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Universidades comunitárias regionais

As universidades comunitárias regionais são uma experiência principalmente gaúcha e catarinense, embora existam algumas insti-tuições semelhantes em outros estados. Sua origem deve-se à capa-cidade das organizações da sociedade civil e do poder público local de associar-se no esforço de suprir a lacuna de educação superior nas regiões interioranas.

No Rio Grande do Sul, a criação e a consolidação dessas institui-ções são tributárias da tradição associativa inaugurada ainda no sécu-lo XIX, particularmente nas regiões de cosécu-lonização alemã e italiana.

Na ausência de serviços públicos prestados pelo Estado, desenvolveu--se um considerável leque de iniciativas comunitárias, que estão no núcleo do expressivo estoque de capital social gerado historicamente nessas regiões.

As origens das primeiras instituições comunitárias regionais gaúchas estão na década de 1940. Na década de 1990, as universida-des regionais lideraram a criação do Consórcio das Universidauniversida-des Co-munitárias Gaúchas (COMUNG), oficializado em 1996. Segundo o site da entidade (www.comung.br), no ano de 2016 suas afiliadas atendiam 202.020 estudantes (50% do dos universitários gaúchos), em 1.489 cursos de graduação e pós-graduação, com 9.190 professores e mais de 11 mil técnicos administrativos, constituindo o maior sistema da educação superior do estado. O COMUNG é formado pelas seguintes instituições: Universidade de Passo Fundo (UPF); Universidade Regio-nal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ); Universi-dade Feevale (FEEVALE); UniversiUniversi-dade Católica de Pelotas (UCPel);

Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC); Universidade Regional In-tegrada do Alto Uruguai (URI); Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ);

Universidade de Caxias do Sul (UCS); Universidade da Região da Cam-panha (URCAMP); Centro Universitário Univates (UNIVATES);

Pontifí-cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Centro Universitário La Salle (UNILASSALE); Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); e, Centro Universitário Metodista (IPA).

Em Santa Catarina, o estoque de capital social também foi fator fundamental do surgimento e fortalecimento das comunitárias. Um traço peculiar do modelo catarinense é a forte presença do poder público local, especialmente das prefeituras. O enraizamento das instituições nas comunidades regionais, segundo Lima (2009, p. 95), é comum a todas as instituições, que “têm como principal mola pro-pulsora e como base de atuação o envolvimento com a sua região e a intenção/missão de ser agente do desenvolvimento regional. Essa característica está já marcada desde a sua criação e inserida mesmo em suas cartas instituidoras”.

As universidades estão organizadas na Associação Catarinense das Fundações Educacionais (ACAFE), fundada em 1974, que congre-ga em sua maior parte fundações educacionais criadas pelos poderes públicos municipais e estadual. Em 2016, as universidades atendiam no seu conjunto 142.293 estudantes de graduação e pós-graduação, em 1.479 cursos, com 8.968 professores e 5.924 técnicos administra-tivos. As instituições filiadas à ACAFE são as seguintes: Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC); Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI); Universidade Regional de Blumenau (FURB); Universida-de do Sul Universida-de Santa Catarina (UNISUL); UniversidaUniversida-de para o Desen-volvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI); Universidade da Re-gião de Joinvile (UNIVILE); Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC); Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC); Univer-sidade do Contestado (UnC); UniverUniver-sidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ); Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE);

Centro Universitário Barriga Verde (UNIBAVE); Universidade do Esta-do de Santa Catarina (UDESC); Centro Universitário Municipal de São José (USJ); Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP); Centro Universitário - Católica de Santa Catarina.

É importante atentar para o período de criação das comunitárias gaúchas e catarinenses – situado entre as décadas de 1940 e 1970.

Essa informação por si só é suficiente para refutar o surgimento e

ex-pansão dessas instituições com o projeto político neoliberal, que ga-nhou terreno a partir da década de 1980. Uma tese comum em certos ambientes é a de que o crescimento do terceiro setor está associado ao projeto neoliberal. Esse argumento não se sustenta. As universida-des comunitárias do Sul do país foram estruturadas em pleno Estado desenvolvimentista, viabilizadas pela capacidade organizativa das comunidades regionais com apoio do poder público local, de modo a atender a demanda por educação superior das regiões interioranas.

As universidades comunitárias regionais do Sul do país são ins-tituições em que as características do público não estatal se apre-sentam de modo mais claro (FRANTZ; SILVA, 2002; MARTINS, 2008; SCHMIDT, 2009). São traços distintivos dessas instituições: criação impulsionada por organizações da sociedade civil e do poder público local, a quem pertence o patrimônio; não estão orientadas para a maximização do lucro, sendo os resultados financeiros reinvestidos na própria universidade; têm profunda inserção na comunidade regional, interagindo com os seus diversos segmentos; os órgãos deliberativos superiores são integrados por representantes dos diversos segmentos da comunidade acadêmica (professores, estudantes e técnicos administrativos) e da comunidade regional (entidades da sociedade civil e do poder público local); a forma jurídica da mantenedora é a de fundação de direito privado, de associação ou de sociedade civil; o controle administrativo e da gestão financeira é feito pela mantenedora; o patrimônio, em caso de encerramento das atividades, é destinado a uma instituição congênere.

A identidade pública não estatal é um aspecto marcante do dis-curso das comunitárias gaúchas e catarinenses, reafirmado insisten-temente nos documentos das instituições e entidades representativas ao longo das últimas décadas. Enquanto em outras vertentes das co-munitárias o público não estatal é um elemento acessório do discur-so, no caso das universidades regionais esse elemento está no núcleo discursivo. No discurso dessas instituições, o caráter comunitário se expressa especialmente na inserção da universidade na comunidade regional, na relação constante da universidade com a sociedade civil e o poder público local-regional, na participação de integrantes da comunidade regional nas decisões da universidade e na gestão demo-crática das instituições.

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O exame atento dessas experiências históricas revela vários as-pectos importantes. O primeiro é a amplitude e a variedade do fenô-meno comunitário no campo da educação, bem como sua anteriori-dade em relação às escolas estatais. Somos um país com uma forte e histórica presença da comunidade no âmbito educacional. O segundo são as diferentes relações dessas instituições com o espaço público e com o Estado. Algumas, explicitamente voltadas ao atendimento de necessidades do conjunto da sociedade, revestem-se de caráter público (não estatal); outras, voltadas mais diretamente às necessi-dades de sua comunidade particular ou dos seus afiliados, têm cará-ter coletivo.7 Umas e outras são importantes para o atendimento de necessidades da sociedade, mas têm diferentes impactos para a vida democrática. A construção da democracia forte, inclusiva, requer sempre mais a contribuição de organizações públicas não estatais.

O interesse público não é monopólio do Estado e só pode ser devida-mente atendido mediante a cooperação pública entre organizações estatais, comunitárias e privadas.

O tema da autonomia versus dependência é igualmente cen-tral. São comuns na história brasileira organizações da sociedade que gravitam na órbita estatal e são sustentadas basicamente por recur-sos do Estado. A dependência do poder público chega ao ponto de torná-las semiestatais. Manter a autonomia nas decisões é essencial a qualquer organização comunitária que se pretenda pública não es-tatal.

Vale ainda mencionar o polêmico tema da adequação das orga-nizações comunitárias aos princípios da administração pública, que envolve questões bem complexas. Podem as comunitárias preencher os princípios constitucionais que regem a administração pública, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiên-cia? A resposta é sim, desde que entendida como aplicação analógica (não literal) dos princípios da administração pública às organizações da sociedade civil. Por serem entes de natureza e características di-versas, é preciso que o marco jurídico das organizações da sociedade civil estabeleça as condições de atendimento dos princípios da admi-nistração pública.

Fundada em 1993, a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) é uma das universidades comunitárias regionais gaúchas.

Fonte: Acervo Unisc.

As universidades comunitárias constituem um dos mais im-portantes segmentos das organizações comunitárias no Brasil.

São representadas nacionalmente pela Associação Brasileira de Universidades Comunitárias (Abruc), que congrega qua-tro associações: o Consórcio das Universidades Comunitárias

Gaúchas (Comung), a Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), a Associação Nacional de Educação Ca-tólica do Brasil (Anec) e a Associação Brasileira de Instituições

Educacionais Evangélicas (Abiee).