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A análise pormenorizada do conjunto de projetos sorteados na pesquisa e a observação atenta das edificações residenciais produzidas no período entre as Guerras Mundiais, que sobreviveram até nossos dias, nos permitiram constatar a ocorrência de um fenômeno único, caracterizador da arquitetura residencial dos anos 20 e 30 na cidade de São Paulo.

À parte dos exemplares projetados para a elite por profissionais de renome e das habitações operárias e de uso misto, notamos o surgimento quase que espontâneo de manifestações arquitetônicas residenciais provenientes da expressão dos estratos médios da população paulistana, cujo alto índice de incidência verificado nos intrigou, levando-nos a examiná-las com mais cuidado.

Do ponto de vista técnico-construtivo, percebemos que poucas alterações significativas ocorreram até o final da década de 1920, período no qual a alvenaria de tijolos ainda era usualmente empregada na construção das residências populares paulistanas. Somente a partir dos anos 30 é que o uso de estruturas aliando elementos de ferro/aço e de concreto armado começou a se generalizar nas casas de classe média média e média alta. Naquele momento, o concreto armado configurou-se na mais importante inovação técnico- construtiva, atuando freqüentemente como coadjuvante em sistemas estruturais mistos. Vimos também que, apesar do seu emprego permitir a solução de vários problemas de ordem estrutural, construtiva e projetual, o uso mais banalizado de elementos de concreto armado nas edificações residenciais da capital paulista pelos profissionais atuantes na época não implicou na busca de uma nova estética arquitetônica ligada a este modo de construir.

No nosso estudo foi possível notar que o programa básico dessas residências se diversificou em uma grande variedade de agenciamentos no entre-guerras. As novidades atingiram fundamentalmente as habitações de classe média média, nas quais vulgarizou-se o “morar à francesa”. Nesse tempo difundiu-se o uso do vestíbulo ou hall como espaço de distribuição e de separação funcional entre as áreas de estar, repouso e serviço das residências; as instalações sanitárias com banho foram incorporadas definitivamente no corpo das casas; surgiu a copa junto à cozinha e, no fundo dos lotes, apareceram a garagem e a edícula. Verificamos igualmente nas décadas de 1920 e 1930 o estabelecimento de novos modos de implantação das residências : casas isoladas nos lotes, geminadas duas a duas, ou então, agrupadas formando vilas.

No entanto, o principal fator de distinção da arquitetura residencial paulistana de classe média deste período vai se concentrar na sua feição estilística. Nesse momento houve uma apropriação seletiva e combinação livre de elementos do repertório dos estilos eruditos, então em voga, que foi geradora de duas vertentes arquitetônicas residenciais de cunho popular, identificadas no trabalho como “Maneirismo Paulistano” e “Estilo Indefinido”.

Na nossa pesquisa constatamos que o “Maneirismo Paulistano” ocorreu concomitantemente ao Neocolonial luso-brasileiro. Percebemos também que essa linguagem estilística foi resultante de recriações inspiradas nas residências neocoloniais projetadas pelo arquiteto Victor Dubugras a partir do final da década de 1910. O “Maneirismo Paulistano” repetiu uma fórmula estilística reconhecível em inúmeras casas construídas na época, utilizando estilemas que se tornaram a marca dessa corrente disseminada amplamente na capital paulista durante os anos 20 e 30. Acreditamos que este processo de “desconstrução” de uma expressão erudita e conseqüente “reconstrução” de uma linguagem arquitetônica própria pela classe média paulistana, muitas vezes auxiliada por construtores anônimos, ocorreu de maneira natural, sem pretensões claras de gerar um estilo ou de elaborar uma nova estética. Este acontecimento ímpar de manifestação arquitetônica da classe média irá arrefecer-se durante a Segunda Grande Guerra até desaparecer progressivamente no final da década de 1940.

No mesmo período, observamos um número significativo de edificações residenciais sem caráter definido, cuja única afinidade era a exacerbação da individualidade. Verificamos que estas expressões arquitetônicas residenciais surgiram a partir da “contaminação estilística”, ou melhor, do “contágio visual” resultante da observação dos palacetes e das casas ricas; da influência do cinema e das revistas de variedades veiculadas na época, além da vontade explícita de “ser” moderno e “estar” na moda, ansiadas pelas camadas médias da população paulistana. Assim, a composição formal e estilística das fachadas destas habitações derivava do sincretismo de estilemas de diversos estilos arquitetônicos e de criações personalistas, gerando uma infinidade de variantes residenciais, das mais simples às mais elaboradas. Estas casas, espalhadas por inúmeros bairros paulistanos, foram englobadas no nosso estudo no “Estilo Indefinido”.

O pós-Segunda Guerra caracterizará novos tempos, onde novas condições, novos gostos, novas expectativas e nova estética surgirão, condicionando uma nova arquitetura residencial paulistana. A Arquitetura Moderna aparecerá como opção estilística e como modelo erudito apenas nos anos 50, enquanto o uso do concreto armado será definitivamente vulgarizado nas construções residenciais.

O inexorável processo de verticalização da cidade, marcado pela crescente construção de edifícios de todos os tipos, possibilitará o surgimento de um novo modo de morar que será adotado paulatinamente pelas classes médias da população paulistana, o edifício de apartamentos.1 A partir de programas diferenciados para atender os diferentes

estratos da sociedade, serão desenvolvidas soluções arquitetônicas próprias determinando modelos de organização espacial e dimensionamento, referenciados nos moldes das habitações unifamiliares tradicionais e adaptados às novas expectativas de “status” e conforto.

Com o passar do tempo, a classe média paulistana perdeu a expressão arquitetônica própria, que tão bem caracterizou a arquitetura residencial paulistana no período entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, para ocupar novamente o papel passivo de simples consumidora dos modelos e padrões arquitetônicos definidos pelas classes altas e sobretudo pelos incorporadores imobiliários.

E, como diz Carlos A. C. Lemos, “... já são outros os tempos, tempos de

comunicação fácil, do cinema, da televisão e das revistas de decoração que condicionam o gosto consumista. Hoje se copia tudo. Faz mais de cinqüenta anos que a classe média não inventa e não assume mais nada.” 2

1 “Nos anos 30, com a disseminação do uso do concreto, o prédio de apartamentos mostra-se definitivamente como solução

de moradia coletiva, até então altamente rejeitada pelo gosto popular e pela classe média que associava os edifícios multifamiliares aos cortiços de pobres. /.../ Morar em apartamento não era uma opção barata. Os edifícios construídos na época eram sempre para aluguel. /.../ A verticalização, aceita inicialmente com relutância, se multiplicaria nas décadas de 30 e 40, constituindo-se numa grande inovação no setor residencial com o surgimento dos prédios de apartamentos.” In: SOMEKH,

Nadia. A Cidade Vertical e o Urbanismo Modernizador p. 144.