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Conhecimento sobre o Cerrado e a Mata Atlântica

Capítulo 3– Biodiversidade no Brasil e a Cana de Açúcar

3.2 Conhecimento Existente no Brasil

3.2.1 Conhecimento sobre o Cerrado e a Mata Atlântica

Nesta seção faz-se uma breve análise do conhecimento existente sobre os biomas Cerrado e Mata Atlântica, e mais especificamente em relação aos impactos de atividades agrícolas na biodiversidade. Como o objetivo deste trabalho é a avaliação dos impactos da atividade

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O resultado é a combinação das avaliações feitas para invertebrados terrestres e vertebrados, exceto peixes (em 2003), e para invertebrados aquáticos e peixes (em 2004, com atualização em 2005).

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canavieira sobre a biodiversidade, e pelo fato do cultivo de cana ocorrer majoritariamente nesses biomas, justifica-se o foco.

Relatório publicado pelo IPEA (2011) 17 cita conclusões do estudo feito por Grativol (2006) sobre as pesquisas em biodiversidade até então realizadas no país: (i) poucas foram feitas com amostragem populacional suficiente para que fossem possíveis conclusões mais amplas; (ii) foram realizadas a partir de abordagens metodológicas distintas, refletindo interesses e conhecimentos específicos de cada grupo de pesquisa, o que dificulta a comparação dos resultados e a formação de uma base de dados mais ampla; (iii) na maioria dos estudos foi considerada apenas a escala espacial, e não a temporal; e (iv) grande parte dos estudos foca a Amazônia e a Mata Atlântica, em detrimento dos outros biomas18.

Na Tabela 3.6 são apresentados resultados parciais de uma avaliação feita pelo IBAMA, que compilou informações de estudos feitos entre 1982 e 2006 sobre fatores de pressão e o correspondente número de espécies da fauna ameaçadas (MMA, 2011). São apresentados apenas os resultados por fator de pressão nos biomas Cerrado e Mata Atlântica. Pode-se ver que o número de espécies ameaçadas na Mata Atlântica é bastante maior do que no Cerrado, e que no primeiro caso os principais fatores de pressão são perda e degradação de habitat, fragmentação, caça e captura. No caso do Cerrado, até então a fragmentação não tinha tanta relevância, mas sim os fatores associados à perda e à degradação do habitat.

O maior número de espécies ameaçadas na Mata Atlântica é compreensível, uma vez que as ações antrópicas no Cerrado são mais recentes. A respeito da menor importância da fragmentação no Cerrado, a explicação também está na ocupação mais recente e na maior extensão de áreas com cobertura vegetal nativa. É importante comparar os fatores de pressão aqui mencionados com os fatores de impacto sobre a biodiversidade, comentados no Capítulo 1; há clara coincidência entre eles.

17O relatório do IPEA tem uma boa compilação de estudos sobre a biodiversidade brasileira e sobre o conhecimento

existente.

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As três primeiras conclusões são similares ao que é apresentado no Capítulo 2, sobre os estudos de monitoramento de biodiversidade.

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Tabela 3.6: Fatores de pressão sobre a biodiversidade – número de espécies ameaçadas

Pressões Cerrado Mata Atlântica

Perda de habitat 26 96

Degradação de habitat e desequilíbrio ecológico 10 62

Falta de conhecimento 16 40

Caça, captura incidental e conflitos com o homem 8 19

Fragmentação, isolamento e problemas genéticos 4 54

Falta de Unidades de Conservação 8 14

Captura para comércio 4 16

Espécies invasoras e doenças 1 7

Mudanças Climáticas 0 0

Total 77 308

Fonte: MMA (2011)

Como informação complementar, no caso da flora, das 472 espécies identificadas como ameaçadas no Brasil e mais 1.079 que foram classificadas como de conhecimento insuficiente (informação anteriormente apresentada), 727 são casos verificados na Mata Atlântica, e 563 no Cerrado (MMA, 2011). Portanto, grande parte das ameaças às plantas está nos biomas objeto de análise nesta dissertação.

Sobre a biodiversidade associada a paisagens agrícolas (em Inglês, “agricultural landscape”) no Brasil, é preciso maior esforço para levantamento de dados, documentação e monitoramento. Joly

et al. (2011) afirmam que esforços nesse sentido foram feitos com foco nas áreas originalmente

cobertas pela Mata Atlântica, mas quase nada ainda se sabe sobre a biodiversidade de paisagens agrícolas no Cerrado.

Citando Tollefson (2010), Joly et al.(2011) afirmam que a identificação e a mitigação dos impactos causados por atividades agrícolas usualmente requer abordagem experimental, o que muito provavelmente tem sido uma dificuldade no Brasil em função das limitações de recursos humanos e financeiros. Joly et al. (2011) também afirmam que a manutenção de áreas de reserva inseridas nas paisagens agrícolas pode impactar positivamente no aumento da diversidade e nos padrões de distribuição e, por isso, uma ação prioritária é a conservação do habitat nativo. A respeito, comentários específicos sobre áreas de conservação e o zoneamento agroecológico da cana são feitos na seção 3.4.

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Na mesma linha, IPEA (2011) comenta que as estratégias que devem ser adotadas para a preservação da cobertura vegetal natural dependem da idade dos fragmentos. No caso do Cerrado, por serem os fragmentos antrópicos mais recentes, é preferível preservar grandes áreas. Evidente que em regiões ocupadas há mais tempo, a preservação de grandes áreas é muito mais cara e difícil. No caso de fragmentos naturais antigos, é preferível privilegiar um grande número de áreas, e esta situação é típica no bioma Mata Atlântica.

Outra observação importante diz respeito à compreensão do funcionamento de ecossistemas terrestres no Brasil, que ainda é pouco consolidado. Joly et al. (2011), afirmam que poucos grupos de pesquisa têm trabalhado com a relação entre a riqueza de espécies, o funcionamento do ecossistema e os serviços ambientais. Assim, pouco se sabe, por exemplo, a respeito dos impactos sociais, econômicos e ambientais decorrentes da perda de biodiversidade.

Como ilustração do conhecimento existente sobre os dois biomas que são tratados mais especificamente nesta dissertação, são apresentados a seguir os resultados de uma pesquisa bibliográfica não exaustiva, feita na base Scopus em Julho de 2013. Usando a palavra “biodiversity”, foram identificados 85.883 publicações entre 1973 e meados de 2013; dentre essas, restringindo a busca para publicações que mencionam de alguma forma o Brasil, foram identificados 7.349 títulos (menos de 10%) 19, sendo que 1.554 mencionam de alguma forma a Mata Atlântica (“Atlantic Forest”) e 829 o Cerrado. Combinando as palavras “biodiversity”, “agricultural landscape” e “Brazil”, foram encontradas 1031 publicações, sendo que 381 mencionam de alguma forma a Mata Atlântica e 124 o Cerrado. Em geral, as publicações sobre o Cerrado são mais recentes.

Sem a pretensão de se fazer uma revisão bibliográfica completa, informações e conclusões de algumas dessas publicações são sintetizadas a seguir.

Em trabalho que os autores apresentam como pioneiro, Ribeiro et al. (2009) quantificam e avaliam os fragmentos na Mata Atlântica e concluem que há extrema degradação. Mais de 80% dos fragmentos têm menos de 50 ha, o grau de conectividade entre eles é muito baixo, a floresta remanescente está muito próxima das bordas dos fragmentos e as reservas existentes protegem muito pouco da floresta remanescente (9%) e menos ainda da floresta original (1%). Os autores concluem que o atual estágio de conservação é insuficiente para preservar as espécies existentes, sobretudo as ameaçadas. É mencionado que não há dados sistemáticos desse bioma. Por outro lado, os autores concluíram que a extensão da Mata Atlântica é maior do que originalmente estimada, uma vez que usaram imagens de satélite para quantificar os pequenos fragmentos. Para melhorar a conservação da biodiversidade na Mata Atlântica, Ribeiro et al. (2009) sugerem que mais áreas de preservação sejam criadas, e que seja viabilizada a adequada conexão dos fragmentos, principalmente dos maiores. No caso dos menores fragmentos, a sugestão é que seja viabilizada a conectividade funcional entre aqueles que são mais próximos.

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A palavra “Brazil” foi buscada em qualquer local da publicação. Portanto, o número de publicações que tratam especificamente de casos relativos à realidade brasileira deve ser bastante menor.

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Lira et al. (2012) analisam o processo de mudança do uso da terra em três fragmentos da Mata Atlântica no estado de São Paulo, considerando informações entre 1960 e a primeira década do século XXI. As áreas estudadas têm diferentes extensões de cobertura vegetal nativa, e os movimentos de mudança do uso da terra também foram diferentes: basicamente, foram estudados casos em que houve desmatamento entre os anos 1960 e os anos 1980, e posterior regeneração, e desmatamento após os anos 1980. Uma das conclusões é que com a regeneração da floresta aumenta a conectividade, embora essa viabilize a conexão de regiões nas quais os estágios da biodiversidade (em função da idade dos fragmentos) são distintos. Entretanto, a floresta secundária mais recente pode auxiliar a conectividade das áreas mais antigas, e auxiliar a manutenção da biodiversidade original. Outra conclusão importante é que a dinâmica de uso e de mudança do uso da terra não é constante e tampouco aleatória, e que tal aspecto é fundamental para a futura modelagem.

O processo de restauração de áreas ripárias em propriedades privadas no estado de São Paulo é descrito por Rodrigues et al. (2011). Por diferentes razões, o processo de restauração foi desenvolvido caso a caso, tendo sido aplicadas seis técnicas. Os autores descrevem resultados de 32 projetos, com extensão total superior a 520 mil ha, sendo que vários são em áreas produtoras de cana de açúcar. O bioma tratado é a Mata Atlântica e a transição para o Cerrado. Os autores afirmam que, de forma geral, grandes áreas com plantio de cana tinham áreas ripárias ocupadas com alto grau de mecanização, além de áreas abandonadas e outras com solo salinizado. Por outro lado, áreas menores com plantio de cana têm também outras atividades, principalmente pastagem, e são menos mecanizadas. Em ambos os casos, por causa da baixa cobertura vegetal e do alto grau de fragmentação, o plantio de árvores de espécies nativas foi a técnica de restauração mais empregada.

Aspecto importante são as principais motivações para os projetos de restauração descritos: o cumprimento da legislação (Código Florestal), que foi favorecido por acordos voluntários com os Governos locais, e a minimização dos passivos ambientais para tornar possível a certificação da produção (RODRIGUES et al., 2011). Este é o ponto central desta dissertação, e a certificação é discutida no Capítulo 4.

A região Centro–Oeste e, consequentemente, o Cerrado, foi a principal fronteira agrícola no Brasil desde a segunda metade do século XX. A rápida expansão do agronegócio e o pouco conhecimento existente sobre a biodiversidade na região foram e são fatores de alto risco (DIAS). Também, pode-se acrescentar como fator de risco a fragilidade institucional. Dias relata o rápido processo de crescimento populacional e econômico, e descreve impactos sobre a biodiversidade que são típicos da expansão pouco planejada da agricultura: acentuado desmatamento, excessiva fragmentação da vegetação remanescente, contaminação do solo e dos corpos d’água, erosão, compactação dos solos, etc. Klink e Machado (2005) também mencionam o impacto decorrente da invasão de gramíneas africanas.

Uma pequena fração do Cerrado está legalmente protegida. Anos atrás Goiás teve a iniciativa de criar áreas de proteção e de fomentar o estabelecimento de corredores ecológicos. Algumas

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ONGs, como a International Conservation (IC), The Natural Conservancy (TNC) e WWF Brasil,têm programas específicos voltados para a conservação do Cerrado (KLINK, MACHADO, 2005).

Silva et al. (2006) estudaram a classificação espacial e a diversidade ecológica do Cerrado brasileiro, e analisaram uma área que corresponde a 85% da extensão total. Concluíram que o alto nível de conversão de áreas nativas para agricultura, junto com o precário estágio das áreas de conservação, são os principais problemas ambientais e ameaças à biodiversidade. A metodologia utilizada pelos autores, baseada em georreferenciamento e sensoriamento remoto, permitiu a identificação e o mapeamento de áreas ecológicas similares.

A expansão da agricultura e a consequente fragmentação foram estudadas por Carvalho et al. (2009), que usaram índices de fragmentação com o objetivo de analisar se os padrões (de fragmentação) são distintos no caso da agropecuária e de culturas agrícolas. Uma conclusão é que as regiões nas quais predominam culturas agrícolas são mais fragmentadas do que aquelas nas quais predominam a pecuária. Também, concluíram que os fragmentos nas regiões dominadas por culturas são menores, o que impõe dificuldades adicionais à conservação da biodiversidade. Os autores não concluem, mas uma pergunta importante é se a conversão de pecuária para o cultivo de cana, que é uma tendência geral no Brasil, tende a resultar maior fragmentação e menor conectividade. Um comentário importante é que nas áreas em que culturas agrícolas prevalecem, a distribuição e o tamanho dos fragmentos induzem a conclusão de que a manutenção dos serviços ecossistêmicos é levada em conta (CARVALHO et al., 2009), embora o conceito (e as implicações) muito provavelmente não seja conhecido pelos tomadores de decisão. Em todo o mundo há certa preocupação com o declínio da população de anuros20, principalmente em regiões nas quais a base de dados é precária e pouco se sabe sobre a abundância e a distribuição da população, como é o caso do Cerrado. Diniz Filho et al. (2004) estudaram o padrão de ocorrência de 105 espécies no Cerrado e concluem, em função da forte correlação de riqueza de espécies, que a existência de unidades de conservação adequadamente localizadas seria eficiente para a conservação desse aspecto da biodiversidade.

Sobre um tema correlato – a preservação de espécies de anuros no Cerrado brasileiro, Rangel et

al. (2007) buscaram estabelecer correlações entre padrões de diversidade e aspectos do

desenvolvimento socioeconômico. Para isso a riqueza de espécies de anuros foi correlacionada com 23 variáveis, com emprego de análise multivariada, e concluiu-se que os melhores resultados são obtidos em relação aos parâmetros que expressam padrões da moderna agricultura e da pecuária (por exemplo, áreas destinadas a usos específicos, produtividades, densidade de máquinas agrícolas, maior densidade de bovinos, etc.).

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Os anuros (latim científico: Anura) constituem uma ordem de animais pertencentes à classe Amphibia, que inclui sapos, rãs e pererecas.

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