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O testemunho galego-português (O-I-1 RBME): algumas considerações

No documento A General Estória de Afonso X em Portugal (páginas 141-150)

II. A tradução da primeira parte

2.1. O testemunho galego-português (O-I-1 RBME): algumas considerações

Ao debruçarmo-nos sobre a receção da GE em Portugal torna-se necessário tecer algumas considerações breves sobre a primeira iniciativa de tradução da história universal alfonsina para a língua falada no extremo ocidente da península, o galego-português.

Esta primeira versão da GE para galego-português compreende apenas os primeiros sete livros da primeira parte da obra alfonsina. Conserva-se num manuscrito preservado na Biblioteca del Real Monasterio de San Lorenzo del Escorial, sob a cota O.I.1, designado normalmente pela crítica como testemunho F. Datado dos primeiros anos do século XIV, ou eventualmente ainda dos finais do século anterior, é descrito cuidadosamente por António Solalinde aquando da sua edição da primeira parte da GE: consiste num manuscrito pergamináceo que se estende por 153 fólios, redigido a duas colunas em letra gótica cursiva377. Mais

tarde, em 1963, o editor do manuscrito, Ramón Martínez-Lopez, dá conta da semelhança da letra de F com a escrita praticada sob o reinado de Afonso XI de Castela, concluindo que existe um documento em particular, datado de 1302, cuja semelhança paleográfica com F é notável378.

Aquando da edição da primeira parte da GE, António Solalinde379

considera F uma tradução feita a partir do arquétipo à qual foram acrescentados alguns elementos que explicitam a narrativa. A par de A, F estaria ao mesmo nível que o texto produzido pela própria corte régia, podendo, apesar do seu caráter de versão noutra língua, servir para a reconstituição do arquétipo. Mais tarde, refletindo sobre os fenómenos que decorrem da transmissão de textos, Diego Catalán380 dá conta de que, na verdade, a matéria presente em F e ausente em A

é constituída pelos elementos que a versão chancelada pela corte (A) optou por censurar. Ou seja, quando foi elaborada a tradução, não se recorreu à versão definitiva que o manuscrito régio transmite mas sim ao rascunho, arquétipo de

377 SOLALINDE (1930: XXXV-XXXVI).

378 Trata-se de uma cópia da Primeira Partida que o A. identifica no conjunto de ilustrações do álbum de paleografia de MILLARES (1932): veja-se a nota 2 de MARTÍNEZ-LOPEZ (1963:X).

379 SOLALINDE (1930: LXIV-LXIX).

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ambos, que ainda continha os tais elementos rasurados na versão definitiva. Tal hipótese encontrou sustentabilidade por fenómenos de censura idênticos encontrados em textos alfonsinos e levou mesmo a crítica a ponderar a hipótese de um estado redacional intermédio – o estado [O2]. Atualmente, este estado redacional não é identificado com um nó estemático mas sim visto como o processo mental subjacente à redação de A. Seja como for, dá-se conta, a partir de Diego Catalán, que F estará mais próximo do arquétipo do que o testemunho da corte alfonsina.

Além de dar conta de um estado redacional prévio ao de A, F foi ainda alvo de uma nova versão para castelhano, já no século XV. Trata-se do manuscrito RBME Y.III.12, redigido em letra gótica a duas colunas sobre papel. Este testemunho, denominado E, foi comprovadamente identificado como cópia em castelhano de F por António Solalinde381.

Sobre a origem ou meios onde se poderá ter produzido F pouco ou nada se sabe. Existem apontamentos, ao longo do manuscrito, aludindo a um Nuno Freire que, como cautelosamente aventa o editor de 1930, poderá muito bem ser o copista ou tradutor do texto, e não necessariamente quem o encomendou382.

É sempre em terrenos pantanosos que nos movemos quando procuramos determinar de onde provém um manuscrito. Salvo algumas raras e preciosas exceções que contêm anotações, datas e mesmo assinaturas que permitem identificar pelo menos uma origem, a generalidade dos testemunhos da GE, tal como sucede com a maioria dos manuscritos que transmitem obras de idêntica dimensão, estão por identificar quanto à sua origem ou motivação. Em torno de F existe o debate sobre a sua origem galega. Se inicialmente se chegou a ponderar mesmo que a GE teria sido redigida na língua das cantigas de Santa Maria, tese que não encontrou qualquer fundamento ou fortuna383, logo se compreendeu

que se estava, de facto, perante uma tradução cuja identificação linguística urgia fazer. A partir dos elementos ortográficos e traços dialetais que apontam para

381 A descrição e confirmação encontra-se em SOLALINDE (1930: XXXIII-XXXIV).

382 «Acaso este Nuno Freyre, que no he podido identificar, fué el autor de la traducción, aunque más probable es que se trate únicamente del copista», SOLALINDE (1930: p. XXXV).

383 MARTÍNEZ-LOPEZ (1963: XIV) cita as interrogações de AMADOR DE LOS RÍOS (1863: 605), que pondera precisamente a possibilidade de o romance ocidental ter sido a língua de redação primitiva da GE.

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uma variante setentrional do galego-português, passou a definir-se a tradução como sendo galega, procurando-se a partir daqui encontrar sustentabilidade histórica para os argumentos linguísticos384.

Sobre estes, é de facto relevante notar a sua proximidade com variantes gráficas e morfológicas do Norte da Galiza, mas tal não oferece total segurança para localizar a tradução nesta região. Com efeito, estas variações entre práticas de escrita que existem no Norte e as que vão surgindo sobretudo com a introdução de novas grafias e mesmo as influências dialetais do Sul, não são suficientes para afirmar que, ainda nos finais do século XIII ou inícios do XIV, o galego e o português são duas línguas distintas385. Na realidade, tal distinção é

anacrónica, uma vez que só no século XVI386 se pode dar conta da separação

definitiva entre as duas variantes da mesma língua e, ainda assim, deve notar-se que tais diferenças linguísticas foram sendo progressivas e que se fizeram notar sobretudo nos polos centrais do poder da Galiza e de Portugal, sendo muito mais esbatidas nas regiões próximas da fronteira política entre os dois territórios387.

Este ponto de partida permite-nos assim reapreciar F enquanto testemunho galego-português – a língua falada e escrita, embora com variações dialetais e ortográficas, em Portugal e na Galiza da época. Partindo desta designação linguística mais ampla, podem eliminar-se denominações de cariz

384 Veja-se sobretudo as considerações elaboradas nas introduções a edições por MARTINEZ-LOPEZ (1963) e LORENZO (1975), id. (1985).

385 Para este assunto encontra-se uma vasta bibliografia. Consulte-se, enquanto obra mais abrangente sobre a história do galego-português e suas relações com outras línguas peninsulares, BALDINGER (1972). Sobre o galego-português, veja-se LORENZO (1968), MARIÑO PAZ (2008) e também BARROS (2002), LORENZO (2002) e SOUTO CABO (2002).

386 Se atentarmos às diferentes cronologias que SILVA, R (2008) congrega no seu estudo, constata-se que os limites do português arcaico se encontram neste período. Também os historiadores da língua galega dão conta da entrada de quinhentos como um novo período da língua galega, já separada do galego- português. Veja-se MARIÑO PAZ (2008). O estudo clássico de TEYSSIER (1990) permanece fundamental e também fornece alguns elementos para reflexão, sublinhando as modificações que a variante meridional do galego-português sofre a partir do século XVI. Não podemos aqui fazer as distinções elaboradas aquando da análise do saltério de R, cujas variações ortográficas podem ser identificadas com práticas de escrita portuguesas, características da chancelaria de D. Afonso III.

387 MARTINS, A. M. (2007) dá conta precisamente da confluência de escritas inovadoras e conservadoras em território português ao longo do século XIII, o que indicia que, na realidade, não havendo uma ortografia padronizada, e tratando-se de uma língua comum, a confinação de grafias a um determinado

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territorial388 que apenas servem à confusão e em nada favorecem a análise

científica dos textos.

Existe uma certa tendência para fazer confluir a tradução da GE para galego-português com as versões de textos jurídicos alfonsinos na Galiza. No caso do Fuero Real, que teve, de ambos os lados da fronteira, traduções que chegaram à atualidade389, deve primeiro ter-se em consideração que as divergências entre

as versões produzidas em Portugal e na Galiza se prendem precisamente com diferenças jurídicas entre os dois reinos. A tradução de leis é por isso comum aos dois lados da fronteira, não parecendo haver um propósito ou circuito estritamente galego a verter para galego-português este género de texto já que idêntico processo ocorre em Portugal.

Outras interrogações mais pertinentes coloca a fortuna das Siete Partidas, de características mais filosóficas, que ultrapassam o género jurídico em que se inserem e surpreendem pela profusão de versões feitas tanto em território português como em território galego390. Porém, uma vez mais, dá-se conta de

que é um fenómeno comum, difundido pelos dois territórios, Galiza e Portugal, sem que se possa determinar um centro de produção literária. Do mesmo modo, a existência de uma tradução historiográfica como a Crónica de Castilla, cujas origens não estão claramente definidas391, oferece mais interrogações pertinentes

a acrescentar ao estudo dos processos de tradução do castelhano para galego- português em torno de 1300. Necessário seria, pois, proceder a uma análise tanto das circunstâncias políticas e históricas como dos movimentos culturais nos territórios em que se falavam ambas as línguas para poder trazer alguma luz sobre o assunto.

388 Veja-se o exemplo mais notório da poesia trovadoresca, produzida em galego-português, que começa por surgir em meios linguisticamente distantes da faixa onde essa língua era falada. Veja-se MIRANDA (2004) e OLIVEIRA (2001), neste último em especial o capítulo «Os trovadores na corte de Afonso X» (pp. 113-122.

389 Veja-se PIMENTA (1946), CRUZ (1974) e AFONSO X (ed. 1987). Sobre outras obras de caráter jurídico traduzidas em Portugal, consultar MERÊA (2001).

390 Têm sido encontrados cada vez mais fragmentos de traduções das Siete Partidas, conforme se pode avaliar pelas novas entradas em BITAGAP. Poder-se-á ver também FERREIRA, J. (1980) e id. (1980a) e CINTRA (1999), que oferece também informações sobre fragmentos das Partidas encontrados na Galiza. 391 O problema da tradução da Crónica General e da Cronica de Castilla, e especialmente os problemas colocados pela sua transmissão textual, são alvo de debate alargado. Veja-se LORENZO (1975) e, mais recentemente, ROCHEWERT-ZUILI (2010). Além das edições, recomenda-se a leitura dos estudos de CATALÁN (1962) e os estudos compilados em MARTIN (2000).

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Trazendo de novo a debate o texto em si, não é de todo insignificante o facto de F ser uma tradução feita a partir de um rascunho, existindo uma versão régia também com várias cópias. Tal elemento tem relevância se tivermos em conta que o acesso a um rascunho aponta para uma proximidade bastante grande do meio em que se produziu a obra. Sendo possível, mas mais improvável, a circulação de um rascunho de Castela para um qualquer meio cultural desconhecido na Galiza, afigura-se como mais compreensível que o contacto com o rascunho que originou F se tenha dado em meios mais próximos da corte régia castelhana. Como afirma Luís Lindley Cintra, «A tradução para a língua do Ocidente da Crónica Geral de Espanha – do mesmo modo que a da General

Estoria, redigida, tal como aparece no códice conservado no Escorial, numa

linguagem perfeitamente idêntica à dos manuscritos da Variante – foi quase seguramente feita por tradutores galegos que provavelmente trabalhavam dentro das fronteiras do reino de Castela e Leão.»392.

Em idêntico sentido, embora a propósito da já brevemente referida

Cronica de Castilla, vão as palavras de José Carlos Miranda, que alerta para o

facto de poder haver uma disparidade entre língua e hábitos de escrita e os meios de produção dos manuscritos: «Esse trajecto galego e ainda o facto, incontroverso, de o texto apresentar maioritariamente características de uma escrita galega não podem, por si só, levar a concluir que o texto foi escrito em meios galegos (...). Ora, a solução mais óbvia é a de que esta crónica terá, com toda a probabilidade, sido traduzida e copiada no scriptorium da corte castelhana por copistas galego-portugueses (com hábitos de escrita galegos), a pedido de alguém interessado em obter uma versão nesta língua.»393

392 CINTRA (2009: CCCXXVII-CCCXXVIII). Nestas duas páginas que Luís Lindley Cintra reserva ao testemunho F, no estudo introdutório à edição da Crónica Geral de Espanha de 1344, deve ainda sublinhar- se a atenção que o investigador reserva às considerações sobre as origens da tradução galego-portuguesa, dando conta da teoria de que a tradução da General Estoria poderia ser iniciativa de D. Dinis – apud SANTOS (1806). Tal como Cintra, recusamos essa possibilidade. Não deixamos, porém, de notar o desinteresse que o Conde D. Pedro de Barcelos, leitor tão ativo da obra do seu bisavô, demonstra pela história universal de Afonso X. Este elemento permite-nos constatar que, de fato, é altamente provavel que o manuscrito CXXV 2-3 BPE, de que já tratámos, tenha permanecido na cidade alentejana desde que chegou a Portugal, sem ter despertado curiosidade – pelo menos, que se possa confirmar – no Conde de Barcelos.

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Se atentarmos aos últimos anos da vida de Afonso X, talvez alguns dados permitam, senão iluminar, pelo menos delinear algumas das sombras difusas que envolvem a feitura do manuscrito F. Desde o início da guerra civil travada com o seu filho, o futuro Sancho IV, até à sua morte, Afonso X permanecerá exilado em Sevilha, junto de alguns servidores que ainda lhe prestavam fidelidade e pontualmente visitado pela filha Beatriz que poderia fazer-se acompanhar de Branca394, irmã mais velha do seu neto Dinis. Por outro lado, a circulação de

nobres galegos e portugueses395 em Castela prossegue nos reinados posteriores,

tal como ocorrera em períodos anteriores, especialmente em períodos de conflito interno nos territórios de origem396. Embora tenha sido na corte do rei

Sábio que o galego-português floresceu como língua literária sob a forma das cantigas, não é despicienda a presença constante de nobreza falante desta língua em torno dos monarcas seguintes397.

Procura-se por vezes uma identificação entre o Nuno Freire referido nas anotações ao manuscrito e os condes de Andrade. É verdade que é por via desta família, a quem se deve a tradução da Crónica Troiana, que se assiste ao pulsar de uma cultura nobiliárquica forte, de grande relevância intelectual e literária na Galiza. Todavia, apenas na segunda metade do século XIV, e sobretudo no último quartel deste século398, é que se pode afirmar o poderio cultural e económico dos

394 Sobre a vida de Branca de Portugal, de quem já falámos, veja-se SAGREDO FERNANDEZ (1973) e SÁNCHEZ MOGUEL (1894).

395 Para obter informações sobre famílias nobres galegas, sugere-se a leitura de PARDO GUEVARA Y VALDÉS (2000). Um estudo de caso interessante pode ser consultado em CORREA ARIAS (2003), especialmente pp. 58-64. O estudo de PIZARRO (1997) sobre as ligações nobiliárquicas portuguesas para esta cronologia revela-se pertinente para a compreensão dos relacionamentos entre famílias nobres portuguesas e destas com a coroa e famílias de outras origens.

396 Para a história conturbada deste período em Portugal e Castela, recomenda-se não só a leitura das biografias dos reis de Portugal e Castela – PIZARRO (2006), SOUSA, B. V. (2006), VENTURA (2006) e BALLESTEROS BERETTA (1963) como ainda a de KRUS (1994), MATTOSO (1985), id. (2000), id. (2001), id. (2001a) e id. (2001b). Uma perspetiva interessante pode ainda ser encontrada em DIAS, N. P. (1998), MOXÓ (1975), PARDO DE GUEVARA Y VALDÉS (1987) e VENTURA (1992) e id. (1999).

397 Interessam para este assunto os artigos de DAVID (1986) e id. (1989), DAVID e PIZZARO (1986). Também se encontram informações sobre as relações entre a nobreza portuguesa e a corte castelhana, especialmente de uma perspetiva cultural, em OLIVEIRA (1990), MUSSONS (1996) e MIRANDA (1998). 398 Aliás, não é também dispiciendo o facto de que só no final do século XIV surja uma obra produzida na Galiza e para meios galegos, os Miragres de Santiago, onde finalmente ocorre a expressão «linguagem galego», claramente no sentido de marcação identitária, tal como ocorrera para a Crónica Geral de

Espanha de 1344 com a identificação de uma «linguagem de Portugal». Sobre as denominações

linguísticas, veja-se SILVA DOMINGUEZ (1998); interessa ainda a consulta das duas edições dos MIRAGRES

DE SANTIAGO (ed. 1958) e id. (ed. 2004), acompanhadas de estudos introdutórios dos editores,

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Freire de Andrade. Na verdade, à data em que o manuscrito F terá sido feito, o senhorio de Andrade era ainda um pequeno domínio galego, sem quaisquer vestígios de produção cultural e sem os grandes meios económicos que tal produção acarreta399.

Poder-se-ia apontar, por outro lado, o cabido de Santiago de Compostela como meio cultural efetivamente forte e relevante para executar a tradução. Contudo, não parece provável que na sé compostelana houvesse interesse em traduzir do castelhano uma versão historiada da Bíblia, quando não só se teria acesso direto às fontes latinas como também a própria versão que foi traduzida contém detalhes eventualmente incómodos para os leitores da época, que mesmo os redatores da versão régia tiveram por bem omitir. Além disso, as relações entre Afonso X e a sé de Santiago foram bastante conflituosas, nomeadamente pela oposição episcopal à candidatura do rei ao Sacro-Império Romano Germânico. Finalmente, não são conhecidos, para a cronologia em questão, textos do mesmo género traduzidos neste âmbito.

A tradução terá assim surgido em meios galego-portugueses, não necessariamente confinados geograficamente aos territórios de Portugal e da Galiza400, que tinham esta língua como meio de comunicação comum. Por outro

lado, não pode deixar de ser equacionada a proximidade até surpreendente com a versão mais arcaica da primeira parte da GE. De facto, o acesso a uma versão mais antiga da obra idealizada por Afonso X sugere a proximidade dos meios tradutores com a corte deste rei castelhano401. Na partida para Sevilha, Afonso X

399 Interessam as reflexões de GARCIA ORO (1981), que nos alerta para a pequena dimensão do poder dos condes de Andrade nos finais do século XIII e princípio do século seguinte, sendo apenas com Rui Freire de Andrade (+1362), pai de Fernão Peres, que encomenda a tradução da Crónica Troiana, que a linhagem começa verdadeiramente a ganhar relevo.

400 Sobre a necessidade da existência prévia de um ambiente económica e culturalmente desenvolvido para a produção literária, especialmente em vulgar, leia-se MONTEAGUDO (2007: 275-312).

401 Consoante se verá adiante, na colação do fragmento 32 da Torre do Tombo com os testemunhos castelhanos, é significativo que o tradutor desta versão opte por «cabeça» para traduzir «monarco», termo desconhecido em galego-português, apenas presente, de acordo com o Corpus do português, na tradução da GE preservada em F. Trata-se, portanto, de uma leitura/ tradução tendencialmente castelhanizante, que prefere integrar o termo da língua de partida, inteligível para os destinatários da tradução, do que encontrar um outro, mais conforme aos hábitos linguísticos do galego-português do século XIV. De facto, após a consulta do Corpus del Español, disponível online, verificámos que a terminologia «monarco» / «monarca» é exclusiva da GE, o que não deixa de ser interessante, pois pode levantar dúvidas sobre o facto de o tradutor realmente compreender o termo. Porém, quando fragmentos da Torre do Tombo, que não se dirigem a um público que circule em meios castelhanos, demonstram não reconhecer no termo

Mariana Soares da Cunha Leite

apenas pôde levar alguns dos textos cuja feitura ordenara, muitos dos quais em fases redaccionais distintas e, por isso, anteriores a versões concluídas e revistas pelo monarca402. É possível, embora não seja, definitivamente, mais do que uma

hipótese a considerar, que um fenómeno semelhante ao que ocorreu com a

Estoria de España tenha sucedido com a versão galego-portuguesa da GE.

Reunidos em torno do rei Sábio, e permanecendo em Castela posteriormente, elementos da nobreza provindos do Ocidente peninsular, falantes do galego-português, terão tido acesso a um rascunho do qual se serviram para, no início do século XIV, proceder à tradução para a sua língua. Tendo esta possibilidade em mente, já não causaria tanta estranheza que, ao elaborar-se uma tradução da General Estoria para galego-português, se tenha recorrido não ao manuscrito mais fidedigno – o A – mas sim a um rascunho. Este rascunho poderá perfeitamente ter ficado em mãos do séquito de Afonso X, tendo permanecido em meios galego-portugueses estabelecidos em Castela – muito provavelmente, os que permanecem junto da corte régia após 1284403.

É evidente que se deve ponderar sempre a contínua circulação de pessoas e textos durante o tempo. A hipótese de ter sido em circuitos galego-portugueses próximos da corte de Castela que se fez a tradução vê-se reforçada por dois aspetos que permitem compreender porque é que a versão transmitida por F não se reflete nos textos que recorrem à GE produzidos na Galiza ou em Portugal. Primeiramente, um outro testemunho da receção galega da GE não se coaduna

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