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Outros Argumentos Metajurídicos

2 O DIREITO E A COMPLEXIDADE: A NORMA JURÍDICA E A REALIDADE

4. Dar cabo dos manguezais, sobretudo os urbanos em época de epidemias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado,

2.4.6 Outros Argumentos Metajurídicos

Além do uso de uma linguagem clara, simples, direta e persuasiva, sugeriu- se, neste trabalho, o uso de metáforas e o empreendimento de esforços de sensibilização ecológica. Tais instrumentos se mesclam e se moldam ao caso concreto. A eles podem ser acrescidos outros argumentos, que transcendem a técnica jurídica e aqui são denominados argumentos metajurídicos. Entre eles, figuram o argumento econômico, sociológico, ecossistêmico, holístico etc. O rol apontado é meramente exemplificativo e a ele pode ser acrescentados tantos exemplos quanto a imaginação e a criatividade permitirem.

Sugere-se, portanto, a construção da norma ambiental (norma de decisão, no caso concreto) por meio de um diálogo interdisciplinar, pautado nos parâmetros da complexidade e instrumentalizado por meio dos denominados argumentos metajurídicos, como contribuição eficaz a esse propósito (OST, 1997).

Derani (2009, P. 193) afirma que “A palavra não possui vida própria, ela é vivificada e vivenciada pelos seus interlocutores.” Ao tratar da norma constitucional – na qual se inclui o objeto de estudo deste trabalho, eis que a proteção ambiental tem matriz constitucional, Derani (2009, p. 202) afirma que a norma “é uma forma aberta, pela qual a vida perpassa, vida na forma e forma a partir da vida.”

A epistemologia kelseniana pretendia a construção de uma ciência jurídica aprofundada sob a noção jurídica de validade do Direito. Exigiu, então, rigorosas precauções contra o risco de diluição em outros saberes. Mas, uma vez lograda a conquista dessa autonomia, surge a necessidade de repensar esses relacionamentos. A reaproximação desses outros sentidos do agir social fornece uma compreensão mais sofisticada sobre como o Direito pode tornar-se realmente eficaz (ARRUDA;GONÇALVES, 2002)

Há que se buscar aquilo que Derani (2009, p. 201) chama, citando Ralf Dreier, de “teorias da interdependência do Direito, responsáveis por uma compreensão holística da norma jurídica.” Nesse sentido, deixa-se de reduzir o Direito “a um conjunto ilhado de normas, exiladas e condenadas à frieza de um texto sem vida, esvaziado de humanidade” (DERANI, 2009, p. 201), passando a concebê- lo como uma teia vinculada a diversos outros saberes.

Os argumentos metajurídicos podem ser amplamente aplicados na prática forense, em audiências judiciais, extrajudiciais, peças processuais etc. Dentre esses argumentos, estão exemplos práticos, analogias, uso de imagens, desenhos, fotografias, textos jornalísticos, fundamentos de ordem econômica, sociológica, holística, ecossistêmica etc.

Cada um desses argumentos, que podem variar de um viés antropocêntrico até a Ecologia profunda, tem propósito e cabimento em contextos específicos, a depender do caso concreto em que se está operando. Alguns exemplos podem ser citados.

Há demandas em Santa Catarina que estão relacionadas, por exemplo, à Operação Moeda Verde (grande operação realizada pela Polícia Federal relativa à compra e venda de licenças ambientais, que gerou a prisão temporária de empresários e políticos locais). Como preliminar, em ações que envolvem tais processos (sob suspeita de corrupção ambiental), a autora costuma alegar que se trata de caso da Operação Moeda Verde.

É o que aqui se denomina argumento jornalístico, ao qual se fazem acompanhar reportagens. Embora não seja jurídico, pois os indiciados ainda não foram julgados, as reportagens trazem, pelo menos, um alerta ao julgador, que passará a ver o assunto de forma diferenciada. Todos os fatos relativos ao tema devem ser trazidos ao processo, de forma a ampliar a visão acerca das questões envolvidas, evitando-se o tecnicismo frio e, muitas vezes, ineficaz.

Não somente reportagens de polícia (que são, sem dúvida, impactantes), mas textos jornalísticos simples e explicativos, que versam acerca de questões ambientais, como por exemplo, a importância dos ecossistemas de restinga, das árvores mortas e caídas, da função ecológica das áreas de preservação permanente etc. permitem o acesso ao tipo de informação que, muitas vezes, o julgador não detém e não vai extrair dos laudos. O texto jornalístico é mais acessível que os

laudos, mas não os substitui. Serve, porém, para atrair a atenção para questões importantes, que merecem ser conhecidas.

Trata-se de informações básicas, porém não óbvias, nem evidentes senão para aqueles que já estão familiarizados com a matéria ou tocados por ela. A obviedade de tais questões, conforme já se afirmou neste trabalho, não pode ser presumida quando se trata de matéria ambiental, haja vista a costumeira desinformação.

Nesse mesmo sentido, tem-se o argumento visual, ou seja, o uso de imagens, que também constitui instrumento eficaz de conscientização, informação e sensibilização. Atualmente, com a digitalização dos processos judiciais, que tramitam em meio eletrônico, o uso de imagens coloridas têm seus custos reduzidos a zero. As imagens podem trazer gráficos, desenhos, fotografias, diagramas ou quaisquer elementos visuais que clarifiquem o teor daquilo que se pretende explicar ou exemplificar.

O uso de epígrafes em petições também parece trazer o leitor para a questão que se pretende discutir, sensibilizando-o. Frases, citações, ideias bem colocadas fogem à abordagem tradicional e podem tornar a leitura mais atrativa ou até mesmo impactar o leitor. Por exemplo:

Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem a gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência. Chefe Seattle

O homem é parte da natureza e sua guerra contra a natureza é inevitavelmente uma guerra contra si mesmo... Temos pela frente um desafio como nunca a humanidade teve, de provar nossa maturidade e nosso domínio, não da natureza, mas de nós mesmos. Rachel Carson O argumento econômico pode também ser utilizado, respaldando a ideia de busca de um modelo de desenvolvimento duradouro, por meio de um discurso inclusivo que caracteriza a defesa ambiental como vantajosa e lucrativa, mesmo em termos estritamente econômicos. Trata-se não somente de informar, mas sensibilizar o interlocutor sobre a falsa dicotomia entre desenvolvimento e proteção, demonstrando que a proteção ambiental evita catástrofes e os custos que lhe são subjacentes. O impacto ambiental de cada escolha econômica não pode ser ignorado na contabilidade das empresas e dos países, eis que uma escolha errada

tem alto custo ambiental e reflexos diretos na Economia. Necessário demonstrar, ainda, nas lides ambientais e na construção da cidadania ambiental, a necessidade abandonar o foco obsessivo nos resultados de curto prazo (GORE, 2006).

O falacioso argumento econômico do desenvolvimento ilimitado e irrefreado merece uma contra-argumentação contudente. Mais perigoso é o “obsequioso silêncio” que convém “aos ditadores econômicos e globalizantes de hoje”, mais nefastos do que os ditadores militares de antanho, “porque camuflados, melífluos, blandíloquos e aparentemente inofensivos, o que dificulta seu combate e retarda sua queda.” (OLIVEIRA, 2009, p.5)

O argumento sociológico, desenvolvido pro Ulrich Beck (abordado no primeiro capítulo da dissertação), também constitui importante elemento de sensibilização ambiental, à medida que descortina e delineia os novos riscos impostos pela segunda modernidade. Esclarecimentos acerca da sociedade de risco têm o condão de fundamentar a aplicação do princípio da precaução, cânone máximo do Direito Ambiental. Além disso, a compreensão acerca do risco e da irresponsabilidade organizada permite a tomada de consciência e a mobilização.

Pode-se, ainda, fazer menção expressa ao argumento filosófico, consistente no apelo ao pensamento complexo, em contraposição ao reducionismo cartesiano. A fragmentação do conhecimento, por parte da maioria dos operadores do Direito, não permite a compreensão mínima de institutos ambientais que exigem uma abordagem integrada, complexa e que demanda o diálogo entre diversos ramos do Direito e da Ciência.

É necessário acrescentar ainda o que Morin (2004) classifica como “conhecimento pertinente”, que é aquele que não aniquila, mas que rearticula a disciplina, combatendo a fragmentação. Nesse sentido, “devemos empenhar-nos na elucidação dessa ideia difusa de responsabilidade solidária, virtualmente universal.” (OST, 1997, p. 308).

Morin (2004) fornece instrumental importante para a construção desse argumento na obra “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro” quando afirma que é preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. O ensino deve ligar o todo às partes e as partes ao todo. O exercício da cidadania ambiental passa necessariamente pela consciência do todo e da interdependência56.

56 A ideia de interdependência foi ilustrada no primeiro capítulo por meio do contraste entre uma

A ideia de interdependência avança em diversas searas, como na teoria das relações internacionais, na educação ambiental (sentimento de pertencimento) e no próprio Direito ambiental, por meio das tentativas de abordagem multi, inter e transdisciplinar. Conforme afirma Derani (2009, p. 15), “Não é possível, numa sociedade em constante modificação social, cultural, moral, tecnológica, que se conceba o ordenamento jurídico e os fatos, um com o outro, estáticos, perenes e confrontados como possuidores de um ser independente.”

Essa reaproximação entre os diferente saberes humanos propicia a compreensão do sentido das ações e relações sociais como algo complexo, multiangular, impossível de ser reduzido a unicausalismos simplistas ou naturalizantes. E dentre todos os âmbitos sociais e seus respectivos saberes com os quais o Direito há de buscar essa recomposição diplomática, o sentido ético parece ser o mais importante. A ideia do mínimo ético, como compromisso eficacial, pode ser hermeuticamente instalada nas pré-compreensões dos atores do ordenamento jurídico (ARRUDA;GONÇALVES, 2002).

A força de sua presença [do Direito] numa sociedade e seu efeito como modificador, organizador, mantenedor das relações sociais são resultantes do sentido e valor que é dado no cotidiano às normas do ordenamento jurídico. (DERANI, 2009, p. 200)

Sob essa ótica, a sensibilização ambiental, como parte de um processo educativo, depende, ainda, do reaprendizado acerca da própria condição humana e da identidade terrena, bem como do desenvolvimento da aptidão para aceitar, lidar e enfrentar as incertezas (MORIN, 2004).

Para finalizar, vale citar Müller:

Não foi possível descobrir ilhas rochosas em meio ao oceano desse tema; mas foi possível localizar fachos de luz nitidamente visíveis, emitindo farois, que possibilitam uma orientação do trabalho jurídico – e com isso a comunicação democrática sobre ele. (MÜLLER, 2009, p. 160)

Assim sendo, os exemplos apresentados constituem uma proposta inicial, aos quais se pode – e deve – acrescentar muitos outros, na construção de um instrumental efetivo de conscientização objetiva e subjetiva, buscando mobilizar os operadores do Direito para a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras.

3 JURISPRUDÊNCIA AMBIENTAL: DO PENSAMENTO CARTESIANO AO