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Testemunhos castelhanos da primeira parte da General Estoria

No documento A General Estória de Afonso X em Portugal (páginas 150-155)

II. A tradução da primeira parte

2.2. Testemunhos castelhanos da primeira parte da General Estoria

Estoria

Do corpo da General Estoria, a primeira parte é, a par da quarta, a que mais facilmente se presta a edições relativamente fiéis ao propósito alfonsino, uma vez que para ambos os casos subsistem dois testemunhos integrais provindos da câmara régia.

O códice régio que transmite a versão corrigida406 do texto castelhano é o

ms. 816 da BNE (designado por A), datado de 1280, tendo servido de base a três edições, uma das quais uma reedição. A primeira, de 1930, foi levada a cabo por Antonio Solalinde, que previra na altura proceder à edição integral da obra alfonsina407. Tal projeto acabou por ficar nas mãos de dois discípulos do

investigador espanhol, Lloyd Kasten e Viktor Oeschläger, que concluíram a edição da segunda parte em 1957408. Já em 1978 surge uma nova tentativa de trazer a

GE aos leitores contemporâneos pelo Hispanic Seminar of Medieval Studies de

Madison, o que foi conseguido em parte pela fixação dos textos e suas concordâncias em formato microfilmado, concluindo-se a tarefa, em suporte informático, no final dos anos 90409. Surge, em 2001, uma nova tentativa de

edição integral410, desta vez com critérios editoriais que permitissem o acesso a

um texto mais legível do que o possibilitado pelas transcrições paleográficas. Neste sentido encaminhou-se a edição proposta por Pedro Sánchez-Prieto Borja, retomada pelo mesmo editor em 2009 aquando da edição integral da história universal alfonsina411. Em ambos os casos, a edição da primeira parte consiste

406 Isto porque a tradução galega, F, transmite a versão não revista, ou seja, o rascunho. É Diego Catalán que, em 1978, primeiro chama a atenção para esta hipótese de transmissão – CATALÁN (1978: 268-269 e nota 85), aprofundando as suas considerações com maior detalhe em CATALÁN (1997: 47-83).

407 AFONSO X (ed. 1930). 408 AFONSO X (ed. 1957).

409 AFONSO X (ed. 1978) e id. (ed. 1997). Sobre este projeto, ao qual não pudemos ter acesso, seguimos SÁNCHEZ-PRIETO BORJA (2009:CXXII-CXXIII).

410 AFONSO X (ed. 2001). Na introdução a esta primeira iniciativa de edição integral já no século XXI, dá-se conta das dificuldades colocadas pelos propósitos do Hispanic Studies Seminar of Madison: «No obstante el detallismo de la transcripción, no faltan los errores, debidos a la incomprensión del texto (...). Es una transcripción muchas veces mecánica.» SÁNCHEZ-PRIETO BORJA (2001: LXIX-LXX).

411 AFONSO X (ed. 2009). Sobre os problemas editoriais que a GE coloca, ver FERNÁNDEZ-ORDÓÑEZ (2000:124-148).

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basicamente na transcrição, com critérios de maior ou menos proximidade paleográfica ao texto, do referido manuscrito A.

No entanto, da primeira parte subsistem ainda outros testemunhos relevantes, um dos quais em galego-português – o já referido RBME O-I-1 (F): RBME Y-I-6 (B), RBME Y-I-1 (C, cópia de B), BNE 8682 (D), RBME Y-III-12 (E), tradução da versão galego-portuguesa F), RBME Y-I-3 (G), RBME Y-I-4 (G’, parte que foi separada de G mas que originalmente pertencia ao mesmo códice) e BNE 10236 (H). Todos estes manuscritos se encontram já ampla e detalhadamente descritos por Solalinde aquando da edição de 1930.

Tanto António Solalinde como Pedro Sánchez-Prieto Borja, nas edições que elaboram ou coordenam, assim como Inés Férnandez-Ordóñez412, procedem

à colação dos manuscritos da primeira parte, procurando determinar quais as relações entre eles. Tendo em conta as divergências no que concerne a extensão de texto reproduzida, apenas se pôde avançar com alguma segurança considerações sobre a relação entre A, B, C, D, E e F, ficando os manuscritos G, G’ e H aquém de um stemma codicum seguro. Como inaugurador dos estudos críticos exaustivos sobre a GE, António Solalinde continua a ser a referência sobre a descrição dos manuscritos, pese embora o labor crítico ter já descartado algumas das suas possibilidades de classificação estemática413.

De entre todos, o manuscrito régio, A, transmite a maior porção de texto, uma vez que do códice apenas falta o correspondente ao último caderno – cerca de oito fólios. Segundo Solalinde, trata-se de um códice em pergaminho, redigido a duas colunas com cerca de 50 linhas, decorado principalmente a vermelho e azul. A letra gótica, característica da câmara régia, é bastante regular, e as anotações encontradas são apenas guias para os copistas414.

Já outras características apresenta B, que abrange a matéria desde o

Génesis até ao final do Deuteronómio. O manuscrito em papel conserva o texto

em duas colunas de 30 a 43 linhas. A decoração limita-se à cor vermelha, com espaço em branco para as capitais ornamentadas mas sem numeração. Redigido

412 FÉRNANDEZ-ORDÓÑEZ (2002: 42-54). 413 Veja-se FÉRNANDEZ-ORDOÑEZ (2002: 42-54).

Mariana Soares da Cunha Leite

em gótica redonda bastante regular, datará do século XV, partilhando as suas características paleográficas, o suporte e encadernação com os testemunhos N e S, da segunda e terceira partes. Neste caso, é interessante notar que o texto correspondente aos três últimos livros do Pentateuco não copia a General Estoria mas sim, com grande probabilidade, o antígrafo de uma Bíblia romanceada conservada no manuscrito I-I-8 RBME, não reproduzindo no entanto as grafias aragonesas deste testemunho. Ainda assim, B está em sintonia com A, muito embora não seja uma cópia direta415. Reproduzindo integralmente a matéria

presente em B, C é comprovadamente uma cópia quinhentista desse testemunho416.

Outras considerações oferece D, que apenas reproduz os livros correspondentes ao Génesis. Em letra do século XIV, terá sido redigido por dois copistas, contendo ainda uma abundante marginalia em letra posterior. O códice pergamináceo está redigido a uma coluna de 25 a 34 linhas. O tamanho dos fólios oscila, sendo mais curtos e estreitos os situados entre o fl. 65 e 90. Os títulos estão assinalados a vermelho, mas não é utilizada numeração nem caldeirões, sendo a decoração constituída por iniciais toscas a violeta e vermelho. Por conservar apenas o Génesis, apenas pode ser confrontado com A, B, E e F. Embora esteja em estreita relação com B, não pode ser uma cópia direta deste último porque por um lado é mais antigo, por outro D contém leituras exclusivas e B reproduz opções de A ausentes em D417. Tanto o manuscrito F como E, que já

abordámos, revelaram-se irrelevantes para o presente trabalho de colação com os fragmentos TT por transmitirem um estado anterior a A, versão mais próxima dos fragmentos.

Contendo a quase totalidade do livro do Êxodo, G e G’ apenas encontram paralelo com H, que também começa no Êxodo mas chega a atingir o final da primeira parte. Os dois testemunhos pertenciam a um mesmo códice em pergaminho e papel, escrito a duas colinas de 39 a 40 linhas, com caldeirões vermelhos e azuis, em escrita aragonesa clara e regular do século XV. As suas

415 SOLALINDE (1930: xxviii-xxx).

416 A descrição mais detalhada encontra-se em SOLALINDE (1930: xxx-xxxii). 417 SOLALINDE (1930: xxxii-xxxiii).

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características gráficas são afins do manuscrito escurialense I.I.8, que preserva uma Bíblia romanceada418.

O manuscrito H, por ter pertencido ao Marquês de Santillana, datará de antes de 1458, ano da morte do seu mandatário e proprietário. Redigido a duas colunas de 36 a 45 linhas sobre pergaminho e papel, com títulos a vermelho, é um códice refinadamente decorado419.

Através de uma análise exaustiva, Solalinde conclui que F, A e um antígrafo corrigido de que B e D seriam cópias descuidadas, designado como ω, derivariam de um mesmo manuscrito originário da câmara régia. Esta perspetiva foi descartada por Sánchez-Prieto Borja que assinala que o antígrafo de B e D não tem que necessariamente corrigir o original, podendo apenas corrigir A, uma vez que as variações não são suficientemente relevantes para postular um terceiro ramo. Se em 2001420 e 2002421 fora posta a hipótese de A ser uma cópia de uma

correção do original (cópia essa paralela a F), atualmente o editor da primeira parte da GE considera que os processos de censura de que A dá conta poderão ter ocorrido imediatamente em A, sendo assim desnecessário postular uma versão intermédia422. Assim, e de acordo com Pedro Sánchez-Prieto, pelo menos

para a primeira metade da GE, aponta-se esta relação:

418 SOLALINDE (1930: xxxvi-xxxviii). 419 SOLALINDE (1930: xxxviii-xli). 420 SÁNCHEZ-PRIETO BORJA (2001). 421 FERNÁNDEZ-ORDÓÑEZ (2002).

Mariana Soares da Cunha Leite

Este stemma deixa contudo de fora os testemunhos que apenas incluem a metade final da primeira parte: G, G’ e H. De facto, já Solalinde, que procura avançar com uma hipótese de sistematização das relações destes manuscritos mais problemáticos, dá conta da fragilidade da sua proposta423. Tendo em conta

que G e H apenas transmitem a segunda metade da primeira parte, os dois únicos testemunhos com os quais se podem confrontar os manuscritos são os que incluem toda a primeira parte: A e B. Confrontando os quatro testemunhos, constata-se que A e G se podem agrupar contra B e H, sendo que todavia são detetadas ocorrências em que A e B se afastam de G e H ou em que A coincide com H e B com G. De acordo com o investigador espanhol, estas oscilações são incipientes, pelo que se torna possível avançar com o seguinte stemma:

Pedro Sánchez-Prieto abandona qualquer tentativa de integração de G e H num stemma precisamente pela consciência do caráter inseguro desta proposta.

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2.3. A tradução da primeira parte: os fragmentos da Torre do

No documento A General Estória de Afonso X em Portugal (páginas 150-155)