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Considerações Finais

No documento Pelos mares da língua portuguesa 2 (páginas 157-161)

Autores que mergulharam profundamente nas doutrinas dos movimentos literários em que estiveram associados, permaneceram condenados ao século em que viveram e produziram, ao contrário daqueles que, cientes da estética do seu tempo, tiveram o bom senso de não permanecerem atrelados ferreamente às ideias doutrinárias dos movimentos a que estiveram afiliados.

Júlio Ribeiro e Aluísio Azevedo, no Brasil, e Abel Botelho e Fialho de Almeida, em Portugal, por exemplo, acabaram presos ao Naturalismo e suas obras soam datadas em muitos pontos, apesar de terem sido grandes autores no seu tempo, e ainda hoje reconhecidos como tal. Mas alguns títulos são atuais apenas nos anos em que foram produzidos e hoje são meros documentos de um fazer literário que pode ser visto com alguma simpatia, mas que tresanda a mofo.

Garrett, fundador do Romantismo português, soube reconhecer os exageros do movimento que ajudou a difundir e as críticas contidas nas Viagens testemunham essa opinião. Camilo, a despeito das violentas críticas que dirigiu ao Realismo, adaptou‑se à nova realidade por questões mercadológicas, mas também porque era um artista que soube acompanhar os novos tempos, nem que fosse como exercício literário para provar do que era capaz. Eça de Queirós, que quando jovem foi um ardoroso defensor do Realismo, caminhou em novas direções depois dos primeiros dois romances e pôs em xeque o cientificismo literário de forma mais clara na afirmação de Carlos da Maia sobre os exageros cientificistas da nova literatura.

No entanto, todos eles pensaram a literatura do seu tempo e deixaram um legado que não ficou restrito aos seus romances, novelas e contos. Conceberam ficção em prosa com talento, independência e pensaram o mundo em que viveram pela via ideológica. Criaram personagens que representam as sociedades suas contemporâneas como possibilidades verossímeis de acordo com as convicções oitocentistas.

Garrett, filho do Iluminismo, é por muitos considerado um árcade tardio, mas soube distanciar‑se da sua herança e criticar com pontaria certeira os rumos que o Romantismo tomava em 1846, mas as marcas do Romantismo foram muito fortes no mundo ocidental e ainda hoje dão sinal de vida.

Afinal, se o Romantismo buscava o Ideal, podemos detectar uma atitude romântica nos realistas e também nos naturalistas, afinal acreditar ser possível mudar a sociedade pela literatura é um pensamento extremamente romântico. Crer, como Fialho, que a sociedade poderia ser “melhorada” pelos princípios científicos é uma ideia romântica, ainda que hoje, com os acontecimentos das primeiras décadas do século XX, sabemos as monstruosidades perpetradas pelos homens filiados a essas concepções.

Acreditar que a literatura realista poderia reeducar a sociedade portuguesa era uma ideia tão romântica como as pretensões pedagógicas do Romantismo. Eça de Queirós admitiu isso e finalizo com a lembrança de dois textos: o conto “José Matias”, em que aquele “rapaz louro como uma espiga” é da Geração de 70 – frequentou a Universidade de Coimbra no mesmo período que Eça, Antero e Teófilo Braga.

José Matias é tão romântico que preferia contemplar a divina Elisa pela janela do que vê‑la “em chinelas”.

O outro trecho é a passagem final d’Os Maias, em que João da Ega e Carlos Eduardo retornam ao Ramalhete:

‑ É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!

Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.

‑ Muitas coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega! ‑ E o que somos nós? – exclamou Ega. – Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão... (Queirós, 2000, p. 714)

Referências bibliográficas

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P E L O S M A R E S D A L Í N G U A P O R T U G U E S A 2

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A IDEOLOGIA NOS ROMANCES DE ALMEIDA GARRETT, CAMILO CASTELO BRANCO E EÇA DE QUEIRÓS

Branco, Camilo Castelo (1999). O escritor e a escola romântica. In Reis, Carlos & Pires, Maria da Natividade, História Crítica da Literatura Portuguesa [O Romantismo]. Vol. V. (p. 231‑232). Lisboa: Verbo.

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PELOS MARES DA LÍNGUA PORTUGUESA 2

ana soFia Marques viana Ferreira

Universidad de Salamanca

“A eternidade é uma chatice” Rui Manuel Amaral, Doutor Avalanche

Em 1996, Francisca Noguerol publica na Revista Interamericana de Bibliografía um artigo que reflete a dimensão complexa e sintetiza a discussão que se tem gerado em torno do conceito de pós ‑modernidade, integrando o microconto (‘microrrelato’ no âmbito da crítica literária espanhola e flash fiction em contexto anglo ‑saxónico) como um novo discurso literário e paradigma ficcional deste período contemporâneo que afeta distintas frentes. Este ensaio, que tem por título Micro ‑relato y posmodernidad: Textos nuevos para un final de milenio (1996, pp. 49 ‑66), categoriza em cinco pontos os atributos que sobressaem desta época e corrente de pensamento, a saber, (cito e traduzo):

1. Ceticismo radical, consequência da descredibilização nos metadiscursos e nas utopias [...].

2. Textos excêntricos, que privilegiam as margens em detrimento dos centros canónicos da Modernidade [...].

3. Golpe ao princípio de unidade, onde se defende a fragmentação em vez dos textos extensos e se propugna o desaparecimento do sujeito tradicional na obra artística.

4. Obras “abertas”, que exigem a participação ativa do leitor, oferecem uma multiplicidade de interpretações e se apoiam em modos oblíquos de expressão como a alegoria.

Rasurando epitáfios: Rui Manuel

No documento Pelos mares da língua portuguesa 2 (páginas 157-161)