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1. Orientação teórico-metodológica

Com o objetivo de analisar representações de professoras-alfabetizadoras de camponeses quilombolas jovens e adultos sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo relação com o contexto sociocultural, sua formação docente e suas práticas pedagógicas, procurei fundamentar este estudo numa abordagem crítico-dialética. Para isso, consultei trabalhos de diversas áreas de conhecimento relacionadas aos temas abordados, mais especificamente, das áreas de filosofia, sociologia, antropologia, história e educação.

Na análise das representações das professoras, dei prioridade ao pensamento de Henri Lefebvre, escolhendo, como referências básicas, duas de suas obras (LEFEBVRE, 1991, 2006). Consultei, também, estudos de Sônia Penin (PENIN, 1989, 1994) e de outros autores (ALMEIDA NETO, 2002; CARDOSO, 2007) fundamentados em Lefebvre.

Segundo Lefebvre (2006), as representações são o intermédio entre o vivido (ações) e o concebido (ideias), é o terceiro termo que se interpõe entre os outros dois. Desse modo, o fenômeno ou o objeto representado pelo sujeito cognoscente está, ao mesmo tempo, presente e ausente na representação, ou seja, o representado está presente em sua própria ausência. Porém, as representações podem, por meio de deslocamentos e manipulações, substituir o representado.

Para que se compreendam as representações dos sujeitos sobre a realidade é necessário conhecer sua vida cotidiana. É nesse espaço que os sujeitos constroem suas representações, com dados provenientes de suas vivências pessoais e de seu grupo social, associados às concepções que formulam sobre as questões que buscam conhecer.

As representações são, segundo essa concepção, um nível de conhecimento que, ao serem construídas por sujeitos movidos pela curiosidade e o desejo de explicar e compreender a realidade, podem conter tanto o germe da manutenção, quanto o da transformação.

Por isso, Lefebvre adverte sobre a necessidade de se distinguir representação de ideologia, concebida como falseamento da realidade, esclarecendo que “... as representações não são nem falsas nem verdadeiras, senão, ao mesmo tempo, falsas e verdadeiras:

verdadeiras como respostas a problemas ‘reais’ e, falsas, como dissimuladoras das finalidades ‘reais’ (LEFEBVRE, 2006, p. 68, tradução minha)”.

Assim, somente uma análise rigorosa da origem e desenvolvimento das representações possibilitará o desvelamento de sua natureza, de seu poder e de seus efeitos sobre as ações dos sujeitos que as constroem.

Segundo essa concepção, me parece possível inferir que as representações construídas pelos professores sobre o analfabetismo, mantendo interface com a alfabetização, podem ser simultaneamente falsas (ao dissimularem ou ocultarem fatores que contribuem para o analfabetismo) e verdadeiras (na medida em que busquem explicações, justificativas e prováveis meios para compreender e resolver o analfabetismo, um problema real).

Portanto, suponho que as representações das professoras-alfabetizadoras de Muquém sobre analfabetismo e alfabetização, construídas com dados de suas vivências pessoais e de seu grupo social, associadas às concepções que elaboram sobre as questões que representam, explicam, justificam, esclarecerem, ocultam e dissimulam a realidade, tanto encerram possibilidades de manutenção, quanto apontam perspectivas de mudança.

2. Desenvolvimento da pesquisa de campo

A pesquisa de campo deste estudo foi desenvolvida em duas fases. Na primeira, fiz uma delimitação geral do campo mais amplo da pesquisa, compreendendo o município de União dos Palmares. Na segunda fase, instalei-me na comunidade de Muquém, onde realizei a investigação etnográfica.

A primeira fase foi iniciada em fevereiro de 2010, quando fiz os primeiros contatos com autoridades e funcionários da Secretaria Municipal de Educação. Por meio de audiências e conversas informais, entrevistas20, questionário21 e consulta em documentos, obtive dados sobre o atendimento escolar aos jovens e adultos no sistema municipal de educação e sobre o Programa Brasil Alfabetizado (PBA)22.

20 Cf. Apêndice A– Roteiro de entrevistas com a gestora local do PBA e Apêndice B - Roteiro de entrevista com

as coordenadoras de turma do PBA.

21 Cf. Apêndice C - Questionário aplicado à Coordenadora de EJA do Município de União dos Palmares.

22 Esses dados foram complementados com informações obtidas com professores, por meio de entrevistas e

Algumas dificuldades foram enfrentadas nos primeiros contatos, decorrentes de mudanças na equipe dirigente da secretaria de educação, que retardaram as visitas em, aproximadamente, uma semana. Entretanto, dispus do acompanhamento de coordenadoras do PBA e de transporte motorizado na realização das referidas visitas.

As visitas às áreas rurais deram continuidade à primeira fase, após aceitação, por parte das autoridades educacionais do Município, da realização da pesquisa.

Visitei 18 classes de alfabetização de jovens e adultos, situadas em variados espaços rurais: no único distrito do município, em duas fazendas de plantio de cana-de-açúcar e criação de gado, em dois sítios de camponeses e num povoado quilombola. Essas visitas me proporcionaram uma visão geral do contexto e do atendimento escolar à população do campo, conforme a descrição constante do relatório de visita23.

A maioria dessas visitas ocorreu no período noturno, no horário de funcionamento das classes. Excetuou-se o distrito rural, onde fiz três visitas, duas delas iniciadas no período diurno e que se estenderam até à noite, quando, além de uma classe diurna, visitei outras classes noturnas e entrevistei professores. O mesmo ocorreu na visita aos sítios que, além de se localizarem distantes da cidade, eram de difícil acesso. Nesses, comecei pela visita noturna às duas classes existentes naquela localidade, onde pernoitei e, no dia seguinte, entrevistei os dois professores.

Nas classes visitadas, observei: as instalações físicas (condições de funcionamento das salas de aula), os alfabetizandos (número, idade, sexo, e outros) e os professores (opiniões sobre o trabalho, material didático, e outros). Observei, também, o ambiente físico (condições de acesso; equipamentos públicos, meios de comunicação, meios de vida dos moradores, entre outros).

Complementando o reconhecimento do campo de pesquisa, por meio de entrevista semiestruturada, entrevistei dez professores, escolhidos, aleatoriamente, entre os dezoito das classes visitadas. Essas entrevistas me permitiram obter um conhecimento geral sobre os professores que assumem a docência nas classes de alfabetização de jovens e adultos24.

Tomando como foco da investigação o objetivo geral definido para este estudo, parti das questões seguintes para elaborar o roteiro usado nas entrevistas semiestruturadas25, realizadas com os professores:

23 Cf. Apêndice D - Relatório de visitas a classes de alfabetização de jovens e adultos em áreas rurais do

município de União dos Palmares - AL.

24 Cf. Apêndice E - Caracterização dos professores entrevistados.

 O que os professores entendem por analfabetismo?  A que atribuem o analfabetismo?

 Veem repercussões do analfabetismo na vida das pessoas e da sociedade?  O que entendem por alfabetização?

 Como agem em sala de aula na prática de alfabetização?

Para coletar informações sobre escolaridade, formação e experiência profissional dos professores, entre outras, fiz uso de um formulário26.

A 2ª fase da pesquisa foi iniciada na segunda quinzena do mês de março (2010), após a conclusão da primeira fase, com a elaboração de relatórios, escolha da comunidade para a pesquisa etnográfica e realização de novos contatos em função dessa nova fase.

Escolhida a comunidade quilombola de Muquém, onde me instalei. Hospedei-me na residência de uma família nativa pelo tempo total de três semanas, em períodos diferentes.

Durante minha convivência com a comunidade, observei sua vida cotidiana e participei de algumas atividades, realizei entrevistas e conversas informais com lideranças comunitárias, artesãos, jovens e outras pessoas, com a finalidade de obter informações sobre o contexto socioeconômico, político e cultural da comunidade.

Para conhecer a prática docente das professoras de Muquém, realizei observações em duas classes de alfabetização de jovens e adultos, que funcionaram, initerruptamente, durante o desenvolvimento da pesquisa. As observações totalizaram dez horas em cada classe.

Quando fiz a primeira visita ao Muquém havia três classes, porém, uma foi desativada pela coordenação do Programa, em decorrência do número insuficiente de alfabetizandos. Por esse motivo, essa classe não foi incluída na pesquisa.

Selecionei, para observar a prática das professoras, os seguintes aspectos: composição da classe (número de alfabetizandos, idade, sexo e outras características), assuntos e conteúdos da aula, procedimentos pedagógicos, interação dos alfabetizandos com as atividades pedagógicas, relacionamento entre professora e alfabetizandos, conversas dos alfabetizandos durante a aula, outros.

Em momentos alternados com minha estada em Muquém, procurei ampliar o conhecimento do contexto local e obter novos dados, vivenciando o cotidiano da cidade de União dos Palmares, por meio de visitas a órgãos públicos (Secretaria de Educação, Secretaria de Cultura, representação da Fundação Palmares, unidade do IBGE), ao Parque Memorial

Quilombo dos Palmares na Serra da Barriga, ao museu Casa Jorge de Lima, onde estão sendo depositados os achados das escavações arqueológicas na Serra da Barriga, à igreja matriz da cidade, à estação ferroviária e ao mercado de artesanato. Realizei compras em feiras de rua, mercados públicos, lojas e em outros estabelecimentos comerciais; utilizei serviços bancários e frequentei restaurantes e salões de beleza da cidade.

O registro dos dados da pesquisa foi feito em cadernos de campo, fotografias e vídeos, os quais serviram de base para a elaboração dos relatórios e desta tese na sua totalidade.

Na citação das falas das pessoas entrevistadas, procurei manter a linguagem por elas utilizada, efetuando o mínimo de correção ortográfica e gramatical, quando entendi que isso facilitaria a compreensão de seus depoimentos. Entretanto, para preservar a identidade das pessoas citadas, adotei pseudônimos. A divulgação das fotos que ilustram este trabalho foi devidamente autorizada pelas pessoas fotografadas ou seus responsáveis.