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at schools of xxi century Clara Anunciação

2.3 Enquadramento micro

Deixando de parte os condicionalismos externos, centremo-nos no aluno. O verdadeiro desafio consiste em saber como podemos fazer chegar a língua latina ao aluno que está ali, na sala de aula, apesar de todos os obstáculos.

Não podemos deixar de sublinhar que, apesar de não considerarmos o latim como uma língua morta (por estar presente na língua que falamos e na cultura que nos rodeia), a verdade é que não é possível estudar da mesma forma que estudamos uma língua estrangeira, como o Inglês. A aprendizagem de qualquer língua moderna pauta-se sempre pela aquisição de competências, contemplando a compreensão e a produção, sejam estas a nível oral ou escrito. Mas o ensino da língua latina parte invariavelmente da compreensão escrita, sendo os textos latinos, património imaterial da Humanidade, o núcleo da disciplina de Latim. A filologia, considerada como a “velha deusa” por Aguiar e Silva9, é hoje em dia uma ciência em decadência, que não faz sentido para os estudantes a quem se propõe o estudo e a desconstrução do texto latino. A tradução, apesar de ser a finalidade de um texto apresentado aos alunos de latim, e, em última instância de uma aula, não se esgota nesse fim. Inevitavelmente, a busca expande-se pelos caminhos da língua, procuram-se os conceitos, a organização dos pensamentos, a lógica dos argumentos que, tudo junto, não cabe numa aula. Nem no tempo dos alunos.

8 Perrenoud, P. (1995). Ofício de aluno e o sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora, p.81.

9 Aguiar e Silva, V. (2010). As Humanidades, os estudos culturais, o ensino da literatura e a política da Língua Portuguesa.

Então, para responder às nossas questões, talvez seja necessário invocar as palavras de Thurler & Perrenoud:

Há renovação didática quando se modernizam os conteúdos e os métodos de uma disciplina escolar; reescrevem-se os planos de estudo, propõem-se guias metodológicos e meios de ensino correspondentes a essas novas orientações, formam-se ou informam-se os professores.10

Apesar de não haver novas orientações, a verdade é que existe a necessidade de se renovar didaticamente a disciplina de Latim. A questão é como fazê-lo. Talvez se os professores se informarem. Junto dos alunos. Quem melhor do que a turma para responder como gostaria de aprender, já que não pode decidir os conteúdos a serem apreendidos.

3. Metodologia

Os dados que apresentamos de seguida, e dos quais nos serviremos para ilustrar a nossa experiência, provêm das respostas obtidas a um inquérito facultado a uma turma de Latim do 11.º ano da área de Línguas e Humanidades, de uma escola pública na periferia de Lisboa. É preciso ter em conta que a amostra dos resultados que vamos apresentar é ínfima se considerarmos que o objetivo primordial se estendia à distribuição e obtenção de respostas de mais escolas (dividindo depois a análise das respostas dos alunos de Latim das escolas públicas e das escolas privadas).

A turma é constituída por dez elementos, dois do sexo masculino e os restantes do sexo feminino, com idades compreendidas entre os dezassete e os vinte anos.

Num primeiro momento, auscultámos o contexto linguístico destes alunos: todos têm o português como língua materna e o conhecimento geral de, pelo menos, duas línguas, sendo o Inglês e o Francês as mais estudadas por oposição ao Espanhol e ao Alemão.

Num segundo momento, procurámos auscultar os alunos em relação à disciplina de Latim, em concreto, e à escola, no geral. São estes os resultados que apresentaremos de seguida.

4. Resultados

Quando questionados a respeito das suas preferências na disciplina de latim, a maioria dos alunos escolheu a professora titular da cadeira. A cultura ocupa o segundo lugar das preferências, como é possível observar mais abaixo, no Gráfico 1. De facto, em relação à cultura, é sabido que o meio mais fácil de cativar as crianças e os jovens, e de os motivar para o estudo do latim, é, precisamente, através dos mitos e dos temas culturais, pelo que o resultado obtido neste parâmetro não nos surpreende.

Gráfico1: Preferências na aula de Latim

Em relação àquilo de que menos gostam na disciplina de Latim, os alunos não foram unânimes, dividindo-se entre as declinações e a arte de traduzir, conforme é possível constatar no Gráfico 2. Tendo em conta o tempo e o empenho que cada uma destas tarefas exige aos estudantes, podemos dizer que este resultado também era esperável. Para saber as declinações, os alunos necessitam de memorizar as suas terminações. A tradução, por sua vez, é uma prática que apenas se torna fluída com a experiência e com as repetidas consultas ao dicionário. Para evitar o dicionário, há que memorizar o vocabulário mais usual.

De facto, quem estuda latim precisa essencialmente de duas coisas: tempo e memória. Ora, os alunos não têm nem uma coisa nem outra. Nem querem ter, principalmente se o resultado não for imediato. Aqui temos o principal obstáculo ao estudo do latim no nível micro.

Não podemos, contudo, ignorar o facto de que este condicionalismo resulta da era em que vivemos, a era da informação, em que o acesso a esta é rápido, fácil e imediato.

Gráfico2:Do que menos gostam os alunos na aula de Latim

Mesmo sabendo de antemão que o Latim exige empenho dos seus estudantes e que estes não são, hoje em dia, os mais empenhados, por falta de tempo e motivação, quisemos indagar a respeito do tempo semanal de estudo, ou seja, quantas horas os alunos se dedicavam ao Latim fora do horário curricular da disciplina. Os resultados, ilustrados no Gráfico 3, demonstram que, apesar de alguns admitirem que não se dedicam ao estuda da língua fora das aulas, outros variam entre uma ou duas horas, quiçá na véspera de teste.

Gráfico3: Horas semanais dedicadas ao estudo do latim

Quando questionada a respeito da utilidade da aprendizagem realizada na disciplina, a turma dividiu-se, como é percetível no Gráfico 4. Uma maior percentagem, 30%, sublinhou a inegável utilidade do Latim para o estudo e compreensão do Português. No entanto, os alunos também

referiram respostas que negam a utilidade do latim por: 1) não ser uma língua falada ou por 2) não ter relação com a área de formação pretendida.

O inquérito também contemplava outras duas questões. Pedimos aos alunos para referirem se tinham intenção de continuar os seus estudos após a conclusão do ensino secundário. Apenas quatro alunos responderam afirmativamente, identificando, de seguida e concretamente, as áreas profissionais que pretendiam seguir. Estas eram: direito; comunicação social; estudos clássicos (!) e turismo ou cozinha. Assim, destes alunos, apenas identificamos um cuja área que pretende seguir nada tem que ver com Latim. Logo, ou houve um aluno que não identificou a área profissional pretendida ou não tem informação suficiente para considerar que áreas como direito, estudos clássicos e comunicação social são áreas que beneficiam do conhecimento de Latim (principalmente as duas primeiras).

Gráfico4:Perceções dos alunos a respeito da utilidade do Latim

No que diz respeito à importância da escola, o Gráfico 5 ilustra bem a diversidade de fatores apontados pelos alunos. Em primeiro lugar, no topo das respostas preferidas pelos alunos, está a escola como uma mais-valia para garantir o seu futuro. Logo seguida da função primordial da escola, de aquisição de novos conhecimentos. Em terceiro lugar, a resposta mais nomeada foi a da importância da escola face à formação profissional. Além de a escola ser um espaço pensado para configurar um futuro, como um meio para atingir um fim, que será a empregabilidade, também é tida como um espaço cognitivo e social. Ou seja, a turma reconhece a importância da escola como um espaço não só informativo, mas também performativo.

Gráfico5: Perceções dos alunos a respeito da importância da escola