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Considerações sobre os fragmentos da primeira parte

No documento A General Estória de Afonso X em Portugal (páginas 196-200)

II. A tradução da primeira parte

2.5. Considerações sobre os fragmentos da primeira parte

Apesar da reduzida porção da primeira parte que os vestígios da tradução portuguesa da GE transmitem, a sua distribuição por diferentes livros da obra, bastante distantes entre si, e o facto de fornecerem lições provindas de distintas versões castelhanas permitem tecer algumas considerações críticas.

Consideram-se dois conjuntos de manuscritos que conservam a primeira parte da GE em castelhano: A, B e D, de relações já determinadas, e A, B, G e H, cuja classificação é instável. Tendo esta divisão em conta, os fragmentos portugueses requerem uma análise em dois grupos: 29, 30 e 32, a partir de agora designados por G1, cuja matéria está presente em A, B e D, e 31, passível de confronto com A, B, G e H. O manuscrito F também foi tido em consideração, embora só encontre paralelo com 30 e 32. No entanto, como não ocorrem casos de concordância exclusiva com F, a comparação com este testemunho mostrou ser irrelevante.

Excluindo saltos e sobretudo opções sintáticas e lexicais inerentes ao ato de tradução, encontram-se em todos os testemunhos portugueses, com maior ou menor frequência consoante o fragmento, lições exclusivas de cada família de manuscritos castelhanos. Esta confluência poderia levar a que se considerasse a tradução portuguesa um trabalho de síntese ou de sincronização de matérias feito perante diferentes manuscritos. Interessante também é assinalar como algumas ocorrências de castelhanismos se podem compreender à luz não só do processo de tradução mas também pelo facto de as opções gráficas serem legíveis para o público da época – como sucede com alguns usos de /ñ/ para representar a consoante palatal nasal.

Conforme se constata pelas estratégias redaccionais da tradução portuguesa – nomeadamente a sintetização de matéria ou a simplificação de redundâncias – não parece dar-se o caso de uma colação entre diferentes cópias castelhanas para a elaboração da tradução portuguesa. Poder-se-á, antes, colocar a hipótese de os fragmentos portugueses serem já uma cópia de uma tradução anterior, e daí decorrerem os saltos assinalados.

A General Estoria em Portugal

Tomando por exemplo G1, destaca-se esta ambiguidade, uma vez que tanto se obedece a A como a B e D, tornando-o incompatível com cada uma das duas famílias de manuscritos. Tal situação torna impossível a localização da tradução no stemma codicum estabelecido para este corpus. Considerando B e D irmãos, descendentes de uma versão α de A, e descartando-se a hipótese de G1 provir de um destes testemunhos precisamente por incluir matéria exclusiva de A, poder-se-ia pensar que a tradução portuguesa descenderia diretamente da versão do scriptorium régio. Contudo, recorde-se que foram já assinaladas ocorrências de lições exclusivas de B e D – e, portanto, de α – que descartam esta possibilidade.

Assim sendo, G1 não pode nem descender de A, visto que por vezes coincide com α contra A, nem de α, já que também encontra apenas em A matéria equivalente. A menos que se tratasse de um espantoso acaso, seria altamente improvável um tradutor de A incluir matéria coincidente com α e vice- versa.

Trata-se sempre de uma tarefa arriscada tecer considerações críticas a partir de excertos de texto tão curtos, especialmente se estas podem colidir, ou questionar, colações assentes em testemunhos bem mais extensos. No entanto, e apenas porque G1 o permite, propõe-se a seguinte hipótese.

Sendo verdade que G1 está, conforme se assinalou na análise individual dos fragmentos, geralmente mais próximo de A, sem contudo ser uma tradução direta por conter matéria exclusiva de B e D, postula-se a existência de uma versão intermédia onde estes dois manuscritos se situam. Neste sentido, α não seria a versão descendente de A de onde B e D descendem, mas sim antecessora de uma versão β onde se encaixariam estes testemunhos. Esta versão β já conteria as lições de α mas teria também excluído elementos de A de que α ainda daria conta, conforme se infere pela sua presença em G1. Os manuscritos passariam a agrupar-se do seguinte modo:

Mariana Soares da Cunha Leite

Com esta hipótese afasta-se também a possibilidade de convergência de G1 – mais precisamente de 30 e 32 – com F, conforme advogam Luís Lindley Cintra e Ramón Martinez López442 e se confirma pelo confronto entre

manuscritos.

O caso do fragmento 31 afigura-se de resolução bastante mais complexa, por só poder ser analisado à luz de A, B, G e H, não tendo estes dois últimos classificação estemática segura. Ao contrário do que sucede com os fragmentos anteriores, não existem lições corretas exclusivas de um só manuscrito, com exceção de G. No entanto, nota-se que normalmente G diverge de A, B e H, ora por equivaler a 31, ora por ser o único a divergir. Com efeito, como quantitativamente tanto A como G estão a igual distância de 31, torna-se bastante difícil destrinçar qual dos dois estará mais próximo, já que tanto um como o outro apresentam lições que impedem o estabelecimento de qual é versão seguida por 31.

Tal como sucede com G1, também 31 não é uma tradução direta de A. Tão pouco provém de G, muito embora haja uma coincidência – contudo não determinante – com este testemunho que permite equacionar uma maior aproximação deste com 31. Se tivermos em conta as hipóteses, entretanto descartadas pela crítica mais atual, que António Solalinde443 coloca para a relação

de G e H, tal constatação não será de todo descabida. Com efeito, este editor chega a propor que G seja uma versão de A, descendente de um antecedente β paralelo a um α de onde vêm as versões B e H. É verdade que tal hipótese perde

442 CINTRA (1999a) e MARTÍNEZ LÓPEZ (1963). 443 SOLALINDE (1930).

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sustentabilidade quando existem bastantes ocorrências de B = G contra A = H ou A = B contra G = H; todavia, não deixa de ser notório que, ainda que para uma porção reduzida de texto, B e H se afastem de G na relação com um outro testemunho, o fragmento 31.

Assim, se A for o antecedente da versão que foi usada pelo tradutor, tal como se considerou para G1, então poder-se-á equacionar a hipótese de G ser uma cópia irmã da tradução portuguesa, o que responderia às concordâncias e dissemelhanças deste testemunho castelhano em relação a A, B e H. Se, tal como a tradução portuguesa, G também estiver em idêntica situação intermédia entre a versão do scriptorium régio e B, a existência de uma versão α da qual G descende e β é irmã permitiria agrupar G enquanto versão irmã de 31. No entanto, uma vez que esta possibilidade carece de uma análise efetivamente detalhada de G em confronto com outros testemunhos da segunda metade da primeira parte da GE, apenas se assinala com muitas reservas, conforme o tracejado procura dar conta:

Seja como for, é evidente que 31 se associa a G1 na relação intermédia entre A e o conjunto de manuscritos de que B faz parte. Confirma-se a uniformidade da tradução no que às relações entre manuscritos diz respeito, o que era já codicológica e linguisticamente visível. Todas as variantes parecem de facto apontar para uma tradução portuguesa provinda de um mesmo subarquétipo β, filho de α.

A General Estoria em Portugal

No documento A General Estória de Afonso X em Portugal (páginas 196-200)