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CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

1 ECOLOGIA, ECONOMIA E COMPLEXIDADE: DA INTERDEPENDÊNCIA CONCEITUAL AO ENFRENTAMENTO DA CRISE

1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O óbvio nem sempre é visto e compreendido, embora seja, muitas vezes, evidente. Assim, é preciso demonstrá-lo. Ecologia e Economia interimplicam-se, como realidades indissociáveis. O desenvolvimento econômico irrefreado e irresponsável impacta o meio ambiente, causando desequilíbrio. O desequilíbrio conduz às catástrofes ambientais, que impactam fortemente a Economia. O processo é circular e recursivo. No entanto, em termos práticos, essa correlação básica não foi efetivamente incorporada pelo pensamento econômico.

O impacto do furacão Sandy, que deixou Nova York em um cenário pós- apocalíptico, serve para ilustrar essa estreita conexão entre Ecologia e Economia. Cerca de 50 milhões de pessoas foram diretamente afetadas. Mais de 8 milhões de endereços ficaram sem energia elétrica. As Bolsas deixaram de movimentar 117,4

bilhões de dólares ao dia nos EUA. Mais de 15 mil voos de companhias nacionais e internacionais foram cancelados. Uma usina elétrica explodiu na ilha de Manhattan. Cinquenta casas foram consumidas por um incêndio no Queens. Inundações ameaçaram a central nuclear de Oyster Creek. Em Nova Jersey, Sandy custou pelo menos 29,4 bilhões de dólares em destruição. O montante de 138 bilhões de dólares foi apontado como o custo estimado das catástrofes naturais no ano de 2012. Metade desse valor corresponde aos danos provocados pelo Furação Sandy e pela seca que afetou os Estados Unidos. (SANDY..., 2012a; 50 MILHÕES..., 2012; BOLSAS..., 2012; NÚMERO..., 2012; SANDY..., 2012b; FURACÃO..., 2012; FURACÃO..., 2012a; 2012b; 2012c; RELATÓRIO..., 2013).

Relatório da Organização das Nações Unidas2, divulgado no dia 14 de março de 2013, apresenta previsões alarmantes: o mundo pode viver um colapso ambiental em 2050. Os desastres naturais deversão ocorrer com maior frequência e intensidade, gerando grandes danos econômicos e perdas humanas. São estimadas cerca de 2,7 bilhões de pessoas vivendo em extrema pobreza em 2050, como consequência da degradação do planeta. A estimativa é de que mais de 3 (três) bilhões de pessoas vivam na miséria nos próximos 37 anos (RELATÓRIO..., 2013).

Economia e meio ambiente coexistem de forma interdependente: a economia depende do meio ambiente. Paradoxalmente, o destroi. Da mesma forma, é por ele impactada, num círculo vicioso. Nenhuma análise ecológica pode, portanto, dispensar uma abordagem econômica. O inverso também é verdadeiro. Há que se perscrutar a raiz do problema. A crítica comporta diversas vertentes. Neste trabalho, a compreensão da crise ambiental parte da elucidação prévia de algumas categorias da Economia tradicional e da Economia Ecológica. A partir daí, constata-se o déficit de complexidade da abordagem tradicional e seu corolário, a sociedade de risco.

Parte-se de duas premissas insofismáveis: a primeira é que “não há essencialmente uma separação material entre Economia e Ecologia.” (DERANI, 2009, p. 173). A segunda, que se vive uma crise ambiental sem precedentes. A partir daí, recorre-se o aparato jurídico estatal como forma de equilibrar a tensão existente:

A sociedade, por consumir elevadas quantidades de energia e provocar profundas alterações nos ecossistemas, necessita de subsistemas jurídicos destinados à normatização das técnicas de produção e consumo, que lhe

2 Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o

sirvam de moldura apta a alcançar um grau ótimo de aproveitamento energético com o mínimo de degradação dos recursos naturais. Estas normas integram o conteúdo do Direito Ambiental. (FIGUEIREDO, 2010, p. 32)

Assim, por meio do contraste entre Ecologia e Economia à luz da teoria da complexidade, pode-se traçar uma linha do tempo que demonstra que a Economia Tradicional, baseada na ideia de um moto-contínuo e na consequente ilusão da possibilidade de crescimento infinito, levou a sociedade moderna a um desenvolvimento tecnocientífico avassalador. Esse desenvolvimento, porém, desconsiderou a variável ambiental, conduzindo à sociedade de risco, na qual se constata a existência macroperigos, cuja previsão e controle escapam aos mecanismos tradicionais de gestão, quer políticos, quer científicos, quer jurídicos.

Portanto, em uma relação de causa-efeito, tem-se que a abordagem econômica tradicional é a causa e a sociedade de risco, a consequência da abstração da variável ambiental, que gerou a crise.

A desconsideração da variável ambiental é, por sua vez, decorrência do paradigma cartesiano, mecanicista e fragmentador, que isola o homem de suas relações. O paradigma complexo, por outro lado, reconecta homem e natureza, Economia e Ecologia, Direito e realidade, apontando uma saída para a crise.

François Ost (1995, p.390) resume essa ligação:

A sorte do planeta e a sorte da humanidade são indissociáveis. Antroposfera e biosfera são solidárias, de forma que a injustiça das relações sociais gera a injustiça das relações com a natureza. Todo combate ecológico consequente, conduz, necessariamente a um requestionar da ordem econômica.

A tentativa de enfrentamento da crise proposta nesse trabalho parte de uma breve, porém indispensável, análise econômica, sob o viés da complexidade, aqui apresentada como porta de entrada e de saída dos problemas ambientais.

A abordagem econômica clássica não leva em conta a complexidade ecológica. O enfrentamento dos macroperigos decorrentes da sociedade de risco, por sua vez, somente pode se dar fazendo-se o caminho inverso, ou seja, por meio de uma visão que tome em conta essa complexidade. O caminho de volta para

A partir dessa abordagem, que perscruta as causas da crise, buscando na teoria econômica clássica a origem provável, propõe-se, como solução, uma abordagem jurídica3. Segundo Derani (2009, p. 183):

[...] quando se trata da posição que assume o Direito atualmente diante das relações econômicas, discute-se precisamente sobre um papel inédito que ele assume como organização da sociedade perante a situação sem precedentes causada pelo desenvolvimento industrial.

Ainda acerca do papel fundamental do Direito como instrumento de transformação/conformação social, a mesma autora afirma que:

Pelo Direito ambiental e econômico são tratados os meios da atividade industrial – neste caso, o domínio da natureza pelo homem – e a finalidade desta atividade – para a produção de mercadorias. Reflete o Direito, portanto, diretamente as consequências dessa ‘revolução’, que, por seus aspectos imprevisíveis, implanta no ordenamento jurídico um caráter dinâmico capaz de conduzir e ser conduzido pelas mudanças vertiginosas que se operam na sociedade do homem industrial. (DERANI, 2009, p. 182) A incorporação da variável ambiental ao pensamento econômico, assim como ao pensamento jurídico, depende da compreensão das bases da Ecologia e do pensamento complexo. Esses conceitos, que se interpenetram, devem ser estendidos à seara da argumentação jurídica, como forma de transpor a abordagem tradicional, dando tratamento efetivo à crise ambiental por meio do esclarecimento do conteúdo ambiental da norma.

José Lutzemberger (1977, p. 12) define a Ecologia como "a ciência da sobrevivência" e assinala que "a sobrevivência de cada uma das partes depende do funcionamento harmônico da Ecosfera como um todo". A Ecosfera é comparada a uma sinfonia, em que os instrumentos musicais devem coexistir de forma perfeitamente entrosada: cada instrumento individual promove a grandiosidade do todo e existe em função do todo. Assim como numa orquestra, nenhuma espécie tem sentido isoladamente, pois todas são peças de "uma grande unidade funcional, em que cada peça tem uma função específica, complementar às demais." (LUTZEMBERGER, 1977, p.12)

A ideia de complexidade surge, portanto, nas primeiras linhas do Manifesto Ecológico Brasileiro: "A Natureza não é um aglomerado arbitrário de fatos isolados, arbitrariamente alteráveis ou dispensáveis. Tudo está relacionado com tudo." Ali já consta, também, a crítica essencial à Economia tradicional: "a Nave Espacial Terra é finita. Seus recursos são limitados." (LUTZEMBERGER, 1977, p. 11). Essa

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constatação, embora elementar, foi desprezada pela sociedade industrial. É o que será visto no ponto a seguir.

1.2 DA ECONOMIA TRADICIONAL À ECONOMIA ECOLÓGICA: OS