. 45 Id. Processo nº 2771/65, Vitória, 195.

46 Ibid., fl . 3.

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O que se dizer da sistemática administrativa posta em prática por essa Egré- gia Reitoria e do gesto “magnânimo” do Magnífi co Reitor da UES? Sem precon- ceitos ou juízo a priori, apreciando-se os fatos com justeza e a pragmática ado- tada somente uma conclusão se pode tirar – a medida tomada pelo Reitor – foi arbitrária, iníqua e desumana. Quanto ao móvel que o levou juntamente com seus assessores a tomar essa decisão, prefi ro deixar de fazer um juízo temerário, para não ser apontado como injusto 47.

Apesar do conselho da Assessoria Jurídica da UES para que fosse feita a cobran- ça judicial a Oliveira Neves, o reitor preferiu mandar arquivar o processo. O mé- dico morreu na década de 1970, antes da Lei da Anistia de 1979. Em 1994, diante de uma campanha iniciada pelo então vereador de Vitória e ex-preso político Perly Cipriano, o Conselho Universitário da Ufes decidiu conceder ao professor e médico o título de “Professor Emérito Póstumo” 48. O título foi entregue numa

sessão solene realizada pelo Conselho em 29 de agosto daquele ano.

SERVIDORES E ESTUDANTE DA FAFI CONDENADOS E PRESOS POR

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