2. O Modelo de Canto, Joines e Laffer (1978): a estrutura original do modelo de Laffer
2.2. Considerações sobre o modelo
Se a simplicidade deste modelo não é um factor criticável, o mesmo não se
pode afirmar quanto à falta de argumentação teórica das hipóteses que assumem e
que condicionam os resultados analíticos do modelo.
Trata-se de um modelo de oferta puro, em que a produção é determinada
pelas taxas de impostos através dos efeitos sobre as remunerações e oferta de
factores; onde se verifica a lei de Say, assegurando-se o escoamento de qualquer
nível de produção. Assim, os autores ultrapassam o problema da ausência de
formalização da procura agregada (e da definição da formação de capital e escolha
entre poupança e consumo), partindo da ideia básica subjacente à lei de Say de que
os detentores dos factores produtivos contribuem para o processo produtivo com vista
à obtenção de rendimentos para adquirirem os bens e serviços no mercado. Desta
forma, os participantes no processo produtivo auferem rendimentos que serão
totalmente gastos na produção que geraram.
Ao considerarem constante a dotação dos factores de produção e devido
ao carácter estático do modelo excluem, contrariamente ao que é habitual em
análises deste género, a escolha entre trabalhar e não trabalhar, consumir ou poupar.
Não há a definição de equações comportamentais da procura, nomeadamente do
investimento; num modelo que procura analisar os efeitos desincentivadores da
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capital, tal exclusão constitui uma séria limitação teórica.
O modelo também não admite desemprego involuntário na economia ao
considerarem que os agentes representativos detêm um stock constante de trabalho e
de capital e que existe perfeita mobilidade dos factores entre o sector familiar e de
mercado. No modelo CJL, não há, no entanto, uma formalização do sector familiar que se supõe constituir «como que um “vaso de expansão” da produção comercial
capaz de produzir, ao utilizar o bem produzido pelo sector comercial» (Théret e Uri
(1988): 767) , nem da procura deste bem, embora se admita que a produtividade no sector familiar é inferior à do sector de mercado. Esta última hipótese explica porque é
que, aumentando a taxa de imposto, se torna mais atractivo produzir no sector
familiar. O modelo CJL acaba, pois, em termos de formalização, por se traduzir num só
sector e, consequentemente, impedir a análise das inter-relações entre os dois
sectores e os seus efeitos em termos de equilíbrio geral.
Uma outra particularidade do modelo e que, novamente, condiciona os resultados obtidos resulta de fixarem as elasticidades da oferta de capital e trabalho relativamente à sua própria remuneração estritamente positivas condição necessária mas não suficiente para existir um efeito Laffer , o que conduz a que o efeito substituição domine o efeito rendimento. No entanto, Fullerton (1982) estima
elasticidades da oferta de trabalho agregado não compensadas positivas e
negativas, alegando que « […] o “orçamento equilibrado” da curva da oferta de
trabalho não tem que ter uma inclinação positiva como os autores [Canto, Joines e Laffer] insistem» (p. 7). Pensamos, no entanto, que o que determina que o aumento da taxa de imposto sobre um dos factores reduza a oferta dos dois factores é o valor da
elasticidade cruzada (-a e -b) que, no modelo, também se assumem positivas. No
desenvolvimento deste modelo (Canto, Joines e Laffer (1981)), embora aquela
hipótese seja relaxada, ao assumirem que a elasticidade da oferta de cada factor em
relação à sua remuneração é superior à elasticidade cruzada, invalidam a
possibilidade da produção de mercado aumentar bem como a base tributável.
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receitas fiscais acrescidas são distribuídas na economia de uma forma não
distorcionária, pelo que uma alteração nas taxas de remuneração, líquidas de
impostos, induzida pela variação na taxa de imposto não provoca efeitos rendimento
de primeira ordem. Fullerton (1982) comenta que «como é reconhecido pelos autores,
se as transferências são dadas a indivíduos que não os que pagaram os impostos, e se
os indivíduos têm diferentes preferências, então o efeito rendimento não se anula
necessariamente» (p. 7). Com outras hipóteses de afectação das receitas fiscais,
como por exemplo «a sua afectação à produção de bens e serviços ou a um
consumo público diferente do privado» (Théret e Uri (1988): 770) conduziria a resultados
não determinados, a priori, do efeito do aumento da carga fiscal sobre a base
tributável. Malcomson (1986), em Some Analytics on the Laffer Curve, através de um
modelo com uma função de produção Cobb-Douglas e com um único factor de
produção (trabalho), chega a uma elasticidade nula da base tributável às alterações
da taxa de imposto, em equilíbrio geral, pelo que, neste caso, não haveria uma
relação inversa entre taxa de imposto e receitas fiscais: «o campo teórico, por si só,
não é suficiente para estabelecer que diminuições nas horas de trabalho, como
resultado do aumento dos impostos, necessariamente reduz as receitas fiscais. Trata-se
de uma questão empírica, e a resposta não pode simplesmente ser assumida a priori»
(Malcomson (1986): 273).
Neste mesmo sentido, Fullerton (1982) afirma que «se o governo não fizer
mais nada do que colocar uma distorção na escolha entre lazer/trabalho de
consumidores homogéneos e depois redistribuir os rendimentos de uma forma lump-
sum, claro que o output e o bem-estar diminuem. Os autores [Canto, Joines e Laffer] não permitiram qualquer contribuição positiva do orçamento do governo. O seu
modelo não contempla o efeito rendimento de um ganho de eficiência que pode ser
associado à correcção de falhas do mercado através do fornecimento de um bem
público» (p. 7).
A discussão, quer teórica, quer empírica, da inclinação negativa da Curva
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primeiro lugar, deve-se aos efeitos desincentivadores na oferta de trabalho resultantes
de uma tributação mais pesada, que parece ser a «influência dominante» (p. 265); em
segundo lugar, tem a ver com a natureza da tecnologia demonstra-se que, para certas tecnologias, uma elasticidade da oferta de trabalho em relação à taxa de
imposto mais negativa pode «implicar uma inclinação [na Curva de Laffer] mais positiva» (p. 265), que resultam dos efeitos, em equilíbrio geral, sobre os salários e
lucros.
Mirowski (1982) centra as principais críticas tecidas sobre a Curva de Laffer e
a estrutura que a suporta, o modelo CJL, nesta data, em quatro categorias:
i. A hipótese que a fiscalidade reduz os incentivos individuais de oferta de
factores de produção parecer não ter aderência: a magnitude das
elasticidades conhecidas não são suficientemente elevadas para
produzirem os efeitos necessários na redução do output na zona proibitiva
(isto é, questões relativas às magnitudes das elasticidades dos incentivos);
ii. Os estudos empíricos sobre a forma da Curva de Laffer serem reduzidos e
nem sempre fidedignos;
iii.Os modelos teóricos sobre a Curva de Laffer, na maior parte dos casos,
postularem uma relação de causalidade entre taxa de imposto e receitas
fiscais, omitindo variáveis que são potencialmente relevantes na análise
macroeconómica (investimento, procura, taxas de juro, balança comercial,
défices fiscais, entre outros); e,
iv. Não se ter em conta a dimensão da economia subterrânea e a evasão
fiscal.
Com base nestas considerações sobre o modelo CJL analisa-se, de seguida,
de que forma como a magnitude das elasticidades da oferta de factores (ponto 3.), a
natureza das despesas públicas (ponto 4.), e o recurso a um enquadramento de
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