• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-

1. Professora Anita

1.1 Dados biográficos da professora

A professora Anita é uma jovem negra, franzina e de baixa estatura física. Na época dessa pesquisa, estava com 28 anos de idade, era solteira e morava com os pais no Muquém. Tinha o curso normal de nível médio concluído e, havia dois anos, estava assumindo a docência numa classe infantil multisseriada, de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, por meio

de um contrato temporário com a Prefeitura de União dos Palmares. Era remunerada com um salário mínimo mensal48, por quatro horas diárias de trabalho.

Em novembro do ano anterior (2009), assumiu, pela primeira vez, uma classe de alfabetização de jovens e adultos, pelo Programa Brasil Alfabetizado. Por esse segundo trabalho recebia uma bolsa no valor equivalente a meio salário mínimo mensal, como alfabetizador voluntário49 sem vínculo empregatício. Antes de atuar na área de educação, além de tarefas domésticas na residência dos pais, havia trabalhado no corte de cana e com vendas de produtos diversos, em sua própria residência e numa lanchonete da cidade.

No início do período de convivência com a professora Anita, ela me pareceu uma moça tímida, que se expressava com reservas, especialmente sobre seu trabalho. Mas, com o passar do tempo, mesmo mantendo uma postura contida, ela foi se revelando uma pessoa comunicativa. Tanto nas entrevistas, quanto nas conversas informais, aparentava estar à vontade, falava com desenvoltura e fartamente sobre quaisquer questões que lhe fossem propostas. Demonstrava senso de responsabilidade em relação à atividade docente que desempenhava. Nos momentos em que permaneci em sua classe, observando suas aulas, pareceu-me que ela mantinha um comportamento que lhe era habitual: calma e atenciosa com os alunos, organizada e segura na exposição e orientação das atividades didáticas. Não percebi que se incomodava com minha presença.

A família50 dela, como quase todas as famílias do Muquém, vive em condições financeiras muito escassas. Mantém-se com os rendimentos do trabalho dos homens, jovens e adultos, provenientes de atividades agrícolas, especialmente, no corte de cana-de-açúcar em usinas e fazendas do próprio estado de Alagoas, mas, principalmente, de outras regiões do país. Além do trabalho das duas filhas mais jovens, na área de educação, as mulheres contribuem para o sustento da família com o desempenho de atividades temporárias: cultivo de roça, pesca no rio que corta o povoado e criação de pequenos animais para consumo doméstico, entre outras.

Para caracterizar com mais precisão as condições de vida de sua família, Anita relata a situação de sua mãe que, aos 10 anos de idade, perdeu a mãe, que “morreu de parto” do 11º filho. Desde então, sua mãe teve que cuidar dos dez irmãos mais novos até os 24 anos de idade, quando se casou com o pai de Anita, um homem, também, muito pobre. Exemplifica a

48 O valor do salário mínimo no ano de 2010 era de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais). 49 Denominação do professor-alfabetizador no Programa Brasil Alfabetizado.

50 Na comunidade de Muquém, a família compreende a família ampliada que inclui os pais, os filhos solteiros,

os filhos casados, netos, bisnetos, etc. Essa compreensão reflete-se num sentimento comunitário que une todos numa grande família, desde sua origem secular.

pobreza da mãe, relacionando-a com a impossibilidade de estudar: “[...] ela nunca pôde estudar, por isso ficou analfabeta”. Destaca, ainda, com muita ênfase, o fato de a mãe, “até a juventude, nunca ter podido comprar uma roupa nova”.

Essas questões parecem marcar fortemente a visão de Anita a respeito das condições de vida, não só de sua família, mas de toda a comunidade de Muquém. Refletindo sobre sua própria situação, ela afirma que estudou com muita dificuldade até concluir o curso normal médio. Em sua fala, destaca, enfaticamente, a questão da roupa:

Quando eu iniciei a escola eram duas roupas para passar uma semana. Não tinha condições de ter outra roupa. Quando eu fiz a 5ª série, minha mãe me deu um peru que eu criei até ele ficar bonitinho e vendi para comprar uma roupa. Eu andei dois meses com uma roupa só, até conseguir comprar outra. Chegava da escola (gastava uma hora e meia quando vinha cansada), lavava a roupa e vestia no outro dia essa mesma [roupa]. Tinha uma de vestir em casa, bem velhinha.

Suponho que, na compreensão da professora, a sociedade constitui-se de pessoas ricas e pobres, brancas e negras, boas e más. Essa divisão aparece em sua fala como um fato

natural e, como tal, seu sentimento em relação a essa realidade é de lamentação. Em nenhum

momento, ela expressou alguma crítica, contestação ou intenção de combate a essa situação. As pessoas podem mudar suas condições de vida, mas com muito esforço, sorte e ajuda divina.

A sua formação docente foi realizada no Curso Normal de nível médio, onde ela aprendeu apenas a “ensinar a crianças”. Não se recorda de ter ouvido falar, nesse curso, em educação de jovens e adultos.

Quando assumiu a classe de alfabetização de jovens e adultos no Muquém, já trabalhava com uma classe de crianças na escola municipal. Com o tempo, foi entendendo que deveria tratar os adultos, em sala de aula, diferentemente do modo como tratava as crianças, porque “Se falar com eles dando ordem, repreendendo, contrariando, eles abandonam a classe”.

Segundo seu entendimento, os encontros de formação e o acompanhamento pedagógico do PBA ajudam pouco no seu trabalho em sala de aula, na alfabetização dos jovens e adultos. Do mesmo modo, considera o livro didático do programa “muito adiantado”. Para usá-lo, ela adapta as atividades a fim de “alcançar o nível dos alunos”51.