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Como lembra Assadourian (2010, p.03), somente será possível avançar rumo a uma sociedade sustentável a partir do momento em que houver uma rejeição social do consumismo. No entanto, orientações desta natureza não existem nos discursos analisados; aliás, nestes, sequer é possível notar um esforço no sentido de discernir consumo de consumismo. Assim como já havia observado Layrargues (1998, p.209), nos discursos analisados também se percebe que “a ideologia do consumismo foi totalmente preservada de críticas”. Este posicionamento ideológico n~o é observ|vel diretamente nas falas dos agentes discursivos, mas indiretamente, através de dois não discursos identificados nas falas dos sujeitos analisados.

O primeiro não discurso refere-se aos níveis de consumo. É evidente a preocupação dos discursos em deixar claro que consumir de forma sustentável ou consciente não significa consumir menos, e sim consumir de uma forma mais eficiente, através de escolhas bem informadas. Embora haja discursos nos quais a associação entre aumento do consumo e diminuição dos recursos é claramente reconhecida62, em momento algum, verifica-se uma

preocupação com relação à redução das taxas de consumo como uma condição necessária à prática de um consumo sustentável. Endossando o que já foi observado por Brakel (1999, p.02), este estudo verificou que o foco dos discursos se atém às consequências negativas do excesso de consumo e, em momento algum, questiona o excesso de consumo em si. Nos discursos analisados o que se percebe s~o sugestões ap|ticas do tipo “pense se realmente é necess|rio adquirir um novo produto”, mas afirmações que enfaticamente questionem o ato de se consumir mais do que o necessário ou que explicitamente recomendem a diminuição do consumo não são verificáveis. Assim, a questão relativa à quantidade de recursos a serem utilizados no presente de modo a assegurar uma maior durabilidade do consumo (algo que deveria ocupar um lugar central nos discursos sobre o

62 Como no caso do discurso do poder público que reconhece que “{ medida que o consumo aumenta, extraímos mais combustíveis, mais minerais, derrubamos mais árvores, sobre-exploramos mais nossos rios e oceanos e estressamos mais os nossos solos com cultivos intensivos, além de artificializar mais e maiores áreas para produzir alimentos e edificar nossas cidades” (MMA, 2010, p.11).

consumo sustentável uma vez que isso é que efetivamente assegura a sustentabilidade do consumo) é negligenciada63.

O segundo não discurso refere-se à necessidade de dedicação por parte do consumidor. A finalidade do desenvolvimento sustentável é fazer com que os recursos de hoje estejam acessíveis às próximas gerações. Sendo assim, na medida em que o consumo atual torna menos disponíveis os recursos para consumo futuro (STERN ET AL, 1997, apud PORTILHO, 2005, p.139; ÇUBUKÇU, 2010, p.2481), assegurar que as futuras gerações tenham acesso aos mesmos requer, necessariamente, que os padrões atuais sejam revistos de modo a poupar o estoque existente. É neste sentido que, face às condições favoráveis (relativa abundância de recursos, tecnologia disponível), não consumir mais do que se precisa requer certo grau de dedicação e esforço (ROMEIRO, 2003, p.15). Ocorre que nenhum dos discursos analisados trata desta questão. Pelo contrário, os discursos do poder público, das empresas e do terceiro setor difundem a ideia de que o consumo sustent|vel é alcanç|vel através de “pequenas mudanças em nosso dia-a-dia”. Assim, termos como “fácil”, “simples” e “não é difícil” frequentemente s~o utilizados para fazer menção ao consumo sustentável.

O Walmart, por exemplo, defende que orientar as escolhas para padrões de consumo mais sustentáveis não é tão difícil quanto se pode imaginar64. Neste mesmo sentido, o poder

público considera que o consumo consciente é uma quest~o de “pequenas mudanças em nosso dia-a-dia” (MMA, 2010). Para o Instituto Akatu (2011) “pequenos gestos” levam a “grandes transformações”. Mesmo o Idec, com seu tom crítico a respeito do consumo sustent|vel, faz menç~o {s “pequenas mudanças de h|bitos” que podem ser adotadas para atingir um modelo de consumo que seja sustentável.

Todavia, diferentemente do que discursos querem fazer crer, um consumo genuinamente sustentável não é, de modo algum, algo simples ou fácil. Pelo contrário, trata-se de uma “miss~o quase utópica”, para usar as palavras de Schulte; Lopes (2010, p.159). Com efeito, em um planeta onde cerca de 170 pessoas por minuto deixam para trás a pobreza e

63 Uma exceção nesta lógica só foi identificada no discurso do terceiro setor, mais especificamente no discurso do Idec (2005, p.20), para quem a preocupaç~o deve se deslocar “da tecnologia dos produtos e serviços e do comportamento individual para os desiguais níveis de consumo. Afinal, meio ambiente não está relacionado apenas a uma questão de como usamos os recursos (os padrões), mas também uma preocupação com o quanto usamos (os níveis), tornando-se uma quest~o de acesso, distribuiç~o e justiça social e ambiental”. Nos demais casos, a redução do consumo apenas compõe os discursos quando implica em ganhos econômicos, como no caso do estímulo à diminuição do consumo de água e energia.

64 Segundo o site http://www.walmartbrasil.com.br/sustentabilidade/consumo.aspx, acessado em 29.07.2011.

ingressam na classe média65 e onde o crédito tornou-se fácil (BAUDRILLARD, 2002, p.165;

LATOUCHE, 2009, p.19) consumir de forma sustentável requer força de vontade para não comprar além do necessário.

Num cenário que não só facilita com também estimula o consumo, consumir de forma sustentável requer a ponderação sobre a aquisição de um produto desnecessário em meio a promoções; requer a resistência e insurgência contra os ditames da moda e as influências da propaganda; requer repensar a redistribuição dos bens de consumo de modo que aqueles que não têm praticamente nada possam consumir o mínimo para uma vida decente; requer que o consumidor incorpore em seu cotidiano a premissa altruísta de que a racionalização do consumo de hoje tem como propósito o não esgotamento de recursos que servirão para atender às necessidades dos que não tem acesso aos recursos e das futuras gerações. Requer, em uma palavra, esforço.

Ao analisar o caso da Austrália, Hobson (2003, p.149) observa que o consumo sustentável foi pública e politicamente marginalizado justamente porque a cultura do consumismo está enraizada de tal forma que os indivíduos não são capazes de vislumbrar outra lógica que não a do crescente consumo e a do crescimento econômico. Tal fato serve para mostrar que consumo sustentável não é, de forma alguma, algo simples. Desta forma, entende-se que pensar ser possível consumir de maneira sustentável através de ações triviais que exigem pouco esforço é um equívoco e defender tal proposta, um engodo. Assim, seja por não contrariar os níveis exacerbados de consumo, seja por limitar o consumo sustent|vel { adoç~o de “simples mudanças de h|bitos”, entende-se que os discursos analisados não proporcionam um questionamento autêntico da lógica consumista. Logo, do ponto de vista ideológico, os discursos sobre consumo sustentável servem à lógica hegemônica e, consequentemente, à manutenção do status quo.