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O modelo comunitário de educação superior no Brasil

Educação Superior 8

2.1 O modelo comunitário de educação superior no Brasil

sua relevância pública está tanto nos serviços prestados quanto nos valores que difundem.

2.1 O modelo comunitário de educação superior no Brasil

A denominação universidades comunitárias popularizou-se na década de 1980, mas a estruturação do modelo remonta à década de 1940 e ganhou impulso a partir dos anos 1970. Hoje, estão presentes em todas as regiões, sendo que no Sul do país constituem o mode-lo predominante de educação superior. Sua entidade representativa nacional é a Associação Brasileira de Universidades Comunitárias – ABRUC, que reúne quatro entidades: o Consórcio das Universidades Gaúchas - COMUNG, agregando as instituições do estado do Rio Gran-de do Sul; a Associação Catarinense Gran-de Fundações Educacionais - ACA-FE, do estado de Santa Catarina; a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil - ANEC, das instituições católicas; e a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas - ABIEE, das insti-tuições evangélicas.

As universidades comunitárias brasileiras não seguem um padrão homogêneo, havendo características distintas, por exemplo, entre as universidades regionais (vinculadas a entidades locais/regionais) e as universidades confessionais (ligadas a instituições religiosas). O que permite falar de um modelo comunitário são traços comuns, sinteti-zados por Aldo Vannucchi (2011, p. 36-37): cada a universidade comu-nitária pertence a uma comunidade; sua missão somente se realiza na interação com a comunidade; é dirigida por representantes dessa comunidade; é mantida por uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos; executa um serviço público não estatal.

Frequentemente confundidas com as universidades privadas (particulares), as especificidades das comunitárias saltam aos olhos a

um olhar mais atento. A tabela abaixo sumariza as características dos modelos público estatal, comunitário e privado na educação superior brasileira.

Tabela 1: Características das IES públicas, comunitárias e privadas

IES públicas IES comunitárias IES privadas (par-ticulares)

pela manutenção União, estados ou

municípios Entidades da

fina-lidade Pública estatal Pública não estatal Privada Destinação dos

direito público Pessoa jurídica de

direito privado Pessoa jurídica de direito privado Forma de

consti-tuição Autarquia ou

fun-dação pública Mantida por

associa-ção ou fundaassocia-ção Mantida por socie-dade empresária

Cabe avançar nessa caracterização, destacando tópicos que são marcas da especificidade das instituições comunitárias.

Origem. As universidades comunitárias são criadas por organi-zações da sociedade civil e do poder público local/regional, ao passo que as universidades públicas estatais são instituídas pelo poder pú-blico e as privadas por indivíduos, grupos familiares ou empresariais.

Entre as entidades fundadoras de universidades comunitárias estão associações empresariais, sindicatos de trabalhadores, entidades estudantis, prefeituras, câmaras de vereadores, clubes de serviço, igrejas, entidades religiosas, associações de classe, escolas, entre outras.

Mantenedora: associação ou fundação. A existência de entidade mantenedora e de entidade mantida em instituições de educação su-perior privadas é uma exigência legal no Brasil. A entidade mantene-dora é que tem personalidade jurídica e cabe-lhe prover os recursos necessários para o funcionamento da instituição de ensino. A univer-sidade é a entidade mantida e não possui personalidade jurídica. To-dos os atos jurídicos são feitos em nome da mantenedora. Enquanto a mantenedora da universidade pública é o Estado, a da universidade comunitária é uma associação ou fundação e a da universidade priva-da assume alguma forma de sociepriva-dade prevista na legislação. O fato das mantenedoras das universidades comunitárias serem associações ou fundações tem uma consequência fundamental em relação à sua natureza pública: em caso de encerramento das atividades da asso-ciação ou fundação, o seu patrimônio é destinado a uma instituição congênere (comunitária ou pública).

Autonomia. Por não pertencerem a proprietários individuais nem ao Estado, as universidades comunitárias gozam de significativa autonomia administrativa e científica. A autonomia administrativa é limitada pela mantenedora, que, integrada por representantes das comunidades regionais ou religiosas, vê o ambiente acadêmico com um olhar externo, não sendo incomuns os conflitos entre mantidas e mantenedoras, especialmente em questões relacionadas à sustenta-bilidade financeira da instituição. A capacidade de diálogo entre a direção da Universidade e a direção da mantenedora é o elemento definidor dos limites da autonomia. A autonomia científica é ampla-mente respeitada, e não é comum ocorrer interferência externa so-bre o ensino, a pesquisa e a extensão.

Fins públicos. As universidades comunitárias visam a prestação de educação de qualidade a todos, e a totalidade dos recursos anga-riados destinam-se à manutenção e qualificação dos serviços presta-dos. A gestão dos recursos econômicos é regida pelas seguintes

pre-missas: (i) em existindo superávit, todo ele é reinvestido na própria instituição; (ii) não há nenhuma distribuição de qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, ou seja, não há qualquer apropria-ção privada de excedentes gerados; (iii) os dirigentes não recebem qualquer recompensa ou bonificação econômica por resultados posi-tivos alcançados. Nestes aspectos, as comunitárias são instituições similares às públicas estatais e não às privadas.

Inserção comunitária. As universidades comunitárias destacam--se pela atenção permanente às necessidades do contexto social e pela inserção nas comunidades regionais, que se expressa no compro-misso com a extensão. Além de divulgar o conhecimento científico em aula e produzir novo conhecimento através da pesquisa, dedicam im-portante esforço para partilhar, socializar o conhecimento, a arte e a cultura na comunidade. Elas apoiam projetos sociais desenvolvidos em comunidades carentes, atendem demandas do poder público local e regional, auxiliam na qualificação de recursos humanos em escolas, entidades e organizações sociais. Além disso, prestam assistência ju-diciária gratuita e atendimento em suas clínicas de saúde a pessoas carentes, organizam eventos culturais e artísticos em comunidades, entre outras atividades. Grande parte dessas ações é realizada de forma gratuita e a relação com a comunidade é de via dupla: a Uni-versidade ensina e também aprende e se reinventa nesse diálogo.

Autogestão. A direção das universidades comunitárias é exerci-da por professores do seu quadro docente. Dentre as universiexerci-dades regionais, várias elegem democraticamente sua direção através do voto direto de professores, estudantes, técnicos administrativos e representantes da comunidade regional. Há instituições que consti-tuem exemplos avançados de democracia participativa, descentrali-zação e transparência, sendo mais democrático-participativas do que as universidades públicas. Mas, a eleição democrática dos dirigentes não é característica geral do modelo comunitário: é incomum em instituições confessionais. Nos debates sobre o marco legal das ins-tituições comunitárias, que culminou na Lei 12.881/2013, o assunto foi objeto de debate e predominou o entendimento de que deve ser respeitada a autonomia de cada instituição, sendo imprópria a via da imposição legal.

Gestão com caráter público. Há tratamento isonômico a todos os cidadãos na prestação de serviços. Os fundadores, integrantes da entidade mantenedora ou membros da comunidade acadêmica, não têm privilégios em relação aos demais cidadãos. Isso vale, por exem-plo, para o pagamento das taxas pelos serviços prestados, feito com base em regras publicamente estabelecidas. Outra característica pú-blica comum em grande parte das comunitárias é a admissão de pro-fessores mediante concurso público, o que evita o nepotismo e privi-légios. Não se pode desconhecer que há ambiguidades e contradições na gestão de muitas instituições, envolvendo práticas autoritárias e ausência de espírito público, o que é comum também nos outros mo-delos. Em momentos de crise, tendem a aflorar estilos de gestão que denotam uma concepção mercantil.

Participação e transparência. A participação e a transparência são marcas salientes em diversas universidades comunitárias, espe-cialmente nas instituições regionais. Nelas há participação ativa dos diversos segmentos nas decisões, assegurada pela composição dos colegiados superiores da Universidade, com a presença de represen-tantes dos professores, técnicos administrativos, estudantes e da co-munidade regional. A transparência é viabilizada pelo acesso regular a informações sobre temas acadêmicos e sobre a situação financeira tanto aos membros da mantenedora quanto aos integrantes da comu-nidade acadêmica.

Eficácia e eficiência. As universidades comunitárias foram forte-mente tensionadas no início dos anos 2000, durante o governo do Pre-sidente Fernando Henrique Cardoso, com a liberalização do mercado da educação superior, que atraiu para esse campo um sem número de instituições voltadas ao lucro e talhadas para a competição. A che-gada de instituições privadas em regiões onde antes as comunitárias atuavam sem concorrência alterou profundamente a sua dinâmica e o seu estilo de gestão, colocando várias em risco quanto à sua sobre-vivência. A partir do primeiro governo de Lula, com o endurecimen-to das regras de qualidade, o fortalecimenendurecimen-to do sistema de avalia-ção nacional (que freou as instituições que competiam basicamente pelo preço) e, posteriormente, com o novo financiamento estudantil (FIES), houve um reequilíbrio da condição econômico-financeira das universidades comunitárias. Esse reequilíbrio vem sendo ameaçado

pela fragilização do FIES nos últimos anos, que tensiona novamente o modelo comunitário em vista da concorrência de instituições priva-das, que competem com base no menor preço das “mensalidades”.

É apenas no quadro da concorrência controlada pela exigência de qualidade e de uma robusta política de financiamento aos estudantes de menor poder aquisitivo que as universidades comunitárias con-seguem atender satisfatoriamente os requisitos de eficácia (cumpri-mento adequado dos objetivos institucionais) e da eficiência (oferta de educação de qualidade com custos compatíveis com a qualidade).