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at schools of xxi century Clara Anunciação

5. Considerações finais

Tendo em conta a nossa observação bem como os dados apresentados, acreditamos que, em apenas dois anos de formação nesta área específica do latim, uma pequena parte da turma começou a atribuir à escola uma importância que, no início do ensino secundário, não atribuía. Claro que este sentimento pode advir da conjugação de múltiplos fatores. No entanto, independentemente das preferências e das razões pelas quais iniciaram o estudo do latim, o certo é que, na reta final desta disciplina, o que fica é a importância desta face a outras disciplinas, face à área que pretendem seguir no futuro ou até (porque não?) face à forma como encaram a escola e a sua ligação com ela.

A importância que o latim assume na aprendizagem do português é facilmente justificado pela língua, literatura e cultura. Inevitavelmente, o ensino do latim pressupõe o ensino do português. E não só. É recorrente, numa aula de Latim, a interligação a várias áreas de ensino, como a Filosofia, a História, as Artes e até com outras línguas, como o Francês ou o Inglês.

O facto de os alunos não se dedicarem ao estudo do Latim fora da sala de aula, salvo em situações de pressão avaliativa, é, hoje em dia, sintomático de toda uma nova cultura que obriga a repensar a escola e a educação e de como estas se podem adequar a gerações criadas na era digital, em que praticamente tudo está à distância de um clique.

No entanto, aprender latim pressupõe empenho e dedicação da parte dos alunos para se chegar ao conhecimento. Mas se os alunos não estudam em casa, como lhes podemos fazer chegar o latim? Por meio das aulas, claro. Mas se as aulas de latim se enchem de português, filosofia, história e outras, que lugar terá o latim nas próprias aulas de latim? E que lugar deverá ter aquele nos próprios curricula escolares?

Cremos também que a implementação do Latim a partir do 5.º ano nas escolas públicas, com carácter obrigatório seria parte da resposta a estas perguntas (e da solução a estes problemas). Entendemos que a possibilidade de dar a todos os alunos as mesmas bases culturais, literárias e gramaticais (tendo em conta as diferentes faixas etárias, como é óbvio), constituiria, não só uma mais-valia para todas as outras disciplinas, como também reforçaria os laços vinculativos dos alunos à escola, enquanto espaço e tempo performativos.

É preciso notar que o carácter de obrigatoriedade aqui defendido diz respeito a todos os diferentes níveis do sistema educativo e não apenas ao nível micro dos alunos.

Mesmo que tal não fosse possível devido à excessiva carga horária curricular dos alunos, que é um facto, então, pelo menos, reforçar a obrigatoriedade do Latim no ensino secundário, nas áreas de Humanidades e de Ciências, onde a sua utilidade é inquestionável (e manter a disciplina como opção nas restantes áreas).

No entanto, se o latim vai continuar a ser uma opção, entre muitas, em que os alunos tem apenas dois anos para aprender o básico para saber traduzir textos literários, então compreendo porque para eles o pior das aulas de latim são as declinações, mais concretamente, o ato de as memorizar (supostamente) e a arte de traduzir. Há, com certeza, um caminho que se pode romper para traçar um novo rumo no ensino do latim séc. XXI. Em vez de se partir do texto latino, que é o centro de todo o trabalho dinamizado na aula, porque não partir do contexto conhecido dos alunos, como referências culturais (história, mitos, expressões populares e provérbios), etimologia do português e até gramática, criando pontes à medida que se avança, aproveitando a multiplicidade dos conhecimentos, espicaçando a curiosidade dos estudantes e procurando deixar para o final o texto latino. Quando este fosse apresentado aos alunos, porque não fazê-lo acompanhado da tradução, para que a turma pudesse redescobrir o prazer de ler, só por ler, sem qualquer finalidade, cabendo ao professor o papel de mediador de uma leitura funcional, estimulando a participação oral, a apresentação de dúvidas, o debate de ideias, em suma, gerando práticas construtivas de aprendizagens significativas para os alunos.

De facto, tanto a nossa pesquisa como a nossa experiência confirmam que o professor é, sem dúvida, a peça-chave de uma aula de latim. Sem dúvida que ele faz toda a diferença. Principalmente um com formação humanística, como é o caso da formação de um professor de línguas clássicas. Este não se preocupa apenas com a matéria que tem de ser dada em aula, mas com os próprios alunos: se estão motivados ou não para aprender; se estão a compreender ou se estão com dificuldades; se conseguem deduzir, induzir e estabelecer analogias, enfim, aquilo que se espera com naturalidade de um qualquer professor.

Sabemos, hoje em dia, que uma relação afetiva entre o professor e os alunos gera motivação para uma sólida aprendizagem. Não temos dúvidas de que a professora titular da turma questionada soube envolver os seus alunos para a aprendizagem do latim, contribuindo em grande medida para o envolvimento destes na escola e na comunidade.

Para os mais incrédulos explicamos de seguida como é isto possível. Quando se é verdadeiro e genuíno, é possível inspirar os alunos. O professor é um exemplo a seguir sempre que é verdadeiro consigo próprio e com os seus alunos. Não é só ele o exemplo, mas também motiva pelo simples ato de dar a conhecer exempla. Ou seja, o professor quando conta histórias, quando narra mitos, quando fala de lendas longínquas nas aulas de latim, está a ajudar os alunos a compreenderem a sua identidade, a (re)conhecerem-se e a (re)conhecerem o mundo em que vivem, ao mesmo tempo que está a envolver os alunos no conhecimento, na sala de aula, entre si.

Não estamos muito longe do ato afetivo e maternal que representa o simples contar histórias a uma criança. Nós sabemos como os alunos, arredados a maior parte do tempo do seu seio familiar, estão mais ávidos do que nunca de histórias, de exemplos, de heróis e, principalmente, de um tempo e de um espaço afetivos, que lhes possam proporcionar o conhecimento do mundo que os rodeia, e durante e no qual possam aprender a pensar, preparando a sua maturidade com base numa identidade e autonomia próprias.

Lembra o Professor Aires Nascimento, numa comunicação proferida aquando do Colóquio sobre o ensino das Línguas Clássicas em 1992, as palavras de G. Highet, que disse:

Um dos mais variados e interessantes métodos para promover a educação é a literatura. A Grécia percebeu que os dramas e os poemas, os contos e as histórias não são apenas entretenimentos fugazes, mas aquisições permanentes do espírito, em razão do seu conteúdo sempre fértil.

Tal foi a descoberta dos gregos. Não foram muito ricos nem muito poderosos. O Egipto foi mais rico. A Pérsia foi muitíssimo mais poderosa. Mas os gregos foram cultos porque pensavam. Isto foi o que ensinaram aos romanos. Roma soube muitas

coisas que os gregos nunca chegaram a conhecer, ou que aprenderam demasiado tarde. Roma pacificou os bárbaros belicosos, construiu estradas, portos, pontes e sistemas de irrigação e criou o direito. Isto também é cultura. Mas não é o seu cume. Os gregos compreenderam que o cume da cultura é o pão do espírito e souberam dar esse pão aos outros.11

11 Nascimento, A. (1992). As línguas clássicas para uma formação cultural de hoje. In V. Jabouille et al. (Dir.). Classica,

Numa altura em que o pão do espírito já quase não existe e o outro também escasseia, perguntemo- nos se a escola quer ser esse espaço afetivo e envolver os alunos nessa aprendizagem do mundo. Se o professor quer criar esse tempo afetivo no tão estreito tempo letivo. Se o aluno quer sentir o latim que está à sua volta. E como saber se o latim está à nossa volta?...

Se a escola quiser ser esse espaço afetivo e envolver os alunos nessa aprendizagem do mundo… Se o professor quiser criar esse tempo afetivo no tão estreito tempo letivo…

Se o aluno quiser sentir o latim que respira à sua volta…

References

Aguiar e Silva, V. (2010). As Humanidades, os estudos culturais, o ensino da literatura e a política da Língua Portuguesa. Coimbra: Almedina.

Decreto-Lei n.º 74/2004 de 26 de março.

Despacho n.º 5048-B/2013 de 12 de abril. Critérios de constituição de turmas para o ano letivo de 2013/2014.

Lei de Bases do Sistema Educativo – versão nova consolidada (2005). Republicação da Lei nº. 46/1986, de 14 de

outubro, com alterações introduzidas pela Lei nº. 115/1997, de 19 de setembro.

Martins, I. (ano de publicação). De língua latina. Recuperado em 6 agosto, 2013, de http://delingualatina.blogs. sapo.pt/6140.html.

Nascimento, A. (1992). As línguas clássicas para uma formação cultural de hoje. In V. Jabouille et al. (Dir.). Classica, 18, 9-23.

Perrenoud, P. (1995). Ofício de aluno e o sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora. Sousa, H. (2011). Exames Nacionais – Relatório 2010. GAVE.

Sousa, H. (2012). Exames Nacionais – Relatório 2011. GAVE. Sousa, H. (2013). Exames Nacionais – Relatório 2012. GAVE.