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3. DO LÚDICO AO MAKER: DAS REFERÊNCIAS AOS REFERENCIAIS DESTE

3.3 O jogo e o lúdico na educação: quem é quem nesse tabuleiro de xadrez?

De maneira especial, a partir dos estudos realizados sobre a obra do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002), notadamente sua obra-prima Verdade e Método, é possível compreender o lúdico como subproduto, por assim dizer, do jogo, que, na ótica do hermeneuta alemão, adquire uma importância impar e basilar no desenvolvimento da sociedade e da cultura humana (GADAMER, 2007).

É através de Huizinga (2000), fonte da qual Gadamer admite ter bebido para a fundamentação de sua noção de jogo, que se pode entender de que maneira o lúdico passou de ideia que continha o jogo a elemento contido no conceito de jogo. Segundo Huizinga (2000),

ludus é termo do latim originalmente apontado como abrangente de toda jurisdição do

conceito de jogo, englobando os jogos infantis, a recreação, as competições, as representações litúrgicas, as representações teatrais e até mesmo os jogos de azar.

Embora ludere possa ser usado para designar os saltos dos peixes, o esvoaçar dos pássaros e o borbulhar das águas, sua etimologia não parece residir na esfera do movimento rápido, e sim na da não-seriedade, e particularmente na da "ilusão" e da "simulação" (...)

Parece estar no primeiro plano a idéia de "simular" ou de "tomar o aspecto de". Os compostos alludo, colludo, illudo apontam todos na direção do irreal, do ilusório. Esta base semântica está oculta em ludi, no sentido dos grandes jogos públicos que desempenhavam um papel tão importante na vida romana, ou então no sentido de "escolas". No primeiro caso o ponto de partida semântico é a competição; no segundo, é provavelmente a "prática”. (HUIZINGA, 2000, p. 29).

Ainda de acordo com Huizinga (2000, p. 29), levou pouco tempo para que ludus fosse substituído, no latim clássico, por jocus, que passou a se referir, genericamente, a jogos, de onde se pode observar que emergem os termos em francês jeu, jouer, no italiano gioco,

giocare, em espanholjuego, jugar e em português, jogo, jogar. Com efeito, ludus sobreviveu

restrito à concepção de brincadeira e divertimento, fantasia e ilusão, o que possivelmente provocou uma visão restrita do tema.

Gadamer (2007) se baseia no conceito de jogo enquanto “fenômeno cultural e não biológico, (...) estudado em uma perspectiva histórica, não propriamente científica em sentido restrito” estabelecido pelo próprio Huizinga (2000, p.3), o que implica dizer que o filósofo alemão afere ao jogo status de ocorrência primal da cultura, permeando tudo que acontece no mundo e a partir – em torno - do que a civilização mesma se desenvolveu.

Confere ao jogo o sentido e a abrangência não apenas equivalentes ao que antes estava reservada para o lúdico (ludus), mas, indo além, destaca que a ideia de jogo é uma presença não material que ultrapassa os limites da atividade puramente física, isto é, se antes ludus continha o jogo, jocus passou a conter o lúdico. Assim, dentre o que se pode observar como predicado do jogo, a ludicidade se perfila ao lado de outros atributos.

Para Gadamer (2007apud COELHO, 2014, p. 3), além de lúdico, o jogo é sério, objetivo, instigante, revelador, desafiador, possuidor de regras próprias e de movimento constante.

Na educação, o brincar se confunde com o jogar, e este se encontra intimamente ligado – e praticamente confinado - a atividades materiais, físicas e psicomotoras, além de levado na conta de atividade infantil em que o seu caráter lúdico deveria perfilar-se lado a lado com seu caráter competitivo.

De acordo com os PCNs de Educação Física (1997, p. 36): “as situações lúdicas competitivas ou não, são contextos favoráveis de aprendizagem, pois permitem o exercício de uma ampla gama de movimentos, que solicitam a atenção do aluno na tentativa de executá-la de forma satisfatória”. No entanto, em se tratando de ludicidade, é importante salientar que

As brincadeiras de faz-de-conta, os jogos de construção e aqueles que possuem regras, como os jogos de sociedade (também chamados de jogos de tabuleiro), jogos tradicionais, didáticos, corporais etc., propiciam a ampliação dos conhecimentos infantis por meio da atividade lúdica. (BRASIL, 1998, p. 278).

Se o jogo, compreendido unicamente a partir de sua natureza competitiva, isto é, uma luta em que há vencedores e vencidos, tem se tornado, muitas vezes, a tônica da pedagogia de uma parte dos educadores, convém ressaltar que a ludicidade, não a competitividade, deve ser o fundamento das atividades sociais, cognitivas e psicológicas realizadas no contexto escolar.

A dimensão lúdica existe em diversas atividades escolares. O processo de aprender exige mais do que repetição de conteúdos, requer raciocínio e criatividade. Assim, existe uma dimensão lúdica nas mais diversas disciplinas, nos exercícios de matemática, em uma redação, nas aulas de educação física e assim por diante. O processo de aprender traz em si mesmo a possibilidade de compreender melhor o ser humano, suas potencialidades e dificuldades. Assim, de uma maneira geral, os jogos têm a potencialidade de estimular a aprendizagem e a reflexão. (AFONSO; LEMOS, 2013, p.01).

Nesse aspecto, cumpre ressalvar que, também, nos últimos anos, há um genuíno e gigantesco esforço de educadores para manter a educação, no que diz respeito à ludicidade e

ao jogo, na fronteira mais próxima das orientações emanadas dos documentos e marcos legais hoje corroborados a partir da aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Como afirmam Afonso e Lemos (2013, p. 01), “não se trata só de jogar um jogo para ganhar ou perder. Trata-se de criar uma ocasião para interagir, conversar, conhecer mais sobre a vida, refletir sobre questões variadas”.

Isso implica dizer, também, que tanto as características de competitividade quanto de cooperação devem ser desenvolvidas sob a égide de regras previamente combinadas. Dessa forma, é possível dinamizar e potencializar os jogos e as brincadeiras de forma que os jogadores e brincantes possam vivenciar suas experiências de forma integral e íntegra.

Assim é que têm surgido diversas iniciativas metodológicas, como, por exemplo, aquelas assentadas na Cultura Maker, que procuram se comprometer não apenas com a busca pela aquisição de conhecimentos técnico-científicos por parte dos alunos, mas também com a promoção de “novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação.” (BRASIL, 2009, p. 17).

Para além da proposta da inserção da cultura Maker na educação, mas no escopo do mesmo universo vivencial, é possível citar, como exemplo desse movimento de integralização, a chamada gameficação, que vem tendo sua discussão impulsionada no ambiente acadêmico-escolar e surge como uma proposta de se utilizarem os conceitos de jogo e de ludicidade simultaneamente em benefício de uma educação mais sintonizada com os anseios da contemporaneidade51.

Seus adeptos partem de duas premissas para defendê-la:

a. Que a utilização dos jogos remonta a milhares de anos, tendo sido uma maneira de aprendizado do cotidiano, dos costumes, das tradições e das culturas dos diversos povos que compõem as raízes das nações existentes no mundo.

b. Que o jogo é parte integrante da nossa vida desde a infância, consistindo numa maneira natural de aprendizagem de habilidades e conceitos.

Aliada a essas duas premissas, sinalizam ainda o fato das novas gerações, nativas da era digital, explorarem intensamente os meios digitais, emulsionados por elementos tais como desafios, missões a cumprir, pontuações, prêmios, rankings, criação de avatares, trabalhos

51 Gameficação consiste no uso de mecanismo de games (jogos) para aprimorar contextos variados, geralmente não relacionados diretamente a jogos. Baseia-se na utilização de técnicas, elementos e dinâmicas dos jogos e da brincadeira para potencializar a motivação e reforçar as condutas proativas na solução de problemas ou para se chegar a determinado objetivo.

colaborativos e autoaprendizagens através de redes sociais etc., que podem ser adotados no processo de ensino-aprendizagem (SILVA, 2016).

Por isso, a gameficação tem sido considerada uma das boas respostas na busca por uma pedagogia que valorize a tecnologia e a ludicidade, e que ao mesmo tempo promova a imersão dos estudantes e dos professores na descoberta e na construção do conhecimento de forma democrática, proveitosa e prazerosa.

O exemplo da gameficação coloca em pauta o caráter lúdico do jogo e indica que, mesmo o jogar estando ancorado em regras pré-estabelecidas, as nuances e complexidades do processo de ensino-aprendizagem levam professores e estudantes a encarar com muito mais seriedade a possibilidade brincante do jogar do que amordaçar a brincadeira com excessivas regras imutáveis. Nesse contexto é que a ludicidade passa a ser valorizada, uma vez que é ela que vai proporcionar a imersão, a paixão e a entrega dos participantes ao jogo que, sem ela, distancia-se da educação.