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Abreviaturas utilizadas nesta tese

FIGURA 8 : “TYPOS DE CASA COMMUNS EM SÃO

II. Os modelos estilísticos em voga nos anos 20 e

II.2. A nova moda do Art Déco

II.2.2. A FEIÇÃO DÉCO NA ARQUITETURA

A manifestação Déco na arquitetura expressou-se através da introdução de um repertório decorativo inédito, qualificado na época de “moderno,” porque diferente das desgastadas linguagens eclética historicista e Art Nouveau difundidas até os anos 20. O Art Déco, com sua predominância de linhas puras e ornamentos geométricos e estilizados, induzia a uma aparência de limpeza plástica das edificações, invariavelmente associada a uma imagem de modernidade.

A arquitetura filiada ao Art Déco não tinha como proposta promover alterações substanciais no partido arquitetônico das edificações porém intentava criar uma nova estética vinculada ao uso do concreto armado. Esta pretensa relação racionalista de influência “perretiana”,67 pode ser deduzida no texto do relatório final da Exposition

Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes quando se define arquitetura “moderna” como aquela que, “/.../ tirando vantagem das conquistas da indústria, utiliza, para realizar os novos programas, os materiais e os procedimentos da construção do seu tempo.”

68 Por esta afirmação, é claramente perceptível a estreita relação estabelecida desde o início

entre a arquitetura déco e o concreto armado, quase sempre presente na estrutura das edificações.

67 O arquiteto franco-belga Auguste Perret foi o pioneiro na busca de uma nova linguagem arquitetônica através do uso do

concreto armado. O seu edifício da rua Franklin (1902-3), em Paris, é considerado a primeira obra a empregar o concreto armado de forma aparente com objetivo ornamental. Ver: ALAMBERT, Clara Correia d’. Um Novo Modo de Construção no Limiar do século XX. Concreto Armado: Experiências Técnicas / Especulações Estéticas.

O Art Déco distinguia-se nos contextos urbanos em que se inseria por ser uma arquitetura marcada pela severidade da volumetria resultante de linhas retas, pela simetria planejada dos corpos e elementos de composição das fachadas, pelo equilíbrio entre os cheios e os vazios, pelo emprego ocasional de materiais como o vidro e metais para obter reflexo e brilho, e, via de regra, pela discrição da ornamentação estilizada ou geométrica aplicada em pontos estratégicos das elevações, de modo a criar efeitos de relevo e contrastes de luz e sombra. Assim, sobre uma estrutura de inspiração cubista, que podia ser um único arcabouço ou um volume fragmentado em vários blocos de composição e dimensões variadas, a ornamentação déco aplicava-se em locais pré-determinados das fachadas procurando destacá-los.

Segundo Alicia Suàrez e Mercê Vidal, na apresentação do livro Art Déco:1920/1940,

“/.../ as fachadas (Déco) apresentam as seguintes características predominantes : paredes externas realçadas por uma profusão de formas angulares ; distribuição regular dos vazios e simetria muito acentuada, que em vários casos aparece marcada por dois corpos laterais salientes ; janelas geminadas que destacam a horizontalidade ; mansardas geometrizadas do tipo francês coroando os edifícios ; faixas paralelas horizontais escalonadas que se repetem em toda a fachada ou aparecem nos espaços entre as janelas e as portas ; utilização de elementos de estilos históricos (colunas, capitéis, volutas) de forma plana e esquemática ; uso de espessos balaústres de cimento cilíndricos ou prismáticos ; introdução de baixos-relevos em placas que se encontram geralmente sobre a porta (os mais significativos são os que têm como tema a velocidade : barcos, trens, aviões). Mas, talvez, seja nas grades das sacadas e das portas onde as características do estilo podem ser captadas de forma mais imediata : as formas geométricas simples, paralelas, ondas, zig-zags, espirais, fontes de água, temas florais simplificados ou silhuetas de cactus e palmeiras, aparecem constantemente /.../”

(MAENZ, 1974)

Por seu caráter pretensamente “moderno” o Art Déco foi a linguagem estilística preferida pela maioria dos arquitetos e construtores no mundo inteiro para caracterizar as inúmeras tipologias programáticas que se afirmavam nos anos 20 e 30, como os cinemas, teatros, prédios industriais, de escritórios e de apartamentos.Neste período, a nova corrente arquitetônica também se disseminou em variados programas residenciais, imprimindo democraticamente a sua nova feição tanto nos palacetes da elite quanto nas habitações populares.69

69 “A generalização do Art Déco levaria à construção de cinemas /.../ escritórios, /.../ hospitais, indústrias e outras edificações,

mas provavelmente o mais importante foi a adoção de seus códigos decorativos (frisos, capitéis, batentes, colunas) pelos arquitetos, empreiteiros e mestres-de-obra, que os empregaram massivamente em casas da pequena burguesia e em edifícios de apartamentos.” In:TORAYA, Juan de las Cuevas. Contribuição dos materiais de construção cubanos no desenvolvimento e

A arquitetura déco se estabeleceu em duas fases seqüenciais com particularidades formais e ornamentais distintas. O divisor entre ambas foi o crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929, acontecimento desencadeador de uma profunda crise econômica, política e social nos Estados Unidos, a qual se propagou pelos países europeus e abalou o espírito frívolo dominante até então.

“/.../ A crise americana de 1929 apagou o luxo artificial de um muito prolongado “pós-guerra” : o estilo da burguesia internacional, que havia triunfado /.../ até a Expo 25, cedeu lugar à crise da economia burguesa. /.../ Era sobretudo a condenação de um sistema. E na ruína do sistema foram arrastados os símbolos do seu precedente poder : dentre eles o fausto decorativo foi particularmente atingido.” (VERONESI, 1968, p. 311)

Assim, a primeira etapa déco , conhecida também como “zigue-zague”, abrangeu a totalidade da produção arquitetônica dos anos 20, a qual privilegiou obsessivamente as ornamentações geométricas baseadas em estilizações de motivos de origem grega, asteca, oriental, egípcia etc., e valorizou sobremaneira as soluções volumétricas marcadas pela sobreposição de planos escalonados em profundidade e altura. Já na segunda fase desenvolvida a partir dos anos 30 foi dada maior ênfase aos temas que induziam a uma noção de movimento e dinamismo, surgindo daí as formas aerodinâmicas, mais arredondadas e suavizadas, ligadas inequivocamente ao desenho das máquinas e à velocidade.70 A chamada “arquitetura barco”, inspirada nos transatlânticos, e o arranha-céu,

que se configurava num bloco vertical se projetando em direção ao céu, são exemplos característicos da linguagem predominante do período, que se manifestou plena e vigorosa nos Estados Unidos.71

70 Paul Maenz chama a primeira fase da arquitetura Art Déco (anterior a 1929) de “zig-zag moderno” e a segunda (anos 30) de

“aerodinâmica moderna”. In: MAENZ, Paul. Art Déco : 1920-1940 . Formas entre dos guerras, p.199.

71 “Contrariamente ao que ocorreu no cenário arquitetônico moderno europeu, o Art Déco encontrou nos Estados Unidos um

ambiente favorável para seu pleno desenvolvimento, vindo a contribuir de maneira decisiva para a criação da imagem da metrópole moderna americana.” In: CAMPOS, Vitor J. B. O Art Déco e a construção do imaginário moderno - um estudo de

linguagem arquitetônica, p. 11.

FIGURA 30 : Arquitetura tipo “barco” (“Hook of Holland” - J.J. Oud / Holanda, 1924)

A imagem do Art Déco esteve intimamente ligada a verticalização nos grandes centros urbanos mundiais. Na década de 30 a paisagem de diversas cidades dos Estados Unidos foi transformada pela construção de elevados edifícios décos, os arranha-céus ou os famosos “skyscrapers”, como é o caso típico de Nova Iorque. O Chrysler Building (1928-30)72, o General Electric Building

(1930-31), antigo R.C.A. Victor, o Empire State Building (1931), e o complexo do Rockfeller Center (1933), entre outros arranha-céus, imprimiram a sua feição déco na identidade novaiorquina.73 Contemporaneamente, no Rio

de Janeiro, foi construído o edifício “A Noite” (1928-30), antiga sede do jornal do mesmo nome, considerado o primeiro arranha-céu déco brasileiro. Com 22 andares e construído totalmente em concreto armado, o prédio projetado por Elisiário Bahiana e Joseph Gire, apresenta

ordenação geométrica nas fachadas, discreta

ornamentação de inspiração déco na porção central do bloco e frisos horizontais nos coroamentos e cimalhas do edifício.74

Difundida no Brasil a partir do final dos anos 20, a arquitetura Déco teve seu ápice durante a década de 30, perdendo fôlego com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Neste período o Art Déco rivalizou intensamente com o Neocolonial como opção estilística para atender diversos programas como residências, escolas, edifícios públicos etc. Ambas as correntes se propugnavam modernas, porém com uma fundamental diferença : enquanto o Neocolonial buscava inspiração no repertório da arquitetura tradicional brasileira, o Art Déco baseava-se em modelos estrangeiros. Por outro lado, a valorização pelo Art Déco das artes

72 Paul Maenz considera o arranha-céu novaiorquino Chrysler Building (projeto de Willian von Allen) como “/.../ uma mostra

impressionante da transição da primeira fase do Art Déco /.../ para a segunda.” In: MAENZ, Paul. Art Déco : 1920-1940 .

Formas entre dos guerras, p.199.

73 Na mesma época, as novas áreas urbanas de algumas cidades americanas, como Miami, foram quase que integralmente

edificadas segundo a nova moda estilística do Art Déco. Hoje são atração turística os hotéis e as construções déco que se sucedem por quilômetros na famosa Collins Avenue de Miami Beach.

74 “Joseph Gire e Elisiário Bahiana, ao projetarem o edifício A Noite, davam vazão ao preceito perretiano de uma arquitetura

integrada àestrutura.” SEGAWA, Hugo. “Modernidade Pragmática. Uma Arquitetura dos anos 1920/40 fora dos manuais.” In:

Revista Projeto. nº 191, 1995, p. 78. FIGURA 31 : Chrysler Building (Nova Iorque, 1928/30)

FIGURA 32 : Empire State

nativas de países fora da tradição européia permitiu que na sua expressão brasileira fossem incorporados temas baseados na flora e fauna nacionais, além de motivos indígenas geométricos, como os das cerâmicas marajoaras do Pará.75 Este fato possibilitou que esta

corrente entrasse em convergência com os ideais do nacionalismo modernista vigente nos anos 30, assumindo aqui um caráter regionalista.

Partindo da proposta original do Art Déco de criação de um design integrado para todas as artes aplicadas,76 inúmeros arquitetos brasileiros procuraram desenvolver um

trabalho planejado visando harmonizar com a mesma linguagem estilística os exteriores e os interiores das edificações, projetando também os seus espaços internos - mobiliário e decoração. Como obra paradigmática mais eloqüente desta integração artística pode ser citado o edifício do antigo Banco de São Paulo (projeto do arquiteto Álvaro Botelho /1935), no qual a riqueza do repertório ornamental do Art Déco comparece em todo o seu esplendor, desde a correta composição das fachadas até os seus requintados espaços internos.