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O colapso do keynesianismo e o aparecimento de novos princípios económicos

3. Origens da Curva de Laffer e da economia do supply-side

3.3. O colapso do keynesianismo e o aparecimento de novos princípios económicos

A seu tempo referimos a incapacidade da teoria do lado da procura em

explicar o período de recessão económica que os Estados Unidos da América e muitos

países europeus entraram em 1974-75, precedido por défices orçamentais demasiado

elevados, e que contrariavam os efeitos positivos que defendiam ter no crescimento

económico: os défices não promoviam a procura, e à medida que aumentavam,

maior era o desemprego. Ao mesmo tempo, as taxas de inflação elevadas coexistiam

com desemprego, e não parecia razoável aumentar o défice para reduzir o

desemprego, nem reduzir o défice para reduzir a inflação (Bartlett (2003)). O trade-off

inflação/desemprego, postulado na curva de Phillips, deixava de se verificar e, em

consequência, a utilização das política monetária e fiscal  restritivas para reduzir a inflação, quando esta era o problema económico mais premente, ou a sua expansão

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quando o desemprego atingia níveis demasiado elevados  deixavam de ter eficácia. O pensamento económico vigente não apresentava soluções eficazes que

combatessem, simultaneamente, a inflação, o desemprego, e a redução da

produção. Conforme refere Klein (1983) «Com o despontar dos anos 80, existirá uma

nova abordagem na economia para lidar com as alterações das circunstâncias

económicas: [...] em todo o mundo parecemos estar num estado de estagflação para

a qual a análise macroeconómica tradicional orientada para a procura oferece

pouca esperança de libertação [...] [e as] soluções podem ser encontradas dentro de

um enquadramento de conhecimentos teóricos existentes que requer a construção

de um supply side total adequado aos sistemas actuais de orientação da procura»

(Klein (1983): 3-5, em Castela (2003): 146).

É neste contexto que a economia do supply-side se socorre dos

ensinamentos da economia clássica e neoclássica, introduzindo a análise

microeconómica na macroeconomia. Robert Mundell e Arthur Laffer18 propunham uma estratégia dupla para combater a estagflação: por um lado, a redução das

taxas marginais de impostos sobre o capital e trabalho, a redução da intervenção e

regulamentação do Estado na actividade económica, e que a taxa de crescimento

das despesas públicas não superasse a do crescimento histórico do produto de forma

a reduzirem o desemprego; e, por outro, a aplicação de uma política monetária

restritiva e preconizavam o regresso ao padrão-ouro. E é a sistematização de algumas

destas medidas de combate à estagflação (designação atribuída por Samuelson

(1984)) que surge a designação supply-side economics.

18 Embora tenha sido a economia internacional que tenha aproximado Arthur Laffer e Robert Mundell, muito rapidamente

estes dois economistas, no início da década de 70, travaram discussões académicas e publicaram artigos sobre uma nova abordagem do pensamento económico, que envolviam não só economistas como Herbert Stein, mas também muitos jornalistas. Estas discussões centravam-se na proposta de Lyn Nofziger (apoiante de Ronald Reagan) de redução acentuada de impostos (conhecida por Prop. 13) que envolviam Robert Bartley e Robert Novak (jornalistas do The Wall Street Journal), Irving Kristol (fundador do Neoconservadorismo e que escrevia para The Public Interest e Foreign Affairs, tendo, posteriormente, criado a National Interest que serviu de veículo para a divulgação das teses supply-siders), e Jude Wanniski (colunista do National Observer). Também a publicação do artigo "The Mundell-Laffer Hypothesis - A New View of the World Economy", de Jude Wanniski, em 1975, no The Public Interest, foi um passo importante para a divulgação dos trabalhos de Arthur Laffer e Robert Mundell e da economia do supply-side (Castela (2003)).

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Aquela teoria avançou, nesta fase, de uma vertente que se centrava mais

na fiscalidade para um sistema de pensamento acerca de todo o universo

económico e político. Por um lado, promoveram o combate à influência da União

Soviética nas relações internacionais e o seu desmoronamento, o que passava por

alterar a estrutura de pensamento económico vigente que, de alguma forma,

impediam o sucesso desta estratégia. Por outro lado, o combate às teorias

keynesianas (ou de inspiração) que dominavam a maior parte das economias, na

tentativa de reduzir a intervenção do Estado na actividade económica, dando

primazia aos mercados enquanto criadores de riqueza. Duas instituições foram

relevantes na promoção destes ideais. O American Enterprise Institute, na defesa da

liberdade de funcionamento dos mecanismos de mercado, do free enterprise system,

e da diminuição do peso e intervenção do governo na economia (salienta-se Inving

Kristol, Jude Wanniski, e Michael Novak, entre outros). O Joint Economic Committee,

durante muito tempo conotado por defender os ideais keynesianos, foi, no entanto,

alterando a sua filosofia com o colapso desta escola de pensamento e, em 1980, era

uma instituição defensora da economia do supply-side: «O Relatório Anual de 1980

assinala o início de uma nova era do pensamento económico. O passado foi

dominado por economistas que se centram quase exclusivamente no lado da procura

da economia e que, como resultado, estavam amarrados à crença de que existia um

trade-off inevitável entre desemprego e inflação [...]. O relatório do Committee de

1980 diz que o crescimento económico estacionário, criado por ganhos de

produtividade e acompanhado por uma política fiscal estável e uma redução gradual

no crescimento da oferta de moeda ao longo de um período de anos, pode reduzir a

inflação significativamente durante os anos 80 sem aumentar o desemprego. Para

alcançar este objectivo, o Committee recomenda um conjunto abrangente de

políticas desenhadas para relançar o lado produtivo, o lado da oferta da economia

(Joint Economic Committee (1980): 1).

O modelo keynesiano foi, nesta altura, desacreditado pelas novas correntes

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está morta. Foi executada pela experiência» (Lee (1983/84b): 879). Paul Craig Roberts

que, em 1978, publica o artigo “The Breakdown of the Keynesian Model” foi um dos

primeiros a admitir a falência do modelo keynesiano que emerge da sua deficiência,

resultante não só por se debruçar apenas sobre o lado da procura, mas também por

não se considerarem aspectos microeconómicos na definição da política económica.

A atribuição do Prémio Nobel de Economia a Milton Friedman, em 1976, foi também

entendido como ataque a alguns princípios fundamentais da teoria keynesiana19 (Malabre (1977), Ruby (1977)), nomeadamente os efeitos dinamizadores do

crescimento provocado pelos défices: «Para o conjunto da população, aquilo a que

se chama um défice é na realidade uma outra forma de agravamento dos impostos.

Todas as despesas do Governo são suportadas pela comunidade e não só através do

que regularmente se denomina por impostos. A realidade económica reside no facto

de que o Governo impõe dois tipos de impostos  os denominados "impostos" e outros que são os défices. [...]. Quantos mais elevados forem os gastos do governo, menores

serão os recursos disponíveis para investimento. [...]. Em resumo, os défices são

negativos, não tanto porque obrigam ao aumento de juros mas porque encorajam

uma irresponsabilidade política [...]. O resultado é um Governo mais saturado e uma

nação mais pobre. Eis a razão porque me declaro a favor de [...] equilibrar o

orçamento e limitar os impostos», escrevia Milton Friedman no artigo “The taxes callled

deficts” publicado no Wall Street Journal, em Abril de 1984 (p. 28). Milton Friedman

também criticou severamente o trade-off inflação-desemprego.

Igualmente, na Economia Pública de Buchanan (também prémio Nobel da

economia) atribuía-se ao keynesianismo a responsabilidade pelo excessivo peso do

sector público na economia e contrariavam-se os efeitos positivos dos défices no

estímulo da procura. Para Buchanan e Wagner (1977) os défices criam ilusões fiscais

nos eleitores, fazendo-os acreditar que o aumento da dimensão do sector público não

19 Embora no início dos anos 70 Milton Friedman tivesse afirmado: «In one sense, we all are keynesian now: in another, no one

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se reflecte, necessariamente, em impostos mais elevados no futuro; opinião partilhada

por Roberts (1978b) que defendeu que os défices se traduzem no longo prazo por

impostos mais elevados, reduzindo a base fiscal e agravando os défices.

A New Classical Economics, com a hipótese das expectativas racionais,

também constituiu um factor de crítica da análise keynesiana, em particular no que se

refere aos modelos econométricos utilizados para analisar as alternativas de política

pública e que se fundamentavam em hipóteses keynesianas. Paul Craig Roberts

(1978a), alertava para o facto dos modelos econométricos em que os governantes

baseavam as suas simulações não terem em conta os efeitos do lado da oferta: «A

redução da taxa de imposto não aumenta apenas o rendimento disponível e as

despesas totais, mas também altera a composição da despesa total em favor do

investimento» (p. 24) e, por isso, a produtividade, o emprego e a produção total real

aumentam para níveis superiores aos que resultariam de um igual aumento da

despesa total decorrente do consumo corrente. Os modelos econométricos

baseavam-se em hipóteses keynesianas e, por isso, favoreciam as políticas keynesianas

em detrimento doutras. Estes modelos tornavam os custos de uma redução fiscal

elevados quando comparados com programas equivalentes de despesa pública, o

que enviesava as decisões em favor das reduções fiscais temporárias para incentivar o

consumo, em detrimento de reduções fiscais do lado da oferta, como as taxas

marginais de impostos. Na medida em que consideravam que a performance da

economia dependia dos níveis da despesa, não dos incentivos à produção, não

davam importância ao facto dos modelos econométricos não considerarem

variações nos preços relativos resultantes de alterações nas taxas de impostos sobre o

rendimento pessoal. A escolha, por exemplo, entre abatimentos ou reduções nas taxas

de imposto sobre o rendimento pessoal seria indiferente com base nas simulações,

uma vez que afectam de igual forma o rendimento disponível. No entanto, os

abatimentos  contrariamente às reduções das taxas de impostos  não alteram a escolha individual na margem: não alteram os preços relativos e, consequentemente,

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forma que as reduções das taxas de impostos. A utilização das despesas enquanto

instrumento de promoção do crescimento económico é, também, nestas simulações

econométricas, analisada através dos efeitos sobre o rendimento disponível, não

tendo em conta que se o governo utiliza os recursos de uma forma menos eficiente do

que o sector privado, o crescimento do produto não é tão rápido e não têm em conta

a alteração dos preços relativos e os seus efeitos sobre a actividade económica. Estes

modelos exageram as perdas de receitas fiscais resultantes das reduções de taxas de

impostos porque só têm em conta os efeitos da expansão da base fiscal resultante do

aumento da procura, ignorando os do lado da oferta: os aumentos da produção que

decorrem de rendimentos líquidos de impostos mais elevados do trabalho e do

investimento. «O reconhecimento dos incentivos implica o reconhecimento dos

desincentivos» (Roberts (1978a): 21) e a teoria keynesiana  e os modelos econométricos que usam  não os reconhecem. Neste contexto, reconhece-se que nas previsões do lado da oferta implicitamente admite-se expectativas racionais,

passando-se a utilizar modelos de expectativas racionais, fazendo previsões

económicas incluindo os efeitos da oferta.

Também a publicação de obras, como The Way the World Works, de Jude

Wanniski em 1978, e alguns anos mais tarde Wealth and Poverty de George Gilder e

American Renaissence de Jack Kemp, sintetizaram e promoveram esta nova teoria.

4. Síntese

Traçadas em linhas gerais as características e origens da economia do

supply-side e, em particular, da Curva de Laffer  matéria esta, aliás, que daria para longas dissertações  parece por mais evidente que esta teoria não fez a sua estreia num restaurante em Washington, mas foi solidamente formada a partir de um corpo

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se bem que frequentemente posta em causa, alegando a falta de aderência à

realidade, a história dos EUA em particular, e de outros países europeus, tem vindo a

mostrar a sua aplicabilidade.

Se, por um lado, foram os economistas do lado da oferta que tiveram o

mérito de terem introduzido, em meados da década de 70, no debate político nos

EUA e, em menor extensão na Europa, os efeitos desincentivadores de algumas

políticas governamentais, reintroduzindo o pensamento microeconómico no debate

político, e terem posto em causa o pensamento económico keynesiano enraizado

política e academicamente são, por outro, acusados de deterem uma visão

incompleta da economia. Esta fraqueza resulta, segundo Reynolds (1982), do facto de

não distinguirem sector real de monetário da economia, não apresentando uma

«teoria monetária coerente» (p. 858): o comportamento de curto prazo dos agentes

económicos é alterado pelas variações nos preços relativos induzidos pela política

fiscal, mas também o é pela quantidade de moeda detida pelo público. No entanto,

não podemos deixar de ter presente que as políticas fiscais preconizadas pelos supply-

siders são fundamentalmente de longo prazo. A política da economia do supply-side

é, na realidade, uma política de longo prazo, e a sua aparente falha é política e não

económica, pelo facto do processo de tomada de decisão política ter um horizonte

temporal de curto-prazo, confinado ao mandato dos governantes e à necessidade de

produzir efeitos nesse período.

Brooks (1982) evidencia que a principal diferença da escola de pensamento

da economia do lado da oferta é que se enquadra entre os que consideram que a

riqueza (tal como definida por Adam Smith e David Ricardo) é, antes de mais,

metafísica, e é o resultado de ideias, de inovação e criatividade. É por isso, ilimitada,

susceptível de maior crescimento e desenvolvimento, contrariamente à definição de

Thomas Malthus e Karl Marl de que a riqueza é essencialmente física e, por isso, em

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Capítulo II - A Curva de Laffer - Fundamentação teórica, desenvolvimentos, e evidência empírica

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