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NEOCOLONIAL POLÊMICAS E OPINIÕES DA ÉPOCA

Abreviaturas utilizadas nesta tese

FIGURA 8 : “TYPOS DE CASA COMMUNS EM SÃO

II. Os modelos estilísticos em voga nos anos 20 e

II.1. O Neocolonial e a procura da modernidade e da identidade cultural

II.1.3. NEOCOLONIAL POLÊMICAS E OPINIÕES DA ÉPOCA

A proposta do estilo Neocolonial na arquitetura gerou inúmeras discussões na época. A primeira polêmica se deu em 1917 entre Monteiro Lobato e o arquiteto Christiano Stockler das Neves, que debateram através da imprensa.26 O primeiro era fervoroso defensor das

coisas brasileiras, um ferrenho nacionalista, que defendia o Neocolonial como verdadeira expressão da nossa gente e da nossa cultura. Já Christiano das Neves considerava os modelos da arquitetura religiosa jesuítica utilizados pelo Neocolonial destituídos de beleza,27

e defendia o Ecletismo Historicista como o estilo mais adequado e nobre para as edificações em geral. Apesar de se colocar frontalmente contra o Neocolonial de inspiração luso- brasileira, afirmando que “Architectura não se inventa e estylo não se impõe”,28 Christiano

aceitava a versão hispano-americana do movimento, talvez devido à sua formação acadêmica nos Estados Unidos.29 Referindo-se aos comentários exarados por Monteiro

Lobato em seus artigos argumentou que

26 A controvérsia foi iniciada por Monteiro Lobato no “O Estado de São Paulo” e foi seguida pela resposta de Christiano Stockler

das Neves no “Jornal do Commercio”.

27 “Conclue-se portanto que a evolução da Arte entre nós começou pela peor phase do estylo Barroco, que é, como seu nome

indica, caracterisado pela extravagância de suas formas, composições exageradas, molduras pesadas, tympanos e coroamentos de formas as mais bizarras, ornamentos ridiculos, principalmente no período do declinio do estylo, que tambem chamam de “estylo jesuita”, e que desprezou quase completamente as bellezas do classicismo. /.../ Acharão por acaso os leitores, bellezas de linhas e motivos architectonicos nas Igrejas de Santo Antonio, de Santos, na velha Sé de S. Paulo, nas Igrejas antigas do Rio de Janeiro e de outras cidades do norte do Brasil ? Pois foi nesses “monumentos architectonicos” que os enthusiastas do “Estylo” foram inspirar-se para o desenvolver.” NEVES, Christiano Stockler das. “Architectura Colonial.” In:

Jornal do Commercio. 03/02/1917, p. 4.

28 Idem, ibidem.

29 “Será coroado de êxito semelhante e audacioso emprehendimento ? Na minha fraca opinião creio que o “Estylo” terá

existência ephemera, pois que os seus adeptos não conseguirão desenvolver as formulas mortaes da peor phase, do Barroco ou as “atamancadas” dos mestres de obras. /.../ Attribuo esse movimento, formado por um pequeno número de adeptos, a uma simples imitação do que os americanos fizeram em relação á architectura colonial da Califórnia. É preciso, porém, considerar que as construcções modernas da Califórnia são originarias da Hespanha, muitíssimo mais fecunda em Architectura. Os

“Architectura não se compara com poesia /.../ O poeta póde ter o seu estylo próprio, /.../ como diz o ilustre articulista, mas com o architecto não se dá o mesmo ; não há architecto com seu estylo original e nem é possível ao mesmo fazer das formas do bruto antigo (da peor phase do Barroco) um novo-bello.” (NEVES, 1917, p. 4)

Assim, Christiano das Neves achava ainda imatura a proposição de um estilo nacional, fruto da identidade brasileira, que ele afirmava ainda estar em formação; para ele o mais justo era escolher dentre os estilos históricos o que melhor condissesse com os programas a serem atendidos, elegendo pessoalmente o estilo Luís XVI.30 Monteiro Lobato,

por sua vez, rebateu a postura do arquiteto afirmando que considerava

“/.../ absurdo negarmo-nos direito á fisionomia. Se ainda não a temos, te-la-emos. /.../ Esse movimento fecundo que Ricardo Severo iniciou com tanta discreção e ao qual já se filia uma plêiade de artistas altamente compreensivos, é o primeiro sinal de uma coisa muito mais significativa do que o sr. Stokler supõe. É o tactear dos primeiros passos para a criação do estilo brasileiro.” (LOBATO,

1967, p. 39 e 40)

A discussão conceitual entre os defensores do Neocolonial e os adeptos do Ecletismo Historicista sobre o estilo mais adequado a ser empregado na arquitetura paulistana dos anos 20 continuou exaltada. Em abril de 1926 o jornal O Estado de São Paulo publicou uma série de artigos com o título “Architectura Colonial”, sob a coordenação do sociólogo Fernando de Azevedo, nos quais Ricardo Severo, José Wasth Rodrigues, José Mariano Filho, Alexandre Albuquerque, Adolfo Pinto, entre outros, expressavam suas opiniões sobre o assunto. O principal objetivo da publicação destes depoimentos era trazer a público a discussão da validade da arquitetura tradicional e propor critérios para a sua normalização.31 Os entrevistados argumentavam que apesar de utilizarem um repertório

estilístico baseado na arquitetura antiga a sua proposta estética estava imbuída da idéia de

architectos americanos têm muita razão em desenvolver essa architectura, que , realmente, possue motivos belíssimos ; há architectos que se dedicam quase que exclusivamente a esse estylo, a que chamam “Spanish Renaissance” /.../. Esse é o estylo que devíamos cultivar por ser realmente agradavel e adaptavel ao nosso clima e á nossa natureza. Nos “films” americanos os leitores terão occasião de observar as construcções nesse estylo.” NEVES, Christiano Stockler das. “Architectura Colonial.” In: Jornal do Commercio. 03/02/1917, p. 4.

30 “Todo o architecto tem que recorrer ás formas dos estylos anteriores. Não constitue isso plagio e sim um grande esforço que

só o talento e a perseverança poderão conseguir para modernizal-os, melhoral-os e adaptal-os aos differentes climas. É o que os francezes têm feito em relação ao estylo Luiz XVI, /.../ Os inglezes /.../ adoptam também outros estylos em suas construcções, como o Luiz XVI modernizado /.../ O Estylo Luiz XVI modernizado, também já tomou grande incremento na grande Republica /.../” Idem, ibidem.

31 “O jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, chegou a publicar uma série de nove grandes artigos sobre o assunto a

partir de abril de 1926, onde vários especialistas entrevistados tiveram a oportunidade de externar opiniões, não necessariamente conflitantes, mas tendentes a normalizar a produção da “architectura colonial”. Combateu-se a expressão “estilo colonial” porque na verdade aqui nunca foi gerado “estilo” algum. /.../ Um estilo, portanto, deveria ser escolhido como geratriz da nossa moda tradicionalista. /.../ a coisa não deveria cingir-se somente a uma despreocupada providência de se embelezar um volume de alvenaria com a mera distribuição de simples ornatos. O partido arquitetônico deveria propiciar os agenciamentos caracterizadores da arquitetura antiga enquanto necessariamente deveria a obra ostentar flagrantemente a sua “modernidade”. In: LEMOS, Carlos A. C . Alvenaria Burguesa, p. 168.

progresso, ou seja, representava uma evolução natural daquela arquitetura que caracterizou os tempos coloniais e que fora temporariamente substituída pelo ecletismo forasteiro.

Outra polêmica contemporânea a ser destacada ocorreu entre os arquitetos Dácio Aguiar de Moraes e Gregori Warchavchik através do jornal Correio Paulistano nos anos de 1928 e 1929. Dácio de Moraes, defensor e praticante do Neocolonial, começou a discussão escrevendo uma série de artigos nos quais alertava para os equívocos resultantes de uma arquitetura internacional, enquanto Warchavchik, em resposta, fazia a apologia da “Architectura Nova” que vinha realizando em São Paulo.32

Mário de Andrade, numa série de quatro artigos publicados no Diário Nacional (São Paulo) em 1928, também intitulados “Arquitetura Colonial”,33 abordou a questão do

Neocolonial como tentativa de criação de um estilo arquitetônico brasileiro e desenvolveu reflexões teóricas a respeito da sua validade como expressão verdadeira da identidade cultural brasileira em comparação às propostas modernistas. Inicialmente Mário colocou a discussão contemporânea sobre a possibilidade de um nacionalismo ou regionalismo na América Latina em contraposição ao internacionalismo vigente na Europa e Estados Unidos nos anos 20. No segundo artigo apresentou a questão da imaturidade da arquitetura modernista, afirmando que a sua situação era

“/.../ duma tendência ainda. Não se pode falar que esteja firmada, unanimizada e muito menos tradicionalizada. /.../ Os arquitetos modernistas inda fazem mais obra de escola, obra pra mostrar as idéias deles, que obra de invenção e de expressão fatalizadamente moderna /.../ E o que é mais importante pro nosso caso : tudo isso inda não se generalizou. Não existem senão casas pequenas em estilo moderno.” (ANDRADE, 1980, p. 13)

Mário de Andrade expõe no terceiro texto a sua crença de que a arquitetura modernista “/.../ não permanecerá nem no anonimato nem no internacionalismo em que está agora. Se se normalizar ela virá, fatalmente, a se distinguir em frações étnicas e a se depreciar em função do indivíduo.” 34 E, no último artigo da série, quando discorreu sobre “o

fenômeno da nossa atualidade”, considerado como o contexto econômico, político, social e cultural brasileiro, admitiu que

“/.../ os arquitetos que estão trabalhando por normalizar no país um estilo nacional “neocolonial”, ou o que diabo se chame, estão funcionando em relação à atualidade nacional. A

32Ver: BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. p. 68; WARCHAVCHIK, Gregori. “São Paulo e a Architectura

Nova” In: Illustração Brasileira. 1929.

33 Ver a íntegra dos quatro artigos publicados inicialmente em 1928 no Diário Nacional (São Paulo): ANDRADE, Mário de.

“Arquitetura Colonial.” (1928) In: Arte em Revista. nº 4, 1980, p.12-14.

função deles é pois, perfeitamente justificável e mesmo justa. O que resta saber é se estão funcionando bem.” (ANDRADE, 1980, p.14)

Por estas reflexões podemos deduzir que Mário de Andrade aceitava de início a possibilidade de um estilo nacional,35 porém não descartava as tendências modernistas,

manifestando uma defesa subliminar e um desejo mal admitido para o sucesso da arquitetura modernista,36 demonstrando naquele momento uma postura ainda indefinida.

No artigo “Exposição duma Casa Modernista (Considerações)” de 1930, publicado também no Diário Nacional (São Paulo), Mário de Andrade já assumia uma clara posição em favor da arquitetura modernista de Gregori Warchavchik, situando o Neocolonial ao lado das expressões ecléticas vigentes desde o início do século XX em São Paulo. Neste texto Mário colocou a questão do “falso” e do “legítimo” na arquitetura ao afirmar que

“/... / o neo-colonial, o bangalô, o neo-florentino são “falsos”. /.../ Lhes falta aquela orgulhosa força de legitimidade que justifica e valoriza até os defeitos. /.../ Não é o conceito de falsificação deturpadora de princípios arquiteturais que me preocupa. Agora, é a noção do faux, do que é feito para enganar, da prática extemporânea./.../ Uma casa de Warchavchik berra junto das outras, berra orgulhosamente porque é legítima. /.../ Ora a Arquitetura também possui um destino, que não consiste nela ser bonita, mas agasalhar suficientemente não um corpo mas um ser humano, com corpo e também alma. /.../ Pois nós também, se almas atuais, temos que agasalhar nossas almas nas casas atuais a que chamam de “modernistas”. Tudo mais é desagasalho, é desrespeito de si mesmo e só serve pra enganar. É o falso.” (ANDRADE, 1980, p. 8)

A opinião do modernista Mário de Andrade expressa neste artigo, escrito apenas dois anos após a publicação da série sobre a “Arquitetura Colonial”, mostra claramente a mudança de pensamento e de atitude do ilustre escritor com relação aos estilos em voga na década de 20. Mário assumiu naquele momento uma posição declarada em favor da arquitetura modernista, renegando qualquer valor aos ideais nacionalistas do Neocolonial, considerado como uma expressão falsa de uma realidade brasileira e, portanto, vazio de conteúdo antropológico e cultural. Este juízo, no entanto, deve ser relativizado, uma vez que Mário de Andrade expressou suas idéias num momento histórico de afirmação e exaltação do Movimento Moderno.

35 “Os arquitetos brasileiros andam trabalhando num estilo de casa a que chamam de Colonial ou de Neocolonial. Por mais que

certas idéias e tendências modernas se tenham incrustado na minha cabeça, não acho um mal isso não. Mas não posso achar que seja um bem apesar de todo o meu entusiasmo pelo que é brasileiro.” ANDRADE, Mário de. “Arquitetura Colonial.” (1928)

In: Arte em Revista. nº 4, 1980, p. 12.

36 “/.../ Por mim acho que a arquitetura modernista acabará se impondo definitivamente porém eu sou torcedor e sou um só.

Minha contribuição pessoal, minha torcida não basta pra resolver um fenômeno destes. Por aí se justifica em parte a procura dum neocolonial pro Brasil.” Idem, p.13.