• Nenhum resultado encontrado

Na esteira da (já referida) naturalidade com a qual os padrões de consumo são aceitos, os benefícios do consumo, como nota Portilho (2005, p.91), passaram a ser…

(…) vividos como milagre na vida cotidiana e n~o como fruto do trabalho e do processo produtivo. Os bens de consumo apresentam-se como bens apreendidos e não como produtos trabalhados, e a profusão de bens apresenta-se como uma graça da natureza, como maná ou benefício dos céus.

A realidade, no entanto, está longe disso. Se tem algo que a Sociedade de Consumo deixa transparecer é que a manutenção de uma lógica baseada no consumismo só é possível mediante a manutenção de um quadro de injustiça social e insustentabilidade ecológica (PORTILHO, 2005, p.15).

A injustiça social se manifesta na medida em que o consumo de bens exige, obviamente, a produção dos mesmos, algo que, na velocidade, na escala e com os preços com os quais são praticados, só é possível mediante a exploração da força de trabalho em moldes capitalistas. Por isso, não há Sociedade de Consumo sem que haja o proprietário dos meios de produção a explorar o detentor da força de trabalho. É neste sentido que se diz que o consumo n~o pode ser entendido de outra forma sen~o como “um fenômeno em que se vende, efetivamente e por um preço, a satisfação que o trabalhador perdeu” (PORTILHO, 2005, p.91).

Neste cenário, o estrato social mais fraco é subjugado pelo mais forte instaurando-se, consequentemente, um quadro de desigualdade social. Assim, da mesma forma que nos Estados Unidos o consumo de tênis Nike demanda a exploração de mão de obra (inclusive infantil) em condição praticamente escrava na Indonésia (KLEIN, 2006, p.400), o consumo de produtos chineses em todo o mundo implica na exploração de mão de obra igualmente em regime de quase escravidão na África do Sul. Conforme Época Negócios (2011),…

(…) todos os dias, {s 6h30 da manh~, cerca de 6 mil funcion|rios se dirigem ao polígono industrial de Newcastle, leste da África do Sul, para trabalhar nas 70 fábricas chinesas estabelecidas em um dos principais polos têxteis do país. São nove horas de trabalho costurando, passando, fazendo moldes, dobrando peças e embalando. Durante esse tempo, não podem nem se levantar para ir ao banheiro nem comer, e tudo isso pelo salário de R$ 15 por dia. Fábricas de montagem em Camarões, indústrias plásticas na Nigéria, minas no Zimbábue, sapatos no Egito, couro na Etiópia e montadoras automotivas e oficinas têxteis na África do Sul são alguns dos negócios das companhias chinesas espalhados pelo continente mais pobre do mundo (…). [s portas do polígono industrial, os trabalhadores informaram que seus patrões chineses não pagam férias, não preparam folha de

pagamento e descontam de seus salários os defeitos das peças que produzem. Zanele Sithole, de 28 anos, vive em uma casa de blocos de concreto com três quartos e sem banheiro, em um assentamento improvisado a dez quilômetros do polígono industrial. Ela trabalha em uma fábrica chinesa de Newcastle, cobra 800 randes por mês (R$ 185) e, com esse dinheiro, sustenta uma família de 11 pessoas, em um país onde o quilo de arroz custa R$ 1,80.

Cumpre notar, no entanto, que a questão da injustiça social se inscreve em um contexto ainda mais amplo. Do mesmo jeito que o consumo perdulário é questionável por produzir uma desigualdade de classe (ou intrageracional), também o é porque provoca uma desigualdade intergeracional, já que este estilo de vida ostentatório e desigual torna menos provável que as futuras gerações consigam atender às suas próprias necessidades (PORTILHO, 2005, p.15).

A insustentabilidade ecológica da Sociedade de Consumo, por sua vez, se manifesta na relação óbvia entre o aumento da produção e o esgotamento do estoque de recursos (UNEP, 2005, p.04) por um lado, e, por outro, na saturação da capacidade de absorção dos resíduos gerados. Com relação ao esgotamento de recursos, o exemplo dos combustíveis fósseis é emblem|tico: “nosso consumo anual de carbono e de petróleo equivale a uma biomassa acumulada sob a crosta terrestre em 100 mil anos de fotossíntese do Sol” (LATOUCHE, 2009, p.29). Já no que diz respeito à capacidade de absorção, os sistemas ecológicos já se encontram próximo da saturação (MEADOWS ET AL, 1973, p.65).

Além disso, o processo produtivo desencadeia uma cadeia de impactos sobre os sistemas ecológicos. Tome-se, por exemplo, o caso de um bem de consumo trivial da Sociedade de Consumo: uma camiseta de algodão. Quando se analisa o conjunto de impactos associados à fabricação da camiseta, verifica-se que no cultivo do algodão necessário à produção da mesma foram utilizados aproximadamente 10 mil litros de água (GOLEMAN, 2009, p.20), além de fertilizantes e pesticidas sintéticos associados a efeitos negativos à saúde (LASZLO, 2008, p.83). Some-se a isto o fato de que o atual sistema de confecção (com produção dos tecidos em um país, corte e costura em outro e venda em um terceiro) faz com que algumas peças circulem o mundo duas vezes antes de chegar às lojas, contribuindo diretamente para a emissão de gases de efeito estufa.

Mesma lógica se aplica aos mais diversos objetos que fazem parte do cotidiano de uma Sociedade de Consumo, como as cerca de 3 toneladas de resíduos tóxicos gerados no processo de obtenção do ouro necessário para fazer uma aliança de casamento (GARDNER; ASSADOURIAN; SARIN, 2004, p.18); dos 16.000 litros de água necessários à

produção de um quilo de bife30 ou da produção de embalagens descartáveis para a Barbie

que vem contribuindo para a devastação de florestas tropicais da Indonésia e a extinção do tigre de Sumatra31.

Há ainda que se notar, como um resultado da Sociedade de Consumo, os efeitos nocivos que uma lógica consumista impõe sobre a saúde de seus membros. Dias (2010, p.38), por exemplo, comenta que o estilo de vida típico de uma Sociedade de Consumo torna grande parte das pessoas suscetíveis a doenças…

(…) que conduzem aos médicos. Os médicos levam aos exames e estes, aos medicamentos, que acabam causando outras doenças. Aí se retorna ao médico e começa tudo outra vez. A doença alimenta um grande negócio sustentado por uma rede de interesses (a ignorância e o estilo de vida estúpido são essenciais ao lucro). Esse ciclo poderia ser rompido se mudássemos nosso estilo de vida.

Neste sentido, Latouche (2009, p.22-23) também vai chamar a atenção para as implicações sobre a saúde decorrentes de uma lógica consumista quando alerta para o fato de que…

(…) o hiperconsumo do indivíduo contempor}neo “turbo-consumidor” redunda numa felicidade ferida ou paradoxal. Os homens nunca alcançaram tamanho grau de derreliç~o. A indústria dos “bens de consolaç~o” tenta em v~o remediar essa situação. Nesse terreno, nós, franceses, somos detentores de um triste recorde: compramos, em 2005, 41 milhões de caixas de antidepressivos.

Resta notar outra consequência da Sociedade de Consumo (e que, sob determinados aspectos, também pode ser considerado como causa): a alienação provocada pela mercadoria. Do mesmo jeito que o gosto do trigo não revela quem o plantou (MARX, 1996, p.303), em uma Sociedade de Consumo o brilho de um diamante não revela que sua extração/transporte envolveu derramamento de sangue em Serra Leoa (WWI, 2010, p.182). Logo, uma Sociedade de Consumo é, necessariamente, uma sociedade na qual a divisão social do trabalho está plenamente estabelecida e, por isso mesmo, uma sociedade alienada. Nesta, como observa Cacciari (2006 apud LATOUCHE, 2009, p.17), a vida do trabalhador se reduz { de um “biodigestor que metaboliza o sal|rio com as mercadorias e as mercadorias com o salário, transitando da fábrica para o hipermercado e do hipermercado para a f|brica”. Felicidade e qualidade de vida se confundem com compra e aquisição de objetos.

30 De acordo com o site www.waterfootprint.org, acessado em 03.07.2010.

31 Segundo o site http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/A-lenta-agonia-de-um-tigre-de-Sumatra/, acessado em 02.08.2011.

Exploração excessiva (com consequentemente esgotamento) dos recursos naturais, poluição do meio ambiente, iniquidade (inter e intrageracional) no acesso e na distribuição dos recursos e a gestação de uma sociedade alienada levaram à reflexão sobre a insustentabilidade ambiental e social da Sociedade de Consumo. Assim, a década de 1990 experimentou a emergência de um novo discurso dentro do pensamento ambientalista internacional no qual a problemática ambiental começa a ser diretamente vinculada aos altos padrões de consumo e estilos de vida (PORTILHO, 2005, p.23). É neste contexto que se começa a falar em consumo sustentável.