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Considerações complementares sobre o entendimento do corpo na educação

CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO SOMÁTICA E CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES

2.2. Considerações complementares sobre o entendimento do corpo na educação

como o entendimento do corpo segundo a educação somática descrito a seguir.

2.2. Considerações complementares sobre o entendimento do corpo na educação somática

Nas técnicas corporais da educação somática, segundo Strazzacappa (2012), também existe o termo “neutro”. Trata-se da concepção de neutralidade que busca a descoberta individual para a ampliação da consciência de si contemplando as especificidades e características de cada corpo. Essa concepção somática de “corpo neutro” se assemelha ao entendimento de Jacques Lecoq (1997) que busca, com o uso da máscara neutra, a neutralidade que leva a um corpo receptivo e disponível. Como afirma Strazzacappa:

Afinal de contas, o que é neutralidade de um corpo? Não há um corpo neutro. Conforme indicado anteriormente, o corpo pertence a uma sociedade, a uma cultura, e ele é portador de marcas características. Ora, em fase da total ausência de outra expressão para designar esse corpo que está “pronto para tudo”, diz-se “corpo neutro”. Quanto mais o corpo do artista se expande em múltiplas direções – ou técnicas –, menos ele ficará fechado no estilo próprio de uma escola fundamentada em uma escolha particular de práticas. (2012, p. 36)

A autora afirma que esse “corpo neutro” é menos técnico e mais vivo, ou seja, se desenvolve a partir de um ponto neutro no qual todas as técnicas podem ser aprendidas e praticadas, sua formação se completaria no desenvolvimento da sua própria percepção e experimentação. De forma semelhante, para Lecoq (1997), a concepção da neutralidade serve para definir um estado prévio a qualquer ação e/ou experimentação corporal criativa. Trata-se de um repouso em alerta, um momento no qual há igual distribuição de energia pelo corpo, em resumo, é quando há equilíbrio corporal ideal, no qual o ator está mais apto para desenvolver qualquer possibilidade expressiva. Para Lecoq (1997) neutralidade é quando o ator é uma “folha de papel em

65 branco”. Isto, na educação somática, quer dizer que o corpo se aproxima das suas potencialidades naturais:

Assim, quando falamos de neutralidade do corpo, nós nos referimos às noções do corpo biológico, do corpo ao qual se referia Feldenkrais: o corpo capaz de usar a maior quantidade possível de seu potencial. Quanto mais esse corpo se aproxima de sua primeira concepção, de seu potencial de movimento, mais ele é neutro. O corpo neutro é útil à capacidade de reproduzir a maior diversidade de corpos, de gestuais, de expressões. Um corpo fixado numa técnica específica é um corpo cheio de vícios, portanto, um corpo não neutro. (STRAZZACAPPA, 2012, p. 37)

A educação somática considera o corpo como uma unidade integrada e complexa, que se relaciona com aspectos, psíquicos, energéticos, sociais, etc. que estão conectados e determinam a saúde do mesmo e o desenvolvimento pleno das suas capacidades. Deste modo, diversas referências da educação somática, enfatizaram a importância do aprimoramento da consciência de si, o que promove um melhor equilíbrio do indivíduo e, por consequência, maior bem estar integral. Estes estudos também caminharam em direção ao aprofundamento da composição anatômica do corpo vivo, que transparece em algumas técnicas que se debruçam no estudo da coordenação motora e do funcionamento do cérebro em estágios de maior complexidade.

Segundo Gómez (1988), quando Thomas Hanna recuperou a palavra grega soma que significa “corpo vivo”, definiu a somática como o campo que estuda o soma, tendo como pressuposto, o corpo percebido internamente pelo próprio indivíduo. Anos mais tarde propôs uma nova definição na qual afirma que a educação somática é a arte e a ciência interessadas entre os processos de interação sinérgica ente a consciência, o funcionamento biológico e o ambiente. Desta forma, este campo de estudo foi se constituindo e passou a definir pressupostos em comum em relação às suas abordagens. Um destes pressupostos é o do entendimento do corpo como uma unidade complexa e integrada, o soma.

A partir de concepções mais aprofundadas sobre o assunto foram sendo feitas diferenciações como, por exemplo, a diferença entre soma e corpo. Esta pode ser explicada brevemente, da seguinte maneira: Quando um ser humano é contemplado

66 desde “fora”, a partir do ponto de vista de uma terceira pessoa, trata-se da compreensão de um corpo. Mas quando este mesmo corpo é observado desde o ponto de vista da primeira pessoa acontece um fenômeno categoricamente diferente que é o entendimento de si mesmo como soma, portanto, a informação que apresenta é única, como são também suas percepções e descobertas resultantes. Quando se observa o corpo de outra pessoa encontramos algumas informações, mas que estão fundamentadas, principalmente, a partir daquilo que apresenta sua configuração/forma exterior, enquanto que, se a pessoa observa a si mesma, a informação apresentará uma experiência integrada de sensação, sentimento, pensamento, movimento – soma.

A consciência somática trata-se da capacidade do ser humano em centrar voluntariamente a atenção sobre si, o que constitui parte do processo somático. Pode- se definir como uma atitude de atenção interior que se desenvolve na medida em que o indivíduo encontra-se receptivo e ativo na contínua interação entre os processos orgânicos do corpo e seu entorno. A compressão dessa consciência é diferente da conotação de consciência como estado de vigília. Para Feldenkrais (1977), a consciência na educação somática é estar no estado de vigília, porém dando-se conta do que é feito, pensado e sentido a partir de uma perspectiva interna.

A experiência tem grande importância na educação somática, pois se relaciona com tudo que envolve o movimento e o repertório de aprendizagens sensório-motores adquiridas a partir das ações e reações do indivíduo ao longo da sua vida. Por meio das experiências é como o indivíduo passa a adquirir hábitos que diminuem seu potencial individual e, nesse entremeio, a educação somática busca, entre outros aspectos, ampliar o repertório de movimento individual para possibilitar um aprofundamento na sua consciência global e, assim, restituir e/ou potencializar suas autênticas capacidades.

Nesta pesquisa, busquei compreender o corpo como soma, seus processos de auto-regulação em movimento são fundamentados, principalmente, através da teoria de Feldenkrais (1977). Sua noção de auto-imagem foi o grande referente para falarmos do desenvolvimento da consciência por meio do movimento. Também foi abordado o estudo de Oliver Sacks (2005), que apresenta a propriocepção como o sexto sentido que permite saber o posicionamento do corpo no espaço e a tonicidade dos músculos, ao mesmo tempo em que possibilita desenvolver a percepção do esquema corporal

67 geral, ou seja, saber a cada momento em qual posição se encontram os membros do corpo em relação a outras partes contíguas e, por sua vez, em relação ao espaço.

Do mesmo modo, este sentido, nos dá a informação do que sucede com o corpo todo o tempo, seja enquanto se move ou em repouso, esta percepção acontece sem a necessidade de ter um referencial visual do movimento. Apesar de se relacionar com os outros cinco sentidos, que na maioria das suas funções nos permitem conhecer o mundo de forma maiormente exteriorizada, a propriocepção é um sentido interoceptivo, isto quer dizer que nos possibilita perceber o estado interior e regular seu ajuste para nos relacionar com os processos internos tanto quanto com os estímulos externos.

Segundo Sacks (2005), assim como os outros sentidos, a propriocepção também conta com um sistema que permite seu funcionamento, formado por receptores nervosos, chamados de proprioceptores. Estes estão distribuídos pelo corpo inteiro, os quais enviam a informação sobre a posição e o movimento das partes do corpo ao cérebro, por meio do sistema nervoso periférico. Este se encarrega, junto com os comandos cerebrais, de informar sobre o posicionamento do corpo no espaço e da coordenação motora de forma geral, tanto em movimentos de translação como nos de ajuste do seu equilíbrio e estabilidade.

A propriocepção é a sensibilidade profunda não existem primeiramente para nos permitir sentir deformações, trações ou outros esforços. Existem primeiramente para alimentar circuitos de retro-alimentação auto-reguladores, capazes de manter o equilíbrio, a posição necessária, o enrijecimento corporal bem distribuído, para que este ou aquele gesto ou movimento menor possam ser bem executados. Apesar disto, o cuidadoso deter-se sobre as sensações provenientes dos movimentos e posições, traz um gradual e interminável progresso em nossa capacidade de nos movermos com precisão, graça, economia e fluência. (GAIARSA in FELDENKRIAS, 1977, p. 12,)

O entendimento do sentido proprioceptivo e do seu funcionamento numa maior complexidade é relativamente recente. De acordo com Feldenkrais (1977), o ser humano demorou um longo período de tempo para perceber e estudar teoricamente os circuitos de auto-regulação do seu corpo, o que viria a acontecer, com maior aprofundamento, somente no século XX. Este aspecto destaca, em paradoxo, que o ser humano demorou mais em perceber a dinâmica de seu movimento em ações

68 simples, como sentar e levantar, por exemplo, do que em outras atividades de maior vigor físico e exigência técnica. E, de modo equivalente, o ser humano encontra maior dificuldade em desenvolver uma atenção consciente na realização de ações consideradas cotidianas ou simples, pois estas funcionam, frequentemente, por meio dos velhos sistemas evolutivos que operam a sua própria maneira, ativando um “piloto automático” para sua realização.

Desta forma, Feldenkrais explica que o alicerce da consciência é o movimento, pois sabemos mais sobre a organização do corpo e suas características físicas do que sobre sentimentos e mesmo pensamentos. Por sua vez, os movimentos refletem o estado do sistema nervoso, em termos de tonicidade muscular. Deste modo, um maior equilíbrio na realização de ações começa a influenciar no funcionamento do sistema nervoso de forma geral que percebe que foram evitados esforços desnecessários durante a realização de determinada ação, o que cria e começa a estabelecer um novo caminho para sua optimização quando esta seja realizada novamente.

Existe grande proximidade entre o córtex motor e as estruturas dos sentimentos e do pensamento no cérebro. Deste modo, trabalhar com as bases da motricidade permite modificar hábitos físicos que se associam a padrões rígidos que, nesta mudança, perdem seu referencial habitual, possibilitando a ampliação da consciência sobre si. A partir do momento em que acontecem novas explorações musculares, pensamentos e sentimentos também podem ser modificados, pois as mudanças a nível corporal são capazes de alterar o eixo de referência que os constitui. Para perceber o que acontece no nosso sistema nervoso é preciso exercitar a prática da atenção consciente em relação às mudanças de posição, estabilidade e atitude, pois estes fatores são mais perceptíveis do que o próprio sentir dos músculos. Assim, para chegarmos à consciência muscular é preciso compreender, primeiramente as ações:

O sistema nervoso tem uma característica fundamental: nós não podemos executar uma ação e sua oposta ao mesmo tempo. A cada momento particular, o sistema inteiro consegue uma espécie de integração geral, que o corpo expressará nesse momento. Posição, sensação, sentimento, pensamento, bem como processos químicos e hormonais, combinam-se para formar um todo que não pode ser separado em suas várias partes. Este todo pode ser altamente complexo e intrincado, mas é um sistema integrado naquele dado momento. (FELDENKRAIS, 1977, p. 59)

69 No método Feldenkrais, a ampliação da consciência tem em vista o aprimoramento da auto-imagem, que, em resumo, refere-se à imagem mental que temos de nos mesmos: do nosso corpo, das nossas capacidades de locomoção e de tonicidade muscular. Esta imagem mental das próprias capacidades físicas deveria perceber todas as potencialidades do corpo, mas devido a demandas externas impostas pela sociedade e pela educação, o ser humano sofre limitações que o influenciam desde os primeiros anos de vida. Isto tem uma conexão direta com a estrutura psicológica e emocional do indivíduo que é fortemente determinada por essas imposições exteriores que, em muitas ocasiões, anulam, como mencionado, a compreensão de si até em relação a necessidades vitais. Ao mesmo tempo, esta limitação se estende a outros aspectos do seu desenvolvimento traduzindo-se em incapacidade de subjetivação e criatividade em suas práticas cotidianas.

O método Feldenkrais, propõe o aprimoramento da auto-imagem com o intuito de potencializar as particularidades individuais e morfológicas por meio do desenvolvimento da consciência corporal. A auto-imagem é assimilada em conexão com o sentido proprioceptivo que, na sua complexidade, envolve o corpo inteiro, incluindo ossos, articulações, tendões, músculos e pele para informar ao cérebro sobre o estado e funcionamento da sua composição integral. Como referido, o movimento se conecta com as sensações e se relaciona com circuitos auto-reguladores que nos ajudam a manter um tônus muscular equilibrado, o que possibilita se movimentar com precisão, fluidez e economia.

Esta investigação sobre si leva ao aprimoramento não só da organização harmoniosa do corpo, mas também ao equilíbrio dos músculos e sentidos. Uma atividade livre de esforços desnecessários propicia o desenvolvimento de uma maior sensibilidade para a realização de qualquer ação. Nesta perspectiva, trabalhar com o aumento da sensibilidade acontece de forma gradativa, segundo Feldenkrias até que este estágio alcança um nível no qual ultrapassa o limite anterior e, deste modo, a organização da personalidade inteira também é influenciada. Na medida em que se aprimora a percepção do movimento e compreende-se a integração do corpo inteiro, podemos influenciar de modo palpável na organização do corpo como um todo visando sua melhoria integral.

70 consciência corporal que possibilita a ativação dos circuitos de auto-regulação, ou seja, na busca do aumento da sensibilidade para se perceber e organizar de modo ideal. Este processo, se abordado com maior aprofundamento, levaria ao estágio denominado pela educação somática como “tomada de consciência”. E posteriormente ao aprimoramento da auto-imagem para uma melhor integração corporal.

Na pesquisa para complementar à compreensão do corpo para uma abordagem corporal através da educação somática enfoquei neste primeiro momento de auto- percepção que possibilita o ajuste e organização imediata do corpo por meio da conexão com seus circuitos de retro-alimentação auto-reguladores. Vinculei isto com a ênfase na percepção da respiração que, por sua vez, se relaciona diretamente com o processo inicial de “tomada de consciência” de várias referências da educação somática. Dentre estas, as duas referências basilares deste estudo que aproveitam a dinâmica da respiração como um aspecto fundamental da investigação individual do movimento e para aumentar a consciência de modo integral.

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