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Correspondências artísticas e circuitos culturais

No documento Pelos mares da língua portuguesa 2 (páginas 141-149)

Literatura brasileira e cinema contemporâneo

1. Correspondências artísticas e circuitos culturais

Na medida em que se dirige o olhar para a sociedade brasileira dos últimos anos, é possível identificar uma forte tendência na produção literária que cria, articula e promove trocas entre literatura, comunicação, documento e cinema. Justo para tornar visível essa premissa, tomamos três textos como exemplares.

Em 1997, Paulo Lins publica Cidade de Deus. Jovem jornalista – à época ele tinha menos de 40 anos – teve seu livro indicado para publicação por Roberto Schwarz, um dos maiores críticos literários brasileiros. A Editora: Companhia das Letras. Com essa cobertura e com o talento de Paulo Lins, dentro de pouco tempo Cidade de Deus se transforma num livro célebre.

O modo como Lins dá velocidade a uma narrativa épica permite que ele desloque categorias literárias e transforme o épico em dramático, além de demonstrar que o escritor conhece e domina o ritmo, possui a medida da linguagem e a controla. O ajuste entre o que é narrado e a linguagem é dado de forma direta e sem metáforas pelo nome atribuído às personagens: Cabeleira, Marreco, Alicate, Pelé, Salgueirinho, Pará. Além dos nomes, outros índices do local social representados são também expressos pela linguagem marginal do subúrbio; entretanto, a língua é explorada em vários níveis sem que haja hierarquização entre eles. Assim Cidade de Deus vem a ser um livro dos mais importantes do Brasil do fim do século e não tardará que seja adaptado para o cinema. Sob a direção de um cineasta brasileiro de renome internacional, Fernando Meireles, em 2002 o livro é levado às telas, exibido dentro e fora do país, alcançando sucesso semelhante ao das páginas impressas.

Estação Carandiru, do médico Drauzio Varela, publicado em 1999, recebeu nesse mesmo ano o prêmio Jabuti de livro do ano de não ‑ficção, mas foi desde sempre declarado pelo seu autor como obra ficcional. Entre o documentário, a memória e o testemunho, o livro veio a ser ficção através do cinema realizado por Hector Babenco em 2003.

Não seria sintomático que às vésperas do novo século apareça um livro semelhante, como um best ‑seller, como uma vontade de ciência que justamente valorizou uma visão higienista na virada do século XIX no Brasil? Quando este livro surgiu, muita gente acreditava que seu assunto seria o massacre de 1992, uma espécie de “memórias do cárcere”, mas numa linguagem narrativa sem preocupações literárias. Parece ser justamente nesse lugar que o livro ganha interesse.

Um terceiro texto brasileiro é O cheiro do ralo, primeiro romance de Lourenço Mutarelli, publicado em 2002. O autor criou uma história simples, mesmo muito simples. O que é marcante é a linguagem curta e direta que parece vir do gênero das histórias em quadrinhos que ele praticava; se a trama se constrói da luta do protagonista contra o odor fétido do ralo do banheiro de seu comércio de compra e venda de objetos usados, é a enumeração que subjaz de modo sutil a uma espécie de máquina geradora da língua que permite ao autor abordar de forma distraída e, pode ser, mesmo inconsciente, o diagrama social nas suas camadas mais diversas. Em 2006, Heitor Dhalia leva a obra para o cinema.

Nos três casos, entre a literatura e o documento, temos um jornalista, um médico e um autor de histórias em quadrinhos em que o ofício de cada é visivelmente diretor das perspectivas, mas de modo nenhum determinante da obra. O comércio complexo entre as linguagens, as referências dos autores e a sociedade representada aprofundam os sinais de um tempo onde o senso de processo de hibridização, de misturas de toda ordem, de diluição de fronteiras são a constatação de, como diz Édouard Glissant na sua poética da diversidade, “o mundo se criouliza” (2005, p.18).

Nas palavras de Marcel Silva “no cinema contemporâneo, a adaptação fílmica ocupa um lugar de relevo, considerando a quantidade de filmes produzidos que partem, declaradamente, de uma fonte literária”1. E com razão, é suficiente lançar

um olhar para alguns títulos do nosso cinema nacional a partir de 1997, ano glorioso de retomada do cinema brasileiro: o épico Guerra de Canudos, 1997, de Sérgio Rezende, e Navalha na carne, 1997, de Neville d’Almeida, culminando com alguns fenômenos autorais como é o caso de Chico Buarque que à exceção, até o momento, de Leite derramado, teve seus três primeiros romances traduzidos para o cinema.

Se a plataforma é a literatura ou o cinema, o assunto é a vida das grandes metrópoles, a violência, a miséria e tudo que deriva de uma sociedade desigual e deteriorada. Mas como já observamos, é também uma produção animada pela esperança, pela poesia, pela festa da linguagem em que a renovação da língua e das formas artísticas não cessa de exercer o direito à contínua pesquisa estética reivindicada pelos modernistas brasileiros há quase cem anos. Sobre isso há ainda um grande trabalho a realizar, do ponto de vista da teoria da literatura

1 “De antemão, temos que apontar que em termos quantitativos, a presença efetiva da adaptação no conjunto de

filmes contemporâneos consiste em cerca 38% do total (isto é, dos 285 longas ‑metragens ficcionais realizados no período, 105 são, declaradamente, oriundos de uma fonte literária) (5). Esses dados quantitativos, longe de explicarem o problema, apenas apontam para a necessidade de compreender qual a função da adaptação literária na produção contemporânea”. Adaptação literária no cinema brasileiro contemporâneo: um painel analítico. Acessado em 08/01/2011. In revistas.univerciencia.org/index.php/rumores/article/view/6544/5951.

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e da literatura comparada principalmente, que deve lançar ‑se de modo mais preciso sobre pontos específicos da literatura, sua natureza e seu caráter, sem negligenciar aspectos sociais e políticos que sempre interferem de modo marcante na produção cultural do Brasil.

Poderíamos dizer que esse trânsito franco e corrente entre as várias linguagens, essa atitude transdisciplinar que reinou na última década e ainda insiste no século XXI, caracteriza uma linha de força da nossa literatura do século passado e do presente? Poderíamos igualmente corroborar uma corrente da crítica que afirma que os temas de destaque da literatura atual deram origem a uma poética da violência? Mais uma vez a diversidade se impõe como um dos parâmetros fundamentais para qualquer resposta.

Se a literatura hoje ainda coloca em questão os limites entre ficção e realidade, o seu próprio papel e o lugar das categorias literárias tradicionais deixaram de ser reivindicados pela sua instituição. Curiosamente, essa demissão de sua metalite‑ raturidade impõe aos estudiosos da linguagem a necessidade de problematizar pressupostos e vazios (teorias formalistas e estruturalistas e pós ‑modernistas), a importância de se voltar a aspectos específicos da literatura por olhares múltiplos e atualizados, perceber seus códigos e suas proposições; e essa imposição está dada de maneira natural mas contundente em textos que são cenários arquetípicos da literatura, cuja existência não parece ter outro fim que habitar a linguagem em suas dimensões não referenciais. Como caso exemplar podemos tomar o inclassificável Ó, de Nuno Ramos, de 2009.

A literatura brasileira hoje provoca abordagens teóricas que respondam à sua memória, vivente entre os fantasmas autoritários do passado e a plena curiosidade sobre o presente. Um presente afeito a experiências como nenhuma outra época na cultura brasileira se dispôs a ser, um presente saturado de agora, para lembrar Walter Benjamin num outro tecido espaço ‑temporal.

2. A literatura e a literatura

Os anos 90 e 00 serviram ‑se a mostrar outra tendência da literatura brasileira contemporânea que chamamos “expansão do literário”. Essa tendência não é nova, mas intensificou ‑se nesse período numa ebulição do circuito cultural que transcende o campo literário. Com uma escrita que vem de fora do círculo de um escritor profissional imaginado, aquele que só faz literatura, a contempora‑ neidade nos dá escritores que vêm de outras práticas artísticas, de outras áreas, e com eles faz migrar novos modos de produzir literatura. Alguns escritores, no sentido próprio do termo, fizeram da própria história literária o barro de suas produções, criando sobre a coisa criada, construindo o motivo do próprio

motivo. Essa tendência, sem dúvida, foi uma das mais marcantes dos últimos tempos da história da nossa literatura.

Ana Miranda engajou ‑se nessa via ligada à história da literatura, dando ‑se toda liberdade de criação sobre a vida e a obra de poetas brasileiros, com um particular senso de pesquisa e de sensibilidade estética que lhe permitiu cons‑ truir ambientes contextuais de cada poeta escolhido como assunto e tema de seu trabalho. Desde 1989, quando publicou Boca do inferno, ela revitaliza essa tendência que veio a ser um método de trabalho seu, reinventando dentro do universo mesmo da literatura brasileira, por exemplo, os pragmáticos estilos de época, deslocando tempos e espaços e colocando em cena a vida e a obra de poetas brasileiros.

Os romances A última quimera, de 1995; Clarice, de 1996, Dias e Dias, de 2002, todos tratam ‑se de uma pesquisa cuidadosa e de um trabalho criativo em torno da literatura brasileira. Lembre ‑se ainda o belo romance sobre o Brasil do século XVI, Desmundo, de 1996. É importante dizer que nesse tipo de trabalho há resíduos do romance de Silviano Santiago, Em liberdade, de 1981, considerado um dos melhores livros da literatura brasileira dos anos 80, onde se cruzam as personagens Graciliano Ramos, Claudio Manoel da Costa e Wladimir Herzog fazendo ‑se o eco da intolerância de um estado autoritário que não suportava vozes dissonantes.

Essa tendência marcou muitas páginas da literatura brasileira dos 90, em vários lugares do país, como podemos ver por exemplo no escritor paraense Haroldo Maranhão em Memorial do Fim, de 1991, o goiano José J. Veiga, com A casca da serpente, de 1996. Tanto a política, quanto a literatura, quase sempre os dois, constatamos que essa prática é corrente na América Latina, como fez García Márquez com Simon Bolivar em O general em seu labirinto, Vargas Llosa com Trujillo, em A festa do bode, e todo um conjunto de romances do boom dos anos 60, como o sabemos. Impossível esquecer também que Umberto Eco publica na Europa, em 1980, O nome da rosa, e J. M. Coetzee, da África do Sul, publica Foe no final dos anos 80 e O mestre de Petersburgo, em meados da década de 90. E ainda, se nos tornamos em direção da África de língua portuguesa, encontramos o trabalho de Pepetela em Angola com as crônicas de Antonio Cadornega em A gloriosa família: o tempo dos flamengos e a história de Mayombe, Yaka e Lueji, assim como Ungulani ba ka Khosa com Ualalapi, 1987, em Moçambique.

Pode parecer estranho que se fale de uma geração 90, 00 ou mesmo uma geração dos anos 10, já que entramos em 2011. Como dividir o tempo em décadas para tentar compreender o que se passa em termos de continuidade ou de ruptura com cada um desses pequenos pedaços de movimento que não se aquietam às investidas de encarceramento? Os escritores brasileiros do presente viveram os

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últimos acontecimentos do país de forma direta ou mediada. Portanto, mesmo os mais jovens possuem uma memória desses acontecimentos. Chico Buarque é exemplar de uma geração que testemunhou e viveu o período da ditadura e que, em seus romances, como em suas composições, a política sempre conviveu com uma visão lírica e lúdica do mundo. Mas sendo a história vivida ou apreendida nos livros, vê ‑se um acento forte de realismo na literatura contemporânea. E são esses escritores, com sua experiência política e/ou com sua apreciação crítica dessa experiência, que na maturidade vão continuar dando um contributo importante para a literatura produzida hoje no Brasil, não sendo em nenhum momento sua experiência o ponto pelo qual todo jovem escritor devesse passar. A percepção de quem viveu a experiência e a sua apreensão pelos diversos códigos, como a própria literatura e o próprio cinema, não são, de modo algum, um corte para assinalar a diferença entre os escritores contemporâneos, antes, o que podemos apreender na leitura de seus textos é uma vivência comum do tempo presente. É o caso do escritor amazonense Milton Hatoum que a partir de 2000 vem a ser um dos mais importantes do país. A cidade Ilhada, 2009, Órfãos do Eldorado, 2008, Dois Irmãos, 2006, Cinzas do Norte, 2000, Relato de um Certo Oriente, de 1989, ambientam ‑se na Manaus pós ‑economia da borracha, mas também entre o Líbano, São Paulo e muitas outras topografias. Milton Hatoum, como Bernardo Carvalho e Chico Buarque, não possuem um território fixo que pode descrever a ambiência de suas personagens. Seus narradores flutuam entre cidades reais e imaginárias do passado e do presente, atravessando fronteiras no tempo e no espaço sem sacrificar a realidade vivida de uma Amazônia lendária da época dos anos dourados da borracha.

O narrador de Nove Noites, de Bernardo Carvalho, viajando ao Tocantins, aos índios Krahô, no rastro do antropólogo americano Buell Quain que se suicidou na aldeia, não chega a saber porquê e toda a história do antropólogo é a sua própria, cujos motivos de sua obsessão nós não conhecemos porque não há como conhecer. Em Mongólia, Carvalho nos apresenta uma viagem ao país dos mongóis em que dará ao narrador a medida de uma realidade com a qual o Brasil está completamente implicado. O narrador vem a ser nômade tanto quanto o povo mongol que ele segue para saber seu modo de vida e seus valores muito fixos, apesar de que são nômades.

Chico Buarque nos faz saber que José Costa, um ghost writer, desembarca em Budapeste depois de uma aterrissagem forçada onde ele entraria mais tarde e aprenderia o húngaro, “a única língua do mundo, segundo as más línguas, que o diabo respeita”, como nos informa o narrador. Todos estes livros são, no entanto, muito diferentes; entre seus autores temos na base jornalistas, professores de literatura, um compositor de música popular, escritores profissionais. O que não

difere é a ligação que cada um faz ao realismo machadiano conforme anota de modo quase unânime a crítica brasileira desse período.

A atenção com a linguagem, a língua permeável a palavras estrangeiras, a própria língua como um lugar de estrangeiridade a habitar, os retornos do bom uso da língua de Machado, de recursos tradicionais de figuras de linguagem e de lirismo, são sinais que podem surpreender ainda leitores acostumados a uma literatura que utilizou e ainda utiliza como regra uma linguagem potencialmente violenta (como é o caso de Patrícia Melo e de outros escritores cujo pai literário foi Rubem Fonseca), o palavrão e a crueza para preservar o realismo.

Com o último livro, O anjo das ondas, 2010, João Gilberto Noll apresenta um universo em que podemos ver a beleza crítica e o valor alegre da palavra. Livros como este nos convidam a pensar a literatura contemporânea, notando que certos escritores encontram o prazer da leveza pensante, de questões humanas de seu tempo. Karl Erik Schollhammer afirma que “Noll segue uma trajetória que o identifica, primeiro, com o intérprete mais original do sentimento pós‑ ‑moderno de perda do sentido e da referência” (2010, p 37). Entretanto, ele próprio reconhece que a literatura brasileira contemporânea

tem o desejo de romper os traços que podem fazer da tradição uma prisão, não para reformar a tradição, mas para se sobrepor em face da dialética da tradição e da renovação, o programa realista da literatura brasileira, que a distingue da produção do resto da América latina, continua muito bem, a receber novas formas, híbridas, mas não mais absoluta. Há hoje uma pesquisa por outras dimensões.(2010, p. 17)

Nesse sentido, o retorno ao trágico, visto por Beatriz Rezende, tende a se dispersar. De acordo com muitos críticos contemporâneos que fazem a crítica no calor da hora, ela vê a tematização da violência e a apropriação irônica de valores que representam a sociedade de consumo, a multiplicidade de vozes na narrativa, a oposição sistemática, a atitude irreverente em face do politicamente correto e o intelectualismo como traços mais marcantes. O que também não nos parece bem justo é o que ela chama “presentificação radical”, segundo a qual haveria uma preocupação obsessiva com o tempo presente que se opõe ao momento anterior que valorizava a história e o passado.

Para discutir a literatura brasileira não se pode esquecer o que representou um esquema ditatorial para a educação nacional, a vida intelectual e a liberdade de expressão. Neste momento em que chegamos a uma trintena de anos que nos separam deste momento obscuro da vida política do país, o que mudou? A literatura estava no lugar do jornal e a metáfora era o domínio possível contra toda a interdição. Hoje, numa sociedade aberta e livre, o sujeito fantasma ainda está presente. Vê ‑se que não se pode apagar a história, nem voltar no tempo

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para corrigi ‑la. Entretanto, esse contexto político franqueou afirmações que consideramos radicais, em que muitas opiniões se confluem na crítica de um efeito negativo sobre a literatura a partir de suas principais temáticas ligadas de forma sistemática, em muitos casos, a aspectos político ‑sociais:

L’image que la littérature donne du Brésil d’aujourd’hui tourne autour des idées de collapsus, catastrophe, de rupture du lien social, et donc de l’idée même d’unité nationale. Ce constat de défaite et de désastre, si eloigné de la relative euphorie moderniste, ramène l’analyste au lancinant problème de l’histoire et de l’identité du pays, justifiant parfois de naviguer entre forme et sociologie. En oscillant entre un hyperréalisme brutal et l’artifice post ‑moderniste, l’écrivain brésilien d’aujourd’hui infléchit la “tension” historique du localisme et du cosmopolitisme pour se placer entre immédiateté du marché et des médias d’une part, et médiation de la culture s’efforçant de saisir un réel considéré comme opaque de l’autre. Or dans ce désarroi, entre document et monument, ne retrouve ‑t ‑on pas finalement les “deux Brésils”? (Riaudel & Rivas, 2005, p. 5)

Tomamos a liberdade de encaminhar o fechamento deste texto através de um estrato do livro Ó, de Nuno Ramos, para afirmar nossa crença de que a literatura brasileira dos últimos anos não é uma expressão de catástrofes e desesperança, ou pelo menos não só. É uma literatura que retoma categorias literárias fundamentais inscritas na tradição que dizem respeito à forma, ao lirismo e ao investimento no seu estatuto transformador:

Se fosse possível, por exemplo, estudar as árvores numa língua feita de árvores, a terra numa língua feita de terra, se o peso do mármore fosse calculado em números de mármore, se descrevêssemos uma paisagem com a quantidade exata de materiais e de elementos que a compõem, então estenderíamos a mão até o próximo corpo e saberíamos pelo tato seu nome e seu sentido, e seríamos deuses corpóreos, e a natureza seria nossa como uma gramática viva, um dicionário de musgo e de limo, um rio cuja foz fosse seu nome próprio.

Como dissemos no início deste texto, nosso empenho é o de apresentar os signos dominantes da literatura brasileira contemporânea, perscrutando seus diálogos com outras artes e outras linguagens. O cinema revela ‑se, nesse sentido, como a arte mais próxima da narrativa literária, intercambiando a arte de contar com a transcendência poética visitada por Nuno Ramos, por exemplo, que citamos acima.

Que possamos seguir estes diálogos e buscar apreender o comportamento da literatura e da cultura contemporâneas, delineando os fluxos solidários pelos mares da língua portuguesa, rica, plural e inteligente dos seus talentosos escritores.

Referências bibliográficas

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