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Este trabalho, solicitado para a conclusão do Curso de Mestrado Profissional em Educação, promovido pela Universidade Federal da Bahia/Faculdade de Educação, buscou refletir sobre a importância da ludicidade e das tecnologias digitais no âmbito dos Cursos de Licenciatura em Química, em Física e em Computação ofertados pelo Campus Petrolina do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF Sertão-PE). Como ponto de partida, examinou a histórica dicotomia verificada nas licenciaturas brasileiras entre a formação disciplinar e a formação para a docência e as consequências para o licenciando, incluindo o Campus Petrolina no contexto da discussão, e como essa distonia impactou para fomentar a realização do presente trabalho.

Propôs-se a refletir sobre as características mais marcantes da Cultura Maker, na direção de alvitrar o Espaço Maker como possibilidade de lócus em que a ludicidade integre a formação de professores, sugerindo o uso lúdico das tecnologias digitais e das ferramentas

Makers como forma de metodologia que possa contribuir para a diminuição das tensões

inerentes à práxis pedagógica e confira prazer ao processo de ensino-aprendizagem.

Visitou os conceitos de jogos, brincadeiras e brinquedos, repercutindo sua importância e sua relação com a ludicidade e com a ética hacker, em contraponto a ética protestante que sedimentou o espírito do capitalismo e o mundo trabalho.

Também abordou a questão do hedonismo no âmbito das transformações que ocorreram ao longo do Século XX, seu impacto na formação da concepção do Homem do Século XXI, sua influência no que se espera do processo de ensino-aprendizagem.

Baseado nos resultados apreendidos na pesquisa realizada, o trabalho culminou com a elaboração de um Projeto de Intervenção que propõe a composição de um Espaço Maker

Campus Petrolina do IF Sertão-PE.

Intitulado Possibilidades lúdicas com tecnologias digitais na formação docente: uma proposta de Espaço Maker no IF Sertão-PE - Campus Petrolina, o projeto sugere um ambiente que possua o condão de oportunizar o desenvolvimento de práticas pedagógicas lúdicas e inovadoras, construídas pelos próprios estudantes dos cursos das licenciaturas objeto do estudo, num movimento constante de interconexão entre teorias e práticas.

Em todo o decurso das argumentações, o Espaço Maker foi apresentado como um

lócus alternativo de trabalho, com possibilidades de promover interferências significativas nos

favoráveis para a construção coletiva de saberes, as trocas de ideias e o fomento das práticas educacionais inovadoras.

A pesquisa assentou-se numa classificação definida com qualitativa no seu condão de predominância, porém incorporando também em suas bases o viés quantitativo, flertando com a ideia da abordagem “ecumênica” de Gunther (2006, p. 201), uma vez que, como dito, apesar de se buscar qualitativa, não procurou suprimir o viés quantitativo da abordagem, especialmente em face do principal dispositivo de mediação investigativa utilizado: o questionário.

Tendo a adesão de uma centena de participantes, entre estudantes, professores e técnicos administrativos em educação ligados diretamente às Licenciaturas em Química, em Física e em Computação do Campus, o questionário, composto de 25 (vinte e cinco) questões, procurou disponibilizar para os sujeitos participantes da investigação uma visão geral dos temas abordados na pesquisa, de forma que as questões, além de puderem ser respondidas também fornecessem informações sobre esses temas.

Essas questões foram divididas em cinco arcos119 que se conectam diretamente às reflexões transitadas na escritura deste trabalho, quais sejam: a relação entre os componentes curriculares específicos e os componentes curriculares da formação docente dos estudantes das Licenciaturas; as reflexões sobre ludicidade e atividades lúdicas e sua relação com o processo de ensino-aprendizagem e a vida no Campus Petrolina; a massiva presença das tecnologias digitais no cotidiano dos estudantes e professores e seu impacto sobre o ensinar e o aprender; a presença do hedonismo como elemento de um novo paradigma que se apresenta e suas repercussões na concepção de aprendizagem e de ensino; a possibilidade de implantação de um Espaço Maker como ambiente que articule as questões elencadas nos demais arcos e promova novos saberes, inclusive, pedagógicos.

As reflexões, conjecturas e o desenho do Projeto foram se desenvolvendo paralelamente aos estudos teóricos e metodológicos e a utilização da sistemática de trabalho de análise dos dados sob a forma de Nuvem de Palavras propiciou uma experiência que pode ser qualificada, para o pesquisador, como lúdica e digital, de grande simplicidade intuitiva e enorme poder heurístico de análise.

Como instrumento mais assentado à abordagem qualitativa da pesquisa, a compreensão das figuras geradas numa Nuvem de Palavras é uma compreensão individual e

119

Mesmo considerando a questão relativa à relação entre a formação disciplinar e a formação para docência, como uma temática fora dos arcos, preferiu-se aqui, para efeito de organização do texto, classificá-la como um dos arcos de discussão.

depende do contexto da pesquisa, do universo vivencial de quem a realiza, além de sua capacidade interpretativa.

De toda sorte, uma palavra repetida várias vezes o é por algum motivo, e cabe ao pesquisador realizar as inferências consonantes a esses motivos. A Nuvem de Palavras não tem a capacidade de, por si mesma, resolver um problema ou responder a uma questão de pesquisa, como nenhum instrumento também o faz, porém aponta para onde se observar num texto ou num grupo de textos.

Assim é que, ao serem visualizadas as respostas dos participantes da pesquisa realizada para este trabalho, gerou-se a possibilidade de se dar voz às ideias elencadas por esses sujeitos pesquisados, que se constituem como singularidades do Campus Petrolina, naquilo que se referia às temáticas desenvolvidas.

Nesse movimento houve tanto a ampliação das informações que embasaram o Projeto, como a oportunidade do confronto corroborativo em relação às ideias e questionamentos iniciais do trabalho.

Além do mais, foi basilar verificar que mesmo estando a temática presente nas falas, escritas, na cultura organizacional, por vezes, não encontra espaço nas definições sobre currículos ou nos projetos dos cursos do Campus, enfim, não fazem parte da voz oficial da instituição.

Como supramencionado, no decorrer da pesquisa já foi sendo possível delinear seus princípios, metas e ações, uma vez que ao buscar associar a pesquisa, o aporte teórico e as particularidades do Campus Petrolina, esses aspectos foram sempre evocados como forma de oferecer ao trabalho o viés contextualizado necessário. Isso porque o IF Sertão-PE Campus Petrolina busca atender à sua vocação embasada pelos pilares do ensino, pesquisa, extensão e inovação.

Dessa forma, ao ser imaginado um Projeto dessa natureza para a lide direta com a comunidade acadêmico-estudantil, acredita-se que é possível abrir um canal alternativo dentro das práticas pedagógicas desenvolvidas atualmente, uma vez que a instituição se identifica sobremaneira com os aspectos técnico-científicos da formação, restando desequilibrada a balança que propõe a formação integral do estudante.

Por conseguinte, as temáticas desenvolvidas no Projeto de Intervenção a respeito de ludicidade, tecnologias digitais, hedonismo e formação docente encontram no Espaço Maker um lócus próximo do ideal, dadas as características da Cultura Maker e as singularidades do Instituto.

Ao mesmo tempo, uma das dificuldades identificadas na abordagem do tema se refere a reduzida produção tecnocientífica sobre Cultura Maker, o que de resto conduz o tema quase na direção única de um encantamento excessivo para com o Movimento.

Por essa razão, e dado que a Proposta de Intervenção se refere diretamente a Cultura

Maker, emergentes das reflexões sobre o que haveria de ser a incorporação dessa cultura pela

educação, algumas considerações serão aqui postas, que podem pavimentar caminhos futuros de pesquisa e mesmo ofertar subsídios para desdobramentos a respeito deste próprio trabalho, além de poder estimular um debruçar mais acurado da comunidade acadêmico-escolar sobre o tema. São elas:

a) A discussão fácil, mas falaciosa

A literatura e as experiências sobre a Cultura Maker e seus espaços de uma maneira geral não tem buscado aporte pedagógico com base em pedagogias específicas, embora o discurso predominante seja o de oposição às práticas tradicionais de ensino. Designadamente, quando se trata do Espaço Maker, equipamento que se pretende identificado sob medida com o ecossistema acadêmico-escolar, as escolhas recaem sobre os prolegômenos da aprendizagem significativa ausubeliano, da pedagogia freiriana, do construtivismo piagetiano e do construcionismo papertiano.

A partir desse ponto, é necessário lembrar que nas discussões, ainda embrionárias, sobre a entrada da Cultura Maker nas escolas, com atenção especial as escolas públicas, ainda tem sido utilizado como ponto de ignição o cotejo entre a proposta Maker e a pedagogia tradicional, nos moldes das discussões que se travavam, inclusive, nos anos 80, quando se confrontava ensino tradicional, relicário dos Anos de Chumbo, com o emergente construtivismo piagetiano.

Esse revival a bem da verdade já alimentou discussões em defesa de outras propostas (pedagogia da alternância, pedagogia de projetos, pedagogia da presença, pedagogia da festa etc), o que solicita certo cuidado na formulação de argumentos, para que o movimento Maker (que se pretende pedagogia Maker) não adquira feições excessivamente modísticas, ou que a discussão seja calcada na contraposição de uma realidade não mais de todo presente, portanto fácil de se impor120.

b) O excessivo viés mercadológico

120 É mister se considerar que dos anos 80 para cá aconteceram modificações importantes no cenário educacional brasileiro (do ponto de vista conceitual, metodológico, estrutural e mesmo político), ainda que distante do ideal e a base de comparação para uma nova proposta deve levar em consideração essa mudança de contexto.

Outra questão importante é que no itinerário para se tornar "in" no universo acadêmico-escolar, o movimento Maker deve ser analisado enquanto proposta para além do viés mercadológico. E é preciso que esse viés seja analisado de forma criteriosa.

O que chamou atenção durante a pesquisa foi o fato dos entusiastas do movimento administrarem páginas na Internet, em que exibem performances alinhadas com as práticas do marketing de guerrilha (que muitas vezes se confunde com a paixão pelo tema). Esses entusiastas, que se também se intitulam “empreendedores” enaltecerem os espaços de convivência, troca e compartilhamento, mas, sempre guardarem, subjacente a esse empenho na divulgação dos fundamentos do faça-você-mesmo , ofertas de serviços e consultorias para as escolas, quase fazendo desses sites armadilhas para fisgar clientes.

A estrutura desses sites comumente pode ser dividida em três terços: O primeiro apresenta o movimento Maker, sua origem, sua história, suas características e o quanto esse movimento se coaduna com os ditames da sensibilidade atual, norteada pela tecnologia e imperiosas necessidades de autonomia, autoria, protagonismo e prazer. O segund exibe uma pequena mostra de experiências exitosas desenvolvidas em escolas e empresas, ilustradas por grande quantidade de fotografias, e por vezes vídeos, e no terceiro, desnovela-se a proposta de consultoria e kits para a montagem de fablabs ou espaços Makers na escola interessada, propondo-se listas de materiais, orçamentos etc.

Realizar o escrutínio acadêmico dessa característica é importante, uma vez que nela está pode estar contida uma noção de empreendedorismo distante da proposta de inovação que a Cultura Maker na sua aproximação coma escola pública. Além disso, é preciso pensar até que ponto as propostas das consultorias e kits não interferem no fundamento principal do movimento, o faça-você-mesmo.

c) O caráter elitista do Movimento

Uma questão que ainda não foi discutida a respeito da Cultura Maker é o seu alcance social. Não que ela não se proponha a ser universal e se situar num espectro em que as oportunidades de sua utilização sejam equânimes. Mas, dada a sua origem e a forma como se propagou, ela está sobremaneira identificada com uma população majoritariamente branca, do sexo masculino, de classe média ou alta, que cursa ou cursou colégios particulares, com fácil acesso a tecnologias e alto grau de mobilidade. Diante disso, as narrativas que justificam o movimento e sua expansão podem conter no seu âmago a semente da exclusão, que impossibilite a popularização dos Espaços Makers na educação pública brasileira, fortalecendo assim seu caráter de nicho de pessoas privilegiadas.

Como a literatura que trata do tema ainda não abordou essa questão em específico, e a emergência dela aconteceu na reta final das reflexões sobre o presente trabalho, cumpre aqui apontar para a riqueza que a discussão a partir desse viés encerra, e que direciona o olhar do pesquisador para longe do ufanismo gratuito.

Essas três situações sugerem algumas ponderações com vistas a análises futuras, mas, principalmente, com vistas ao acompanhamento da implantação do Projeto em si:

1. O conceito de democracia não estaria sintonizado demais ao ideário neoliberal? 2. Até que ponto a defesa do empreendedorismo deve reger todos os aspectos do movimento Maker? O libelo sobre o empreendedorismo não estaria escamoteando problemas históricos relacionados ao descompromisso do Estado brasileiro para com os menos favorecidos? Atrelar o movimento Maker ao nível de empreendedorismo do individuo não seria um lavar as mãos diante de graves problemas sociais e econômicos que não dependem apenas da ação engajada e despolitizada dos indivíduos?

3. Qual o limite entre entusiasmo pelo compartilhamento e interesse comercial dessa gama crescente de “empreendedores” que habitam a internet propondo consultorias para a implantação de espaços Maker nas escolas?

4. Não estariam a indústria e a indústria cultural conduzindo esse processo à revelia de suas características originais e implantando no seu âmago um sentido mercadológico que seria, em última análise, conflitante com a essência do Movimento

Maker?

5. O frenesi que se verifica em torno do discurso de que o importante é “fazer para se realizar” não estaria levando a um remake daquele pensamento tecnicista e utilitário que vigorou na educação brasileira na década de 1970?

De fato, existem muitas questões interessantes que envolvem o Movimento Maker e que demandam reflexão e debate. Entretanto, sem a intenção de fechar os olhos para essa necessidade, este trabalho se concentrou nas vantagens que um Espaço Maker empresta à formação docente nas licenciaturas, considerando a debate realizado sobre a formação docente e a relação dessa formação com a ludicidade, o hedonismo e as tecnologias digitais.

Por conseguinte, a proposta de se levar a Cultura Maker sistemática e definitivamente para instituições públicas como é o caso do Campus Petrolina do IF Sertão-PE alude a desafios de caráter curricular, pedagógico, organizacional, social e econômico. As poucas produções sobre a adoção de atividades Maker nas escolas brasileiras e as dúvidas sobre itens

como investimento, equipamentos, faixa etária, riscos potenciais, planejamento pedagógico, avaliação e a relação com o currículo e a gestão ainda se encontram no limiar das discussões.

Entretanto, ainda que essas dificuldades pareçam por demais desafiadoras, a pesquisa revelou que há uma demanda latente por iniciativas com as características verificadas para a implantação do Espaço Maker no Campus, principalmente se levado em consideração o processo formativo dos estudantes das Licenciaturas em Química, Física e Computação e as especificidades do Instituto.

Uma vez que a pesquisa revelou a disposição dos sujeitos respondentes em acolher a proposta da existência de um Espaço Maker no Campus, é fundamental a promoção de situações e atividades em que a existência e o significado desse tipo de iniciativa seja discutida. E essa discussão deve ser planejada de maneira a incluir uma participação cada vez mais ampliada de professores, técnicos administrativos e estudantes, não apenas os das licenciaturas, mas de todas as modalidades e níveis de ensino existentes no Campus.

Nesse sentido, torna-se necessário uma educação calcada num modelo mais aberto, tal como o proposto pela cultura hacker, em que a realização dos projetos a serem desenvolvidos no Espaço Maker seja balizada nas participações colaborativas dos diversos segmentos que a compõem.

Dessa forma, acredita-se, este trabalho pode sugerir um caminho nessa direção, e enquanto produção pode apontar para diversas possibilidades de análise sobre o tema. Assim, posto está disponível para ser compartilhado, refutado, complementado ou suplantado, na esperança de contribuir para o aprimoramento e a expansão das ideias nele contidas.

Outrossim, espera-se, igualmente, que, mesmo durante sua fase de elaboração e investigação, ele tenha estimulado reflexões sobre os temas abordados e despertado os sujeitos que estiveram envolvidos diretamente e indiretamente com ele para possibilidades de ações criativas, inovadoras e lúdicas, com tecnologias digitais ou não, no enfrentamento das atividades acadêmicas pouco prazerosas que ainda permeiam a rotina e a política institucional do Campus.