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A conquista do marco legal das comunitárias – breve histórico da Lei 12.881/2013

Educação Superior 8

2.3 A conquista do marco legal das comunitárias – breve histórico da Lei 12.881/2013

A relevância e a função pública das escolas e universidades comunitárias foi objeto de debates acalorados nas últimas décadas, devendo-se destacar três momentos: a Constituinte de 1986/1987, a formulação da Lei de Diretrizes e Bases em 1996 e o processo de formulação da Lei 12.881/2013.

Na Constituinte de 1986/1987 confrontaram-se duas posições acerca do tema da transferência ou não de recursos públicos para estabelecimentos educacionais não governamentais. Contra a possi-bilidade da transferência de recursos foi apresentada uma emenda patrocinada pela Confederação dos Professores do Brasil - CPB, da As-sociação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES, da União Nacional de Estudantes – UNE, da Central Única dos Trabalhadores – CUT e da Central Geral dos Trabalhadores – CGT, com 279.013 assina-turas. A favor da transferência de recursos públicos para instituições não estatais sem fins lucrativos e que prestassem contas dos recursos recebidos, foi apresentada uma emenda pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Associação de Educação Católica – AEC e Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas – ABESC, com 750.077 assinaturas. Uma terceira proposta foi apresentada pelo Mo-vimento de Defesa dos Favelados, pela Comissão de Justiça e Paz (ambos da Bahia) e pelo Movimento Negro de Brasília, com 23.042 assinaturas, que visava legitimar como públicas as escolas comunitá-rias voltadas às comunidades carentes ou minoritácomunitá-rias (SANTOS, 2007;

MARTINS, 2008). A redação do artigo 213 da Constituição Federal aca-bou contemplando o intento das entidades católicas, ao contemplar a categoria de escolas comunitárias no texto constitucional e legiti-mar constitucionalmente a transferência de recursos públicos para escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem finalidade não lucrativa, apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a escola con-gênere em caso de encerramento de suas atividades. Na educação fundamental e média, os recursos são para bolsas de estudo; na edu-cação superior, para atividades de pesquisa e extensão.

Um segundo momento do debate aconteceu na década de 1990.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei 9.394/1996) adotou uma redação prejudicial às comunitárias, ao considerá-las uma mo-dalidade de instituições privadas. No art. 19, a lei estabelece apenas duas categorias de instituições de ensino – públicas e privadas, na linha da clássica dicotomia público/privado. O art. 20 explicita as modalidades de instituições privadas: I - particulares, II – comunitá-rias, III – confessionais e IV – filantrópicas. As comunitácomunitá-rias, portanto, não conseguiram fazer valer sua especificidade nesse importante do-cumento legal da educação, que é uma das fontes de confusão entre o comunitário e o privado no Brasil. Na esteira da LDB, o Plano Na-cional de Educação (Lei 10.172, de 9/01/2001), elaborado com base naquelas diretrizes, conferiu pouca relevância ao modelo comunitá-rio. O Plano continha, é verdade, uma recomendação de incentivo às comunitárias: “27. Oferecer apoio e incentivo governamental para as instituições comunitárias sem fins lucrativos, preferencialmente aquelas situadas em localidades não atendidas pelo Poder Público, levando em consideração a avaliação do custo e a qualidade do en-sino oferecido”. Porém, essa recomendação teve poucas consequên-cias práticas. No mesmo período, o governo de Fernando Henrique Cardoso desencadeava um debate sobre o conceito do público não estatal, mas que passou ao largo das comunitárias. No Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, de 1995, a categoria de público não estatal foi integrada à racionalidade administrativa brasileira, mas numa lógica de minimização do Estado. As duas figuras legais criadas a partir dessa reforma foram as Organizações Sociais (Lei nº 9.637, de 15/05/1998) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs (Lei nº 9.790, de 23/03/1999). Nenhuma dessas figuras foi pensada a partir das universidades comunitárias, nem contemplou suas necessidades. A figura das organizações sociais teve o propósito de viabilizar o repasse de atividades exercidas por entidades estatais a organizações da sociedade civil, o contraria os propósitos das universidades comunitárias, criadas não em lugar de instituições estatais, e sim em espaços próprios e frequentemente com apoio do poder público local. A figura das OSCIPs também não contemplou as instituições comunitárias, como se verifica no art. 2º da Lei 9.970/1999 que exclui explicitamente “as escolas privadas

de-dicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras”, assim como “as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas man-tenedoras”. Tanto a figura das organizações sociais como das OSCIPs destinam-se às chamadas organizações não governamentais – ONGs, não às associações e fundações comunitárias que oferecem educação superior.

O terceiro momento do debate legal foi a primeira década de 2000. No processo de discussão da Reforma Universitária desencadea-do em 2004 as universidades comunitárias reivindicaram seu reco-nhecimento como uma categoria específica, distinta das instituições privadas. Conseguiram êxito parcial: o Projeto de Lei da Reforma Universitária (PL 7.200/2006) enviado pelo governo ao Congresso es-tabeleceu no seu art. 8º três categorias de instituições de ensino superior: públicas, comunitárias e particulares. Esse projeto sinalizou um novo entendimento do governo federal em favor da superação da dicotomia público/privado no âmbito da educação, reconhecendo o comunitário como um modelo organizacional específico.

A partir de 2007, as entidades representativas das universi-dades comunitárias brasileiras iniciaram uma mobilização em favor de um marco legal próprio que culminou na Lei 12.881/2013. Num contexto de dificuldades, decorrente do acirramento da competição instaurada por instituições privadas, lideranças gaúchas e catarinen-ses começam a buscar junto ao Ministério da Justiça apoio para a construção do marco legal. Percebendo que, apesar da simpatia de várias lideranças do governo Lula à causa das comunitárias, seria difí-cil uma iniciativa do próprio governo em propor uma legislação perti-nente, dirigentes das comunitárias resolveram tomar a si a iniciativa de formular a proposta de um projeto de lei. A primeira reunião das lideranças gaúchas e catarinenses aconteceu no dia 7 de maio de 2008, na Universidade de Santa Cruz do Sul. Desta reunião resultou uma versão inicial, intitulada Projeto de Lei das Instituições Públi-cas Não Estatais, que abrangia não só as universidades, mas também hospitais, escolas, emissoras e demais organizações comunitárias.

Essa versão foi encaminhada às instituições afiliadas ao Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas – COMUNG e à Associação Cata-rinense das Fundações Educacionais – ACAFE. Aprimorada em diversas discussões, a proposta foi apresentada em julho de 2008 ao

Ministé-rio da Justiça. O ministro Tarso Genro determinou que a Consultoria Jurídica da pasta analisasse a proposta e emitisse um Parecer indi-cativo da sua viabilidade jurídica. O Parecer, de dezembro de 2008, foi favorável à proposta e apresentou uma série de recomendações, sendo a principal delas a de que o projeto de lei utilizasse o concei-to de “instituições comunitárias” ao invés de “instituições públicas não estatais”, pelo fato da figura jurídica do comunitário ter amparo na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, o mesmo não acontecendo com o conceito do público não estatal.

As sugestões do Ministério da Justiça foram acolhidas, e a ree-laboração deu origem ao Projeto de Lei das Instituições Comunitá-rias de Educação Superior, consolidado em reunião de integrantes do COMUNG e da ACAFE em abril de 2009, em Florianópolis. Além do texto, foram definidas formas de mobilização, como a intensificação do diálogo com o governo e o Congresso Nacional, a busca de apoio de entidades da sociedade civil, a busca de apoio de parlamentares e a criação de um site das comunitárias. Foi criado o Portal das Ins-tituições Comunitárias (www.comunitarias.org.br), através do qual foram conseguidas mais de 13 mil assinaturas de apoio à iniciativa. Entre os apoios de entidades, destacaram-se o das direções nacionais da OAB e da CNBB.

Além de eventos internos, a mobilização em torno da iniciativa legal deu-se mediante atividades em várias partes do país, como o Seminário do Sistema Acafe, na Assembleia Legislativa de Santa Cata-rina, em outubro de 2009; o Seminário do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada – IPEA, em março de 2010; e a Audiência Pública da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em novembro de 2011.

O COMUNG e a ACAFE decidiram pela publicação de um livro sobre a temática das universidades comunitárias, intitulado “Instituições Co-munitárias: Instituições Públicas Não Estatais” (SCHMIDT, 2009), com um inédito relato da experiência de todas as instituições comunitárias gaúchas e catarinenses vinculadas às entidades.

A discussão sobre o projeto de lei assumiu caráter nacional por iniciativa da direção da ABRUC. O marco legal das instituições co-munitárias foi o tema central da Assembleia Nacional da ABRUC, em outubro de 2009, na PUC/RJ, evento que referendou a proposta

ela-borada pelas entidades gaúcha e catarinense como texto base da pro-posta do projeto de lei, recomendando que a redação fosse ajustada à realidade do conjunto das instituições comunitárias brasileiras, in-cluindo as instituições confessionais católicas e evangélicas, vincula-das à ANEC e à ABIEE. A finalização dos ajustes foi feita no início de janeiro de 2010, ficando conformada a proposta unificada do Projeto de Lei das Instituições Comunitárias de Educação Superior, assinada pela ABRUC, COMUNG, ACAFE, ANEC e ABIEE.

Na esfera parlamentar, a mobilização em favor da lei começou a tomar corpo com a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Universidades Comunitárias, liderada pelos presidentes das Co-missões de Educação da Câmara dos Deputados (deputada Maria do Rosário - PT/RS) e do Senado (senador Flávio Arns - PT/PR). A Frente Parlamentar foi instalada oficialmente em 27 de outubro de 2009, em Audiência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, ato prestigiado por dezenas de parlamentares de diversos partidos, por representante do MEC e por instituições comunitárias de todo país.

No dia 8 de junho de 2010, a proposta do projeto de lei foi apre-sentada em audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, sendo protocolada oficialmente em 13 de Julho de 2010, passando a tramitar como PL 7.639/2010. A autoria do projeto de lei coube à deputada Maria do Rosario (PT/RS), com subscrição dos deputados Aldo Rebelo (PCdoB/SP), Roberto Santiago (PV/SP), Beto Albuquerque (PSB/RS), Carlos Eduardo Cadoca (PSC/PE), Dr. Tal-mir (PV/SP), João Campos (PSDB/GO), Sylvio Lopes (PSDB/RJ), Pe-dro Wilson (PT/GO), Waldemir Moka (PMDB/MS), Fátima Bezerra (PT/

RN), Cláudio Vignatti (PT/SC), Darcísio Perondi (PMDB/RS), Eduardo Barbosa (PSDB/MG), Severiano Alves (PMDB/BA), Hugo Leal (PSC/RJ), Raimundo Gomes de Matos (PSDB/CE) e Mendes Ribeiro Filho (PMDB/

RS).

A tramitação do PL 7.639/2010 na Câmara dos Deputados foi marcada pela aprovação unânime em todas as comissões permanen-tes nas quais tramitou e praticamente sem modificação do texto, salvo quatro emendas, que pouco incidiram no teor do projeto. A Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público aprovou o projeto em sessão do dia 15 de junho de 2011, com base no parecer favorável do deputado Alex Canziani (PTB/PR). Em 9 de novembro de

2011, foi aprovado pela Comissão de Educação, com base no parecer favorável do deputado Pedro Uczai (PT/SC). Em 9 de maio de 2012, a matéria foi aprovada pela Comissão de Finanças e Tributação, com base no parecer favorável do deputado Claudio Puty (PT/PA). A vo-tação definitiva na Câmara dos Deputados aconteceu na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que aprovou o projeto em sessão realizada no dia 20 de novembro de 2012, com base no parecer favorável do deputado Luiz Noé (PSB/RS). Em razão do apoio obtido nas diferentes bancadas, o projeto de lei não precisou ir a plenário.

Estava concluída a tramitação na Câmara dos Deputados.

No final de janeiro de 2013, o projeto de lei chegou ao Sena-do Federal, onde já havia iniciaSena-do o debate em Audiência Pública da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, em setembro de 2010.

Renomeado como PLC 01/2013, tramitou em duas comissões perma-nentes. Na Comissão de Educação, Cultura e Esporte foi designado re-lator da matéria o senador catarinense Paulo Bauer (PSDB/SC), cujo parecer favorável foi votado no dia 3 de setembro de 2013, obtendo aprovação unânime. E no dia 9 de outubro de 2013, com base no parecer favorável do relator, senador Luiz Henrique (PMDB/SC), o Projeto de Lei das Instituições Comunitárias foi aprovado, em caráter conclusivo e por unanimidade, na Comissão de Constituição e Justiça.

Após apenas três anos e três meses foi concluída no Congresso Nacio-nal, numa das votações mais rápidas registradas, em anos recentes, a tramitação de um projeto originado no Legislativo.

Iniciou então o período de análise no Executivo para fins da san-ção presidencial. Duas audiências foram realizadas na Casa Civil, com a ministra Gleisi Hoffmann e o ministro Luis Inacio Adams, no dia 30 de outubro e no dia 12 de novembro de 2013, com a presença da dire-ção da ABRUC, de reitores, deputados, senadores e do governador de Santa Catarina. O governo indicou alguns tópicos para possível veto, enquanto os representantes das comunitárias solicitaram a sanção do projeto na íntegra. Com três vetos, a edição extra nº 221-A, de 12 de novembro de 2013, do Diário Oficial da União publicou a Lei 12.881, assinada pela Presidenta Dilma Roussef e os ministros Guido Mantega, Aloisio Mercadante, Miriam Belchior e Luis Inacio Adams.

A lei aprovada corresponde praticamente na íntegra ao texto encaminhado pela ABRUC. É uma lei elaborada pela sociedade civil e avalizada pelo Estado brasileiro. Uma lei que inaugura uma nova era para as universidades comunitárias, que abre as portas para um processo amplo de cooperação entre o poder público e as organiza-ções criadas pelas comunidades com o fito de proporcionar educação superior de qualidade a todos. A leitura da Justificação do Projeto de Lei, construída no âmbito dos debates das entidades representativas das universidades comunitárias, evidencia que a Lei foi aprovada com clara noção de que o que estava em jogo era o reconhecimento legal das especificidades que tornam as instituições comunitárias um mo-delo específico.