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Equilíbrio parcial versus equilíbrio geral

Em muitos estudos empíricos sobre a Curva de Laffer referem-se os efeitos da

alteração da taxa de imposto sobre a oferta de trabalho, sem que a distinção do seu

efeito em equilíbrio geral e parcial seja explícita. Como salienta Malcomson (1986), o

efeito relevante na discussão da forma da curva de Laffer é o de equilíbrio geral, isto

é, o efeito nas horas de trabalho resultantes da alteração da taxa marginal de

imposto, tendo em conta as «contínuas alterações nos preços, salários e fornecimento

dos bens públicos» (p. 273), e não do seu efeito em equilíbrio parcial, mantendo o

preço, salário e fornecimento do bem público constante, podendo estes efeitos diferir

em valor e sinal. Esta foi também a perspectiva adoptada no modelo CJL.

Tem sido reconhecido que, num enquadramento de equilíbrio geral, a

alteração de preços relativos induzido por alterações das taxas marginais de impostos

não geram efeitos rendimento (Hicks (1946)). Como vimos no ponto anterior, se o

efeito substituição é determinado pelas alterações nas taxas de impostos, o efeito

rendimento depende da forma como as receitas fiscais adicionais são aplicadas

(Canto, Joines e Laffer (1978), Laffer (1981a), Gwartney e Stroup (1983a), Malcomson

(1986), Gahvari (1988, 1989)). Se as receitas fiscais forem distribuídas à população de

uma forma não distorcionária (conforme assumem Canto, Joines e Laffer (1978)  independente das decisões de oferta de factores , «então os efeitos rendimento individuais irão geralmente, na ausência de custos de colecta ou efeito distribuição,

anularem-se, restando apenas o efeito substituição» (Laffer (1981a): 2) e os detentores

dos factores são incentivados a aumentar a oferta sempre que a taxa de imposto

sobre os seus rendimentos diminui. Também Friedman (1949, 1976) defende que na

análise de equilíbrio geral não há efeito rendimento: quando os impostos diminuem, os

bens e serviços fornecidos pelo Estado, através das suas receitas fiscais, têm que ser

substituídos por bens e serviços privados, pelo que a curva fronteira de possibilidades

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importantes na análise dos efeitos da política fiscal sobre a oferta de factores31. Convém lembrar que, se esta ideia base se verifica para uma economia com um

consumidor (ou com indivíduos idênticos), o mesmo não se passaria numa regressão

cross-section de indivíduos não homogéneos. Os argumentos de Friedman (e Laffer)

ignoram a heterogeneidade dos indivíduos.

Gwartney e Stroup (1983a) consideram que «num enquadramento de

equilíbrio geral, o efeito rendimento é determinado pela avaliação da expansão de

bens privados relativamente ao declínio dos bens públicos, independentemente das

alterações no output resultantes do efeito substituição» e «reflecte o melhoramento ou

deterioração na afectação eficiente dos recursos à medida que se deslocam entre os

sectores privado e público» (p. 449). Consequentemente, num modelo de equilíbrio

geral, se o fornecimento do bem pelo Estado for socialmente eficiente, a utilidade que

deriva do aumento do consumo de bens privados, resultante duma diminuição na

carga fiscal, será compensada pela diminuição na utilidade associada à redução do

consumo do bem fornecido publicamente, resultante da redução das receitas fiscais.

O efeito rendimento seria nulo e a redução da carga fiscal aumentaria a quantidade

oferecida de trabalho. No entanto, se se abandonar a hipótese de que o

fornecimento inicial do bem, por parte do Estado, é óptimo, o efeito rendimento

mantém-se e não se pode determinar a priori o efeito sobre a oferta de trabalho. Se os

indivíduos avaliarem o consumo de bens fornecidos pelo Estado, que têm que deixar

de consumir na sequência de uma redução dos impostos, num valor superior ao

aumento do consumo privado, a diminuição na utilidade faz aumentar a oferta de

trabalho; neste caso o efeito substituição e rendimento têm o mesmo sinal. Mas se o

output inicial de bens públicos for superior ao óptimo, o acréscimo de utilidade do

consumo adicional de bens privados será superior à redução da utilidade do consumo

31 Hausman e Rudd (1984) assumem na estimação da função oferta de trabalho para os Estados Unidos da América,

seguindo a metodologia de Friedman, apenas as curvas da oferta compensadas de Hicks, que incluem unicamente o efeito substituição. Consideram que, numa economia com um consumidor, uma alteração na taxa de imposto gera apenas efeitos de substituição, de forma que «a alteração na oferta de trabalho tem uma determinada direcção, em vez de ser composta de potenciais efeitos rendimento e substituição opostos» (p. 247).

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de bens públicos, pelo que a redução da carga fiscal aumenta o rendimento real dos

indivíduos, gerando um efeito rendimento de sinal contrário ao efeito substituição,

nada se podendo concluir quanto à oferta de trabalho.

Se a análise individual rendimento-lazer de uma redução de impostos

implica que o aumento no rendimento disponível individual é indicativo do aumento

no rendimento real, em temos agregados, Gwartney e Stroup (1983a) defendem que

tal só é possível se os indivíduos não atribuírem qualquer valor aos bens públicos que

deixam de consumir, resultantes do aumento do output no sector privado (p. 449).

De facto, para os defensores da teoria de Laffer, o recurso a um quadro de

equilíbrio geral tem a particularidade de eliminar a ambiguidade do impacto da

política fiscal sobre a oferta de factores: num quadro de equilíbrio geral há a

anulação do efeito rendimento. Para Malcomson (1986) aquele efeito em equilíbrio

geral pode ser de sinal oposto ao que resulta num quadro de equilíbrio parcial. A um

elevado nível de generalidade, afirma o autor, que é impossível determinar os sinais

relativos e magnitudes de equilíbrio geral (dL

dτ ) e de equilíbrio parcial ( L ∂

∂τ ). A escolha

da tecnologia, da forma funcional da função utilidade e da procura de factores,

afectam aqueles efeitos. Mostra que, num modelo de equilíbrio geral com um bem

privado e um bem fornecido pelo sector público, um input (o trabalho) e um imposto

sobre o rendimento, algumas características da Curva de Laffer não se verificam. Para

Malcomson (1986) existem algumas formas funcionais da função de produção para as

quais a Curva de Laffer pode não ser contínua e não ter um máximo no seu interior: a

sua inclinação depende da tecnologia e da elasticidade da oferta de trabalho à taxa

de imposto, considerando que a elasticidade relevante é a de equilíbrio geral que

pode diferir em sinal e valor da de equilíbrio parcial.

Malcomson (1986) realça que um modelo que tenha como objectivo

determinar a forma da Curva de Laffer deve ser um modelo suficientemente rico, em

que a função oferta de trabalho permita que o sinal do efeito da alteração da taxa

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imposto, nos casos em que os impostos sejam progressivos ou hajam rendimentos não

recebidos; que a tecnologia assumida seja suficientemente rica, que permita que o

sinal da alteração da taxa de imposto na oferta de trabalho, em equilíbrio geral, possa

ter ou não sinal oposto ao de equilíbrio parcial; por último que as receitas de impostos

possam responder positiva ou negativamente às alterações na oferta de trabalho.

«Impondo, a priori, restrições nestes efeitos, como pode ser facilmente feito por

escolhas aparentemente inocentes das formas funcionais, pode conduzir a conclusões

incorrectas acerca da forma da curva de Laffer» (Malcomson (1986): 278).