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É fato que os atuais padrões de consumo não favorecem um quadro de desenvolvimento sustentável. Consequentemente, é inegável que as ações a serem desenvolvidas precisam contrariar a lógica hegemônica, haja vista que foi esta última que instaurou o quadro de insustentabilidade que se deseja mudar. Quando se analisam os discursos, entretanto, nota-se que as ações propostas não viabilizam uma efetiva mudança no curso.

Em primeiro lugar porque as ações propostas nos discursos não estabelecem um nexo entre as atitudes a serem adotadas e os benefícios delas resultantes. Pede-se, por exemplo, para se economizar energia, mas, ao mesmo tempo, não se explica como isto efetivamente contribui para a sustentabilidade. A economia de energia é considerada unicamente a partir da perspectiva de ganhos financeiros resultante da diminuição da fatura de energia elétrica a ser paga no fim do mês. No entanto, entende-se que não é este que deve ser o enfoque. A adesão a uma causa tende a ser tanto mais efetiva quanto melhor se saiba de que forma as ações praticadas contribuirão no quadro que se deseja alcançar. Assim, fazer com que o indivíduo compreenda de que forma suas ações irão ter rebatimento na construção de uma sociedade sustentável é algo fundamental em qualquer ação que vise estimular o consumo sustentável. Neste sentido, considerações acerca de como a economia de energia pode contribuir para a diminuição na geração de gases de efeito estufa ou para a diminuição na demanda pela construção de novas centrais geradoras de energia elétrica (e seus consequentes impactos) são as informações que verdadeiramente importam mas que não se fazem presentes nos discursos analisados (à exceção do discurso do Itautec). Ou seja, o que se verifica na maior parte dos discursos analisados, tal como já havia observado SCR (2006, p.04), é que as conexões entre o modelo de sociedade e as consequências deste sobre os sistemas naturais são, na maioria dos discursos, mantidas obscuras.

Um caso emblemático de como as ações propostas não viabilizam uma efetiva mudança é a maneira como a questão do controle do impulso consumista é tratada. O que os discursos solicitam aos consumidores é que os mesmos abram mão do preço e da qualidade para privilegiar o produto de empresas socioambientalmente responsáveis. Longe da singeleza com a qual é dada a entender, esta é uma questão complexa. Isto porque o tipo de comportamento advogado pelos discursos vai de encontro à reação racional do consumidor em optar por produtos mais baratos e/ou de melhor qualidade. Solicitar ao consumidor que simplesmente controle seus impulsos consumistas, em um contexto no qual signos (BAUDRILLARD, 2005; LIPOVETSKY, 2009; BAUMAN, 2008), o mercado (KLEIN, 2006; LAYRARGUES, 1998; BAUDRILLARD, 2005); moda (LIPOVETSKY, 2009; SCHULTE; LOPES, 2010), necessidade de diferenciação social (GALBRAITH, 1974; VEBLEN, 1965) e hedonismo (CAMPBELL, 2001) influem no comportamento de compras, é ignorar o fato óbvio de que o indivíduo não faz suas opções de consumo com base em uma lógica estritamente racional (BARBOSA, 2006, p.170; LINDSTROM, 2009, p.62; PRINCEN, 1999, p.354). Ademais, pedir que o consumidor simplesmente controle seus impulsos consumistas é ignorar a realidade dos menos favorecidos (KEMPF, 2010), como

se os mesmos pudessem se permitir não comprar mais do que o necessário ou de experimentar o supérfluo quando há uma situação que o permita fazê-lo.

Outro indicativo claro de que as ações propostas não viabilizam uma efetiva mudança é aquilo que se tornou o ícone do consumo consciente: a sacola retornável. Embora a diminuição do consumo de sacolas plásticas seja uma ação relativamente importante porque atenua o impacto sobre o meio ambiente, o fato é que diminuir o consumo de sacolas plásticas nada tem a ver com a escolha de produtos e serviços que, para serem produzidos/ofertados, diminuíram seu impacto sobre os recursos naturais. Não é consumindo menos sacolas plásticas que o indivíduo exerce seu poder de escolha sobre um produto produzido de forma sustentável. São categorias distintas “escolher um produto em funç~o dos impactos provocados por seu processo produtivo” e “escolher onde acondicioná-los depois que se passa pelo caixa do supermercado”. Contudo, o que se nota nos discursos analisados é uma orientação para disseminar a ideia de que utilizar sacolas plásticas é sinônimo de consumir sustentavelmente. Ao proceder desta forma, o agente discursivo assume a (paradoxal) posição de que ao usar uma sacola retornável, o indivíduo pratica um consumo sustentável inclusive quando adquire bens de consumo produzidos de forma insustentável. Ademais, o fato de usar uma sacola retornável que diz “eu consumo de forma consciente”, ou algo similar, n~o significa que o individuo consuma, efetivamente, de maneira consciente. Mais provável seria supor que se o faz é porque a mesma tornou-se objeto de moda.

Por fim, cumpre mencionar que algumas das ações propostas pelos discursos são inócuas simplesmente porque desconsideram a realidade na qual os consumidores vivem. Ao recomendar que se evite o uso do carro nos horários e locais de maior congestionamento, ignora-se o fato de que o modelo de transporte urbano disponível não torna a utilização do carro uma opção. Ignora, por exemplo, que a preferência pelo carro (além da questão estatutária) deve-se ao fato de que o transporte público é, via de regra, insuficiente, inseguro e deficitário. Da mesma forma, quando aconselha que em trajetos curtos o consumidor dê preferência ao transporte coletivo, vá a pé ou de bicicleta, o discurso ignora o fato de que as condições existentes (nomeadamente a inexistência de vias adequadas e em bom estado de conservação, bem como a ausência de segurança) não facilitam tais práticas. Sugestões como dar preferência a transportes coletivos que não emitam gases tóxicos (como o trem e o metrô) são igualmente descontextualizadas uma vez que, de modo geral, não há no Brasil uma estrutura de trens e metrôs nas proporções que seriam necessárias para se substituir os transportes rodoviários.

Em suma, seja por não estabelecerem um nexo entre as atitudes a serem adotadas e os benefícios delas resultantes, seja por abordarem a questão do consumo maneira simplista ou irrealista, considera-se que as ações presente nos discursos são pouco úteis ao estímulo de um consumo sustentável.