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Abreviaturas utilizadas nesta tese

FIGURA 8 : “TYPOS DE CASA COMMUNS EM SÃO

II. Os modelos estilísticos em voga nos anos 20 e

II.1. O Neocolonial e a procura da modernidade e da identidade cultural

II.1.2. O NEOCOLONIAL EM SÃO PAULO

A moda do estilo Neocolonial teve grande aceitação pelos arquitetos e construtores paulistanos e como já dissemos anteriormente “/.../ logo manifestou-se dentro de duas vertentes. A primeira, era a ortodoxa, ou melhor, a erudita, que ia buscar nas fontes primárias a inspiração e os modelos exemplares /.../.” 17 Como obras públicas mais

emblemáticas da vertente erudita em São Paulo podemos destacar a reformulação da Ladeira da Memória (1919-1922), os Monumentos do Caminho do Mar (1922)18, estes

últimos de autoria do arquiteto Victor Dubugras, e o edifício da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (1935-1939), projeto de Ricardo Severo.

17 LEMOS, Carlos A.C. “Ecletismo em São Paulo.” In: FABRIS, Annateresa (org.) Ecletismo na Arquitetura Brasileira, p. 95. 18 “Também visando às comemorações do Centenário da Independência, o já governador Washington Luís providencia, com o

mesmo arquiteto, os chamados monumentos do Caminho do Mar /... /. Ao longo desse caminho foram construídos o Pouso Paranapiacaba, o Padrão do Lorena, /... / o Rancho da Maioridade e o Cruzeiro Quinhentista /... /” In: LEMOS, Carlos A. C.

Alvenaria Burguesa, p. 166.

FIGURA 19 : Pouso da Maioridade. (Victor Dubugras / Caminho do Mar, São Paulo, 1922)

FIGURAS 20 E 21: Ladeira da

Memória em 1922 e 2003. (Victor Dubugras / São Paulo,1922)

Como exemplares residenciais significativos temos a residência de Ricardo Severo na rua Taguá, também conhecida como Casa Lusa (1924), a residência de Numa de Oliveira (1916/1918) na avenida Paulista com alameda Campinas (ambas projetadas por Ricardo Severo e já demolidas) e muitas das casas projetadas por Victor Dubugras, Guilherme Winter, Alexandre Albuquerque, Álvaro Botelho, Alexandre Marcondes Machado, Dácio Aguiar de Moraes, entre outras.19 Estas edificações residenciais foram construídas

para a elite paulistana e caracterizavam-se por serem, em geral, palacetes implantados no centro do terreno em meio a jardins. Apresentavam invariavelmente portadas rebuscadas de pedra, semelhantes a das igrejas barrocas, molduras de massa em cores contrastantes nas envasaduras, vidraças estruturadas em quadrados e losangos, uso de vitrais decorativos e painéis de azulejos etc., denotando esmerado apuro na escolha dos materiais de construção e na execução dos detalhes ornamentais e construtivos. 20

19 Infelizmente muitas das edificações residenciais mais expressivas da vertente erudita do Neocolonial em São Paulo já se

perderam devido principalmente à falta de medidas de proteção por parte dos órgãos oficiais de preservação.

20 Yves Bruand nos diz que “/... / o caráter dessas residências provinha do emprego sistemático de elementos tomados de

empréstimo à arquitetura civil portuguesa dos séculos XVII e XVIII : varandas sustentadas por simples colunas toscanas, telhados planos com largos beirais, feitos de telhas – canal e tendo, nos vértices, uma telha em forma de pluma virada para cima (lembrando a moda do exotismo chinês no Século das Luzes), rótulas e muxarabis de longínqua origem muçulmana, azulejos fabricados diretamente no Porto recobrindo as paredes das varandas.“ In: BRUAND, Yves. Arquitetura

Contemporânea no Brasil, p. 52.

FIGURA 22 : Vista dos fundos da residência

de Numa de Oliveira à avenida Paulista.

(Ricardo Severo / São Paulo, 1916/18)

FIGURA 23 : Residência à rua Veiga Filho. (Adhemar de Moraes / São Paulo, 1923)

A segunda vertente do Neocolonial representava uma versão mais popular e simplificada do estilo. A maioria dos exemplares remanescentes do Neocolonial corresponde a esta versão, que se incorporou à paisagem urbana de muitos bairros paulistanos através da atuação de construtores anônimos que o adotaram como linguagem arquitetônica. As formalizações neocoloniais espalharam-se pelas edificações residenciais de classe média durante as décadas de 20, 30, 40 e até de 50, diluindo ao longo do tempo o abecedário neocolonial original.21 Na prática esta vertente popular se apropriou de vários estilemas do

Neocolonial luso-brasileiro reinterpretando-os livremente. O que resultou disto foi uma composição arquitetônica mais estilizada, descompromissada com uma teoria ou vocabulário arquitetônico erudito.

O movimento Neocolonial adquiriu especificidade própria em São Paulo em função do contexto sócio-cultural existente na capital paulista no início dos anos 20. A sociedade local, como já dissemos, caracterizava-se pela sua heterogeneidade derivada da intensa imigração ocorrida desde o final do oitocentismo. Desta conformação social resultou uma marcante influência do elemento estrangeiro (em particular, do italiano), que fez com que o Ecletismo Classicizante e o Historicista predominassem nas construções residenciais até a Primeira Guerra Mundial. No pós-guerra surgiu na sociedade paulistana o forte desejo de renovação e de esquecimento de tudo que lembrasse o passado imediato, inclusive a

21 Nas palavras de Carlos A. C. Lemos “/.../ o mais interessante de tudo é que a variante eclética historicista lançada por

Severo ao sugerir o ”estilo colonial” agradou a todos os gostos e se popularizou, inclusive, no âmbito da arquitetura sem arquitetos, pois adotava soluções inesperadas cuja filiação à gramática erudita era, às vezes, difícil de identificar. Eram soluções emanadas da incorporação espontânea por parte do povo.” LEMOS, Carlos A. C. “El estilo que nunca existió “ In:

AMARAL, Aracy (coord.) Arquitectura Neocolonial : América Latina, Caribe, Estados Unidos, p. 160. FIGURA 24 : Casa Lusa de Ricardo Severo na rua

Taguá. (Ricardo Severo / São Paulo, 1924)

FIGURA 25 : Residência à rua São Carlos do

arquitetura de cunho “italianizante”.22 Isto propiciou deveras o aparecimento e o

florescimento do movimento Neocolonial em São Paulo. A esta reação, consciente ou não, dos arquitetos e construtores paulistanos podemos creditar parte do sucesso alcançado pelas propostas de Ricardo Severo nos anos 20. Porém devemos reconhecer que o Neocolonial de inspiração luso-brasileira só foi aceito sem restrições nas classes mais altas, orgulhosas das suas origens “quatrocentonas” e as únicas capazes de financiar uma arquitetura refinada e de alto custo, dependente da contratação de arquitetos renomados (arquitetura de autor) e do emprego de materiais de construção requintados. Outro aspecto a ser considerado na caracterização do Neocolonial em São Paulo é que o forte apelo progressista e o desejo de modernidade reinantes naquele momento na sociedade local fizeram com que este movimento tradicionalista tivesse aqui uma penetração e uma aceitação limitadas, quando comparado com o Rio de Janeiro.23

A arquitetura neocolonial atingiu seu apogeu na capital paulista entre os anos 20 e 30 e deve a sua importância à participação que teve na constituição do panorama arquitetônico de vários bairros paulistanos que surgiram e se desenvolveram no início do século XX. Neste período o Neocolonial imprimiu a sua feição em construções de todo o tipo24 localizadas, principalmente, nas imediações da Avenida Paulista, nos bairros próximos

ao centro (Higienópolis, Santa Cecília etc.) e nos novos bairros de classe média que se desenvolviam em regiões mais distantes da área central da cidade (Perdizes, Pompéia, Pinheiros, Vila Mariana etc.).

O Neocolonial hispano-americano ou Missões logrou grande sucesso em São Paulo, concorrendo diretamente com a versão luso-brasileira na preferência das classes altas e médias, estando presente em residências de todos tamanhos da capital paulista.25

22 “/.../ em São Paulo a onda nacionalista na arquitetura nasceu da necessidade da classe média de reafirmar-se frente aos

imigrantes que haviam ascendido socialmente /.../ “ LEMOS, Carlos A. C. “El estilo que nunca existió “ In: AMARAL, Aracy

(coord.) Arquitectura Neocolonial : América Latina, Caribe, Estados Unidos, p. 157.

23 “Embora o movimento neocolonial tenha começado em São Paulo em 1914 /.../ não foi nesse Estado que alcançou grande

expansão e importância em termos históricos. /.../ Por conseguinte, a priori uma volta ao passado não apresenta grandes atrativos, ainda mais quando se considera que a grande maioria da população era composta de imigrantes, sem qualquer vínculo com o país. A cidade, pelo contrário, orgulhava-se de seu crescimento extraordinário, que provocava a destruição sistemática de tudo que era um pouco mais antigo. Tal mentalidade não podia ser favorável a um movimento tradicionalista. A situação no Rio de Janeiro era bem diversa. /.../ A volta às fontes da arquitetura “nacional” oferecia um meio de afirmar em público a personalidade brasileira e a maturidade do país.” In: BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil, p. 54.

24 “Embora em toda a década 1920-1930 prosseguisse o Ecletismo e, na Arquitetura Monumental, o LUÍS XVI e os estilos

classicizantes em geral, o Movimento que mais marcou a década foi o Neo-Colonial.” SANTOS, Paulo F. “Constantes de

Sensibilidade na Arquitetura do Brasil.” In: Arquitetura Revista FAU / UFRJ . v.6,1988, p. 66.

25 Segundo Silvia Wolff “ /... / pode-se dizer que esta linguagem correspondeu a uma moda, muito intensa e fugaz e que

enquanto durou suplantou ou diluiu a eles se mesclando os atributos formais do estilo neocolonial brasileiro./.../ Dos cento e dois projetos realizados para o Jardim América entre 1935 e 1940 /.../ quase a metade /.../ tem presentes motivos forjados pelo estilo neocolonial hispano-americano.” In: WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América. O primeiro bairro-jardim de São

“Na construção residencial o californiano ou missões teve a enorme importância de modernizar efetivamente a casa de moradia, propondo plantas mais funcionais, fachadas de poucos elementos decorativos, volumes mais baixos e esparramados, geralmente circundando um pátio.”

(CZAJKOWSKI, s/d, p. 33.)

Nesta época foi também muito comum a adoção de soluções sincréticas na composição das fachadas das residências, que usavam e, às vezes, abusavam da mistura indiscriminada de elementos formais e estilísticos do Neocolonial luso-brasileiro e do hispano-americano. Este último, no entanto, agradava mais pela sua ligeireza e delicadeza de formas e pelo emprego de materiais como o ferro trabalhado, caprichosamente retorcido em arabescos, quelembravam a decoração ibérica de origem árabe.