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2.1 Por que consumimos?

2.1.3 O consumo a partir da perspectiva sociológica

A ideia de que as pessoas consomem para satisfazer suas necessidades físicas e biológicas e adquirem bens a partir de uma rígida lógica de custos e benefícios foi durante muito tempo a explicação mais disseminada sobre a razão das pessoas consumirem10 (PAAVOLA,

2001, p.232). Mais recentemente, contudo, a sociedade ocidental foi confrontada com uma miríade de lógicas e valores distintos sobre formas de aquisição, uso e fruição de bens e serviços que a mera satisfação das necessidades, o pragmatismo e as imposições do mercado não mais podiam explicar (BARBOSA, 2006, p.170). Desde então, ficou evidente que o processo de consumo era bem mais complexo do que se supunha.

A vertente sociológica sustenta que todas as sociedades têm seus hábitos de consumo moldados, dirigidos e constrangidos em todos os seus aspectos por considerações culturais (McCRACKEN, 2003, p.11; BARBOSA, 2006, p.108; BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p.38). Segundo essa linha de raciocínio, os indivíduos aprenderiam a consumir com base no pertencimento a uma determinada sociedade (ASSADOURIAN, 2010, p.03; RETONDAR, 2008, p.139), de tal modo que nem mesmo atos cotidianos como comer, vestir-se, beber e dormir seriam exceção (PORTILHO, 2005, p.38).

Como explica Bonfim (2010, p.11),…

Todos nós estamos submetidos às regras sociais, pode-se quebrar uma ou outra, alguns conseguem mais subversões que outros, mas ninguém tem liberdade/autonomia total. Alguns se utilizam do poder para subjugar a maioria, mas mesmo os mais poderosos precisam corresponder a alguma expectativa do social. Sem desejar cair em algum tipo de estruturalismo, o fato é que uma vez dentro de um sistema social é muito difícil não acatar suas regras.

Assim,…

(…) quando desempenho os meus deveres de irm~o, marido ou cidad~o e mantenho os compromissos que assumi, cumpro obrigações definidas pela lei e pelo costume que s~o exteriores a mim próprio e {s minhas ações (…). O sistema de signos que emprego para exprimir os meus pensamentos, o sistema monetário que uso para pagar as minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas minhas relações comerciais, as práticas que sigo na minha profissão,

10 Na opini~o de Campbell (2001, p.17), isso se deve ao fato de que “o tema do consumidor moderno fora deixado quase exclusivamente para os economistas, que, caracteristicamente, trabalharam com um arcabouço anistórico de suposições, tratando o comportamento do consumidor, basicamente, do mesmo jeito que todas as pessoas de todos os tempos”.

etc. – todas funcionam independentemente do uso que faço delas (DURKHEIM, 1982, apud GIDDENS, 2004, p.50-51).

Ao subordinar o consumo à dinâmica social, a perspectiva sociológica desvincula o processo de troca de qualquer função pragmática ou instrumental. Assim, surge um terceiro valor para além dos valores de uso e de troca da mercadoria: o valor de signo. Dizer que as mercadorias possuem um valor de signo é aceitar que a sociedade produz e consume objetos não em função da utilidade que eles possuem, mas em função do que elas significam. Por meio do signo h| “o descolamento definitivo do valor de uso do valor de troca da mercadoria” (BARBOSA, 2008, p.39) e, consequentemente, a dissociaç~o entre interesse e utilidade. Mas porque razão alguém se disporia a trocar o produto de seu trabalho (dinheiro), por algo que não satisfaz nenhum tipo de necessidade?

Tal questionamento, como observa Baudrillard (2005, p.60) permanecerá sem explicação “a n~o ser que se abandone radicalmente a lógica individual da satisfação para restituir à lógica individual da diferenciaç~o a sua import}ncia decisiva”. O que Baudrillard quer dizer com isso é que, ao fim e ao cabo, o processo de consumo organiza-se segundo uma procura social não por satisfação pessoal (e consequentemente atendimento das necessidades), mas sim por sinais de diferenciação (PORTILHO, 2005, p.77), expressos através de signos.

Conforme observara Veblen (1965), em qualquer ato de consumo tem lugar uma dominadora preocupação com a manutenção e realce do status social. Sendo assim, o consumo teria uma…

(…) profunda significaç~o cultural e, por isso mesmo, n~o devia ser examinado em termos meramente econômicos, uma vez que as mercadorias adquirem importância como sinais, como símbolos e não tão somente pela satisfação intrínseca que elas podem trazer (CAMPBELL, 2001, p.75-76).

Da mesma forma, Bourdieu (1999, apud PORTILHO, 2005, p.96), Douglas; Isherwood (2009) e Featherstone (1995, apud TAVARES; IRVING, 2009, p.34) vão alegar que o consumo é motivado, antes de tudo, pela necessidade de agrupamentos sociais ou frações de classe atingirem distinção ou status reconhecido.

Portanto, não é que a mercadoria não tenha utilidade, apenas que deixa de tê-la no sentido de um uso final, consumptivo. O uso que a sociedade faz das mercadorias estaria relacionado apenas em parte ao consumo físico das mesmas, sendo tão importante quanto isso a sua utilização enquanto demarcadores sociais. Sob esta perspectiva, o principal

motivo que estimula o consumidor “a se engajar numa incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona” (BAUMAN, 2008, p.21). Posto desta forma, imagens e significados simbólicos constituiriam uma parte real do produto tanto quanto os ingredientes que o integram (FRANKE, 2009, p.46). Como sintetizam Barbosa; Campbell (2006, p.22):

Os mesmos objetos, bens e serviços que matam nossa fome, nos abrigam do tempo, saciam nossa sede, entre outras “necessidades” físicas e biológicas, são consumidos no sentido de “esgotamento”, e utilizados também para mediar nossas relações sociais, nos conferir status, “construir” identidades e estabelecer fronteiras entre grupos sociais.

É desta forma que o valor de uso (vestir seus usuários) de roupas de grifes tem menos importância que seu valor de signo (servir como elemento de diferenciação). Ao adquirir uma mercadoria e exibi-la, “o consumidor transmite uma mensagem {queles que o rodeiam, uma mensagem que de fato pode equivaler a dizer: ‘Vejam como eu sou rico, posso dar-me o luxo deste item muito caro’” (CAMPBELL, 2001, p.77-78). Klein (2006, p.52) ilustra bem esta situaç~o quando comenta que…

(…) até o início dos anos 70, os logotipos em roupas geralmente ficavam escondidos, discretamente colocados na face interna dos colarinhos. Os pequenos emblemas de grife apareceram no lado de fora das camisas da primeira metade do século, mas esses trajes esportivos se restringiam aos campos de golfe e quadras de tênis dos ricos. No final dos anos 70 (…) o cavaleiro da Polo de Ralph Lauren e o crocodilo da Izod Lacoste saíram do campo de golfe e dispararam pelas ruas, arrastando o logotipo definitivamente para o lado de fora da camiseta. Esses logos tinham a mesma função social da etiqueta de preço das roupas: todo mundo sabia exatamente quanto o dono da roupa se dispôs a pagar pela distinção.

É por isso que, como comenta Baudrillard (2005, p.60),…

(…) nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) – os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior.

Portanto, na perspectiva do valor de signo, a utilidade de um objeto desnecessário está em servir como “elemento de classificaç~o e de diferenciaç~o social (…), como valores estatut|rios no seio de uma hierarquia” (BAUDRILLARD, 2005, p.60). O que o signo faz é atribuir valores (significados) aos objetos. A partir daí, estes passam a desempenhar tamanha centralidade nas práticas sociais que, como coloca Bourdieu (apud BAUMAN, 2008, p.07), “talvez n~o exista pior privaç~o, pior carência, que a dos perdedores na luta

simbólica por reconhecimento, por acesso a uma existência socialmente reconhecida, em suma, por humanidade”.

Isto posto, é interessante notar que mesmo contrariando a lógica estritamente utilitarista do homo economicus, a perspectiva sociológica sobre o consumo não deixa de interpretar o consumidor como um sujeito racional. Embora a motivação seja outra, o consumidor continua a ser encarado como um indivíduo que faz uso da razão em suas escolhas. O que a perspectiva mercadológica vão trazer para a discussão, no entanto, é que, o estímulo ao consumo não tem relação apenas com considerações racionais como preço, utilidade ou distinção social (BARBER, 2009, p.48). Por mais racionais que sejam (ou que tentem ser) os consumidores, nem sempre é a razão (seja ela utilitarista ou estatutária) que guia suas práticas de consumo. Dito de outra forma: em um processo de consumo, o consumidor pesa não só suas necessidades racionais, mas também emocionais.