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CAPÍTULO 4 REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-

1. Professora Anita

1.4 Representações sobre analfabetismo

As entrevistas com a professora Anita foram intermediadas com as observações em sua classe de alfabetização de adultos. Tive oportunidade, ainda, de observar uma aula na sua classe multisseriada, de crianças de 1ª a 4ª série, que funcionava à tarde, na mesma sala de aula onde, à noite, funcionava a classe de alfabetização de jovens e adultos.

Assim, foi possível, na identificação e análise das representações da professora sobre analfabetismo e alfabetização, observar, na sua constituição, o cruzamento de sua vivência com sua interpretação da prática vivida. Ou, tomando como fundamento o pensamento de Lefebvre (2006), identificar, na construção das representações da professora sobre os fenômenos estudados, a intermediação entre o vivido e o concebido.

Esse procedimento metodológico me possibilitou, também, observar as repercussões das representações da professora sobre sua prática alfabetizadora, conforme a descrição que fiz da última aula que observei em sua classe de alfabetização de jovens e adultos53.

Assim, comecei a investigar a concepção de analfabetismo e alfabetização da professora Anita por meio de uma entrevista, pedindo para ela falar sobre analfabetismo: o que ela conhecia e entendia sobre o assunto e se o considerava um problema54. Sua reação inicial foi reticente. Ficou um pouco em silêncio, depois começou a falar, afirmando ser

53 Cf. Apêndice H - Uma aula da professora Anita.

54 Foram realizadas duas entrevistas semiestruturadas com a Professora Anita, além de conversas informais e de

“muito alta a taxa de analfabetismo na comunidade de Muquém”, atribuindo-a aos próprios adultos que “não querem estudar”:

A taxa de analfabetismo aqui é muito alta. Quando vem projeto pra cá, eles [analfabetos] nunca querem estudar; ficam dois ou três meses e param, aí não aprenderam nada. Quando um consegue ser alfabetizado é uma benção! Se todos viessem, aqui não teria pessoas que não são alfabetizadas, todo mundo saberia de algo. Pelo menos, assinar seu nome, porque tem uma quantia muito alta [de pessoas analfabetas]. Tem até adolescente que não é alfabetizado.

A professora Anita repetiu várias vezes que “a taxa de analfabetismo é muito alta” referindo-se, também, ao Estado de Alagoas e ao Brasil, porém, ela usa o termo “taxa” como sinônimo de quantidade de pessoas.

Do mesmo modo, continuou repetindo que “os adultos não querem estudar”, razão pela qual continuam analfabetos, aumentando as taxas de analfabetismo. Entretanto, em algumas falas, ela procura justificar o comportamento dos adultos idosos, afirmando que “eles não querem estudar porque acham que não conseguem mais aprender”. Ela refuta essa crença, afirmando: “[...] mas eles aprendem” e dá, como exemplo, sua mãe que, na época da pesquisa, frequentava a classe de alfabetização sob sua direção pedagógica:

Eu tenho o exemplo de minha mãe, que nunca pegou num lápis e, hoje, ela consegue ler umas palavrinhas! Ela consegue movimentar a mão direita! Ela está na etapa de cobrir, mas ela ainda não tira do quadro, mas se fizer uma pergunta para ela, ela responde, mas ela não vai saber passar para o caderno. Ela conhece números, mas aí [se mostrar os numerais no quadro], ela não vai falar se conhece ou não, ela fica naquela dúvida...

Este discurso, construído com referências da prática da professora em sala de aula, além da intenção de mostrar sua crença na capacidade de aprendizagem dos adultos, revela uma compreensão sobre a relação entre processos sistematizados de aprendizagem e saber popular: “Ela conhece números, mas aí [se mostrar os numerais no quadro], ela não vai falar se conhece ou não, ela fica naquela dúvida...”. Começa a revelar, também, uma concepção de alfabetização, por exemplo, nas afirmações sobre as habilidades da mãe: “Ela está na etapa de cobrir, mas ela ainda não tira do quadro [...]”.

Prosseguindo na busca de identificar as representações da professora sobre analfabetismo, perguntei se ela sabia o que era analfabetismo funcional. Após um instante em silêncio, ela falou com uma expressão de dúvida: “Funcional? Eu acho que é o analfabetismo

que não funciona”. Então me indagou: “É isso?” Eu lhe respondi: “Não será o contrário?” Ela: “Ah! É a alfabetização que não funciona”.

Esse entendimento vai aparecer em reflexões posteriores, nas quais a professora trata de dificuldades enfrentadas pelas pessoas que têm domínio limitado da leitura e da escrita.

Continuei instigando a professora a refletir mais sobre o que ela supunha que contribui para o analfabetismo. A pobreza, como causa do analfabetismo, é recorrente em seu discurso, porém, quase sempre, rivalizando com a falta de vontade das pessoas para estudar: “A maioria chega na velhice analfabeta porque teve uma vida de pobre e não tinha condições de ir para a escola, ou porque simplesmente não quis”.

Na perspectiva de compreensão das representações que a professora Anita construiu sobre o analfabetismo, convém ressaltar que, no depoimento acima, ela estabelece a relação entre a falta de condições para as pessoas frequentarem a escola e a pobreza.

Do mesmo modo, é importante assinalar que a professora Anita apoia seu discurso em situações e fatos de seu cotidiano, ocorridos, em sua maioria, com pessoas de sua família, vizinhos e alunos. Esse me parece ser um recurso usado como estatuto de verdade para confirmar suas crenças e suposições.

Em um trecho de outro depoimento, no qual a professora insiste na tese da pobreza como causa do analfabetismo, refletindo sobre a situação de sua família, ela cita a irmã mais nova: “Minha irmã está com 19 anos. Ela já não pegou mais esse ritmo de muita pobreza. Quando ela nasceu, já tínhamos umas coisinhas”. Aqui, ela aparenta abandonar ou, pelo menos, pôr em dúvida a tese do “querer”, concluindo: “Eu acho que é isso [a pobreza] que faz com que as pessoas fiquem adultas não alfabetizadas”.

Estendendo a reflexão ao conjunto da comunidade, a professora Anita continua atribuindo o analfabetismo aos mesmos fatores, porém, reforça a justificativa do “querer”, visto que a tese da “pobreza” parece tornar-se incompatível com a nova situação do Muquém após seu reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo que, na sua concepção, tornou “todo mundo bem rico”, possibilitando-lhes a frequência à escola:

Muita gente não tinha condições, era pobreza demais [no Muquém]! Mas, hoje, todos têm como ir pra uma escola. Só não vão os que não querem participar, não querem ir pra escola, mesmo que o professor mande. Hoje, todo mundo é bem rico (sic), graças a Deus! Hoje, nós temos ajuda de tudo quanto é lugar55.

55 A entrevistada refere-se às mudanças ocorridas no povoado de Muquém após a comunidade receber o

Entretanto, com o desenvolvimento das entrevistas, parece-me que a professora Anita vai pondo em dúvida a certeza na crença do “querer” das pessoas como fator que contribui para o analfabetismo, à medida que, além de experiências vividas, ela vai sacando da memória informações adquiridas, provavelmente, em leituras, conversas e outras fontes.

Ampliando o questionamento sobre possíveis causas do analfabetismo, perguntei à professora Anita porque os adultos abandonam as classes de alfabetização. Ela iniciou suas reflexões citando um problema vivenciado em sua classe que, embora se mostre contraditório com uma afirmação anterior: “[...] hoje, todos têm como ir pra uma escola; só não vão os que não querem participar, não querem ir pra escola [...]”, relaciona-se com a situação de pobreza da comunidade:

Algumas [mulheres] não querem [frequentar as aulas] para não deixar os filhos em casa sozinhos. Eu perdi cinco mães de família, todas com filho novo. Andou comigo [frequentou aula] três meses, depois não andou mais porque o menino toda noite ficava chorando e ela não podia trazer. Se pudesse trazer os filhos, deixar quietinhos no cantinho, trazer um brinquedinho e eles ficassem no canto brincando caladinho, aí ela vinha com eles.

Avançando na reflexão, a professora aponta outro problema relacionado à questão social, provocado pelo declínio da produção sucroalcooleira no Nordeste, que é a migração temporária dos homens para outras regiões do país a fim de trabalharem no corte de cana-de- açúcar e, em menor escala, em outras ocupações. Desse modo, a migração aparece como causa do abandono das classes pelos homens:

As classes [de alfabetização] daqui têm mais mulher do que homem. A minha tinha mais homem, só que foram viajar pra trabalhar. Vão viajar para ter condições melhores. [Vão] pra Minas, São Paulo... Vão cortar cana e uns pra outros trabalhos. Eu tenho dois [alfabetizandos] em São Paulo, que estão trabalhando nos abatedouros e três em Minas, que estão no corte de cana. Os de São Paulo vão passar dois ou três anos e os de Minas passam de oito meses a um ano.

Com a intenção de explorar essa questão, pergunto-lhe se os migrantes conseguem voltar com algum dinheiro dessas viagens. A resposta da professora, além de ser afirmativa, indica vantagens decorrentes da migração, embora ressalte o fato de as mulheres ficarem sem seus maridos:

Conseguem [ganhar dinheiro]. Meu irmão todo ano viaja. Ele passou por muitas dificuldades, mas o ano passado ele comprou essa moto56 e está construindo a casa

dele. Ele está namorando. Eu e ele somos solteiros. Essas casas novatas que temos aqui são todas de pessoas que vão trabalhar fora. Nem uma mãe de família que estuda comigo está com o seu marido, porque eles estão viajando.

Pergunto-lhe, então, se há casos de maridos que não retornam, abandonando a família. A professora afirmou que isso não ocorria, mas apontou a ausência dos maridos como causa do abandono das classes pelas mulheres, problema citado anteriormente em outro depoimento:

Todo mundo volta. Mas, a gente perde muito aluno por causa disso. Eu tenho três ou quatro [maridos] que a mãe não vem [à aula] para não deixar o menino sozinho. Quando os maridos estavam aqui, elas deixavam os meninos com o pai e vinham pra aula. Agora, elas não podem vir mais. Por isso, também, tem tão pouco aluno na classe.

Os depoimentos seguintes começam a apontar questões relacionadas às políticas públicas que, mesmo não demonstrando ter consciência dessa dimensão, a professora Anita vê os aspectos que ela vai apontando como problemas que interferem nos processos de escolarização. Por exemplo, na fala a seguir, para explicar o esvaziamento de sua classe de alfabetização, ela cita a falta de iluminação, que favorece a presença de animais no pátio da escola, onde funcionava a referida classe:

Se tivesse luz e não tivesse esses cachorros aqui todo santo dia, a sala estava cheia. Aqui é muito escuro e tem muito sapo, tem dia que tem tanto sapo aqui que Deus me livre! Então, eu acho que evadiram por causa disso57.

No depoimento seguinte, a professora Anita, pondo em suspeita a justificativa do “querer” para explicar porque as pessoas não se escolarizam, cita a falta de escolas e de professores em determinados locais, como prováveis motivos que levam as pessoas a não estudarem:

Eu já ouvi falar que tem pessoas que não estudam não é porque não querem, e sim pela falta de oportunidade. Por exemplo, tem locais que não têm escolas. Tem locais de tribos que não tinha professor e aí levaram e colocaram lá professores de outros cantos.

56 O irmão da professora é um rapaz de, aproximadamente, 25 anos de idade, que estava nos observando,

encostado na moto, enquanto eu a entrevistava.

57 A falta de iluminação e a presença dos animais, citadas pela professora, foram constatadas por mim, desde a

primeira visita até o final das observações, em maio/2010. Durante esse período, usei uma lanterna para me dirigir à escola e para me movimentar na área interna e ao seu redor.

Na continuação do depoimento anterior, a professora cita, novamente, fatos relacionados ao seu contexto local para exemplificar suas afirmações:

Eu me lembro de que aqui [no Muquém] quando eu era menina, também não tinha professores. Só colocaram professor aqui quando eu já tinha mais de 7 anos [de idade]58. A escola que tinha aqui ficava lá na pista, e as pessoas não iam pra aula por

medo, porque antigamente era só mato.

A distância das escolas em relação à moradia dos alunos, acompanhada de riscos no deslocamento, apareceu na fala da professora, também, como fatores dificultadores da escolarização. A resposta da professora associa uma questão de política educacional a um problema de segurança pública. Entretanto, ela acredita que as dificuldades não se limitem a esses fatores:

Daqui, de onde a gente mora [para a cidade], dá uns 30 minutos a pé, mas as pessoas não iam por causa disso, que tinha muito maloqueiro que ficavam atocaiando e faziam medo. Isso foi dificultando mais [a frequência à escola]. Eu acredito que isso acontece em vários cantos. Tem a distância e tem o medo de pessoas más. Mas, eu acredito que não seja só isso (silêncio).

Seguindo seu modo de refletir, a professora cita um caso real, ocorrido na comunidade, que ressalta o problema de segurança pública na localidade, interferindo na escolarização da população:

Teve um mês aqui que foi massacrante! Mataram um rapaz no centro de Muquém. Foi tanto que as meninas [outras professores do PBA] passaram mais de uma semana largando cedo por medo. Teve muito tiro lá para os lados da pista. Na sala da menina da pista evadiram muitos, ela disse. Não sei se já voltaram... Tinha um homem do carro preto dando tiro para tudo quanto é lugar. E como eles moram distantes da casa dela59, evadiram muitos. Eu perguntei: “Por que vocês não colocam

a aula à tarde?” É fácil, mas eles não vão à tarde. Nem de manhã porque as mães, de manhã, tem o café, tem as crianças. E à tarde, também, não vão porque tem que fazer a janta. Só têm tempo à noite.

Continuei inquirindo a professora sobre a questão do abandono das classes pelos adultos. Suas reflexões evoluíram para fatores relacionados à política de alfabetização em vigor, referentes ao fornecimento de material escolar e de merenda:

58 A entrevistada estava com 28 anos de idade no período da pesquisa.

O abandono é mais porque quando o projeto chega, vem dizendo que tem materiais... Esse mesmo, o que é que prometia? Prometia tudo: ah! Porque vêm os livros, material didático completo - caderno, lápis, tudo; vem merenda... Depois, vem a coordenadora duas vezes no mês pra dizer que não tem nada disso. Todos os projetos do Brasil Alfabetizado dizia que tinha merenda todos os dias. Aí, eles [alfabetizandos] me perguntavam: “Ô professora, tem merenda hoje?” Eu digo: “Não chegou merenda”. Toda vez que eu vejo a coordenadora, ela fala que não tem recurso para comprar, que não tem dinheiro. Quando a gente começou60, eu comprei R$ 10,00 de caderno.

Perguntei à professora com que dinheiro ela comprou os cadernos. Ela me respondeu que comprou com seu dinheiro61. Comprou, também, merenda, embora não pudesse oferecê- la todos os dias da semana:

[Compro] com meu dinheiro. Eu comprei tudo pra todo mundo e a gente iniciou as aulas. Eu perguntei em que dias eles queriam a merenda e eles responderam que queriam todos os dias. Eu disse que eu não podia. Que eu só poderia dar [merenda] um dia na semana. Sempre quando terminou [os projetos anteriores] com todo mundo [com todos os alunos que iniciaram] é porque tinha merenda, tinha materiais, tinha tudo. As meninas (outras professoras) que iniciaram aqui tinham tudo. Esse ano eu não sei o que aconteceu que não tem nada.

O depoimento acima sugere que a informação da professora, sobre sua impossibilidade de fornecer merenda aos alunos todos os dias, dá suporte à sua crença, ou suposição, de que os alunos abandonam a classe porque não recebem material escolar e merenda. Consequentemente, se tiverem esses benefícios, eles permanecerão na classe até o final do curso: “Sempre quando terminou [os projetos anteriores] com todo mundo [os alunos que iniciaram] é porque tinha merenda, tinha materiais, tinha tudo”.

No processo de investigação das representações da professora Anita, procurei examinar, também, seus conhecimentos e opiniões sobre repercussões e consequências do analfabetismo na vida das pessoas e da sociedade. Em seus depoimentos, predominaram dificuldades enfrentadas pelas pessoas em situações práticas da vida cotidiana, que requerem o uso de habilidades de leitura e escrita, às vezes, de cálculos.

As situações mais citadas, embora sejam recorrentes em depoimentos de outros professores em contextos onde predomina a cultura letrada (compras, transporte, localização de endereços, outras) mantêm relação explícita com a realidade local, ou seja, com o contexto mais próximo de vivência da professora: a cidade de União dos Palmares e o povoado de Muquém. O depoimento seguinte exemplifica essa afirmação:

60 O projeto a que a entrevistada se refere tem duração de 8 meses. Na ocasião daquela entrevista (março/2010),

já haviam se passado 4 meses de aula.

61 Essa atitude é comum entre os professores, conforme depoimento de integrantes da administração do PBA no

Quando uma pessoa tem que ir guiada até um local e não sabe onde fica o local ou a rua onde a pessoa tem que ir, se não sabe ler, ela pode até ir de taxi62, mas é muito

caro. Aí, é assim: nos cantos que a pessoa vai, mas não sabe, vamos supor que ela vai fazer uma visita no colégio Rocha Cavalcanti [na cidade de União dos Palmares] e não sabe onde fica, então ela pode perguntar pra alguém de onde fica próximo. Se a pessoa não sabe ler, às vezes ela consegue encontrar, mas é difícil. A outra [pessoa] explica, diz que fica na rua tal, próximo da loja tal, mas a pessoa não sabe ler, ela pode não encontrar... É difícil pra ela encontrar. Se soubesse ler, era fácil - lia o nome da rua, o nome da loja e encontrava.

União dos Palmares, no contexto do Estado de Alagoas, é uma cidade de porte médio que, no período desta pesquisa, dispunha de cinco agências bancárias. Entre outros atendimentos, a rede bancária é utilizada para pagamento de benefícios provenientes de programas sociais e proventos de aposentadorias de idosos.

Por isso é comum pessoas não alfabetizadas, geralmente, provenientes dos sítios e de outras localidades da área rural, solicitarem ajuda a outras, supostamente, moradores da cidade, para operarem os equipamentos bancários. Esse quadro favorece a ocorrência frequente de casos em que pessoas, principalmente, idosas, são lesadas por outras que, simulando ajudá-las, roubam-lhes seus parcos recursos.

Por sua recorrência, esses eventos ganharam ampla repercussão local, passando a fazer parte das conversas cotidianas dos segmentos populares da cidade e do campo. É nesse contexto, que se situam vários depoimentos da professora Anita, relacionados a dificuldades das pessoas analfabetas, como o que se segue:

Eu já vi pessoas, no banco, que não são alfabetizadas, passando muita dificuldade. Eu, uma vez, vi uma menina de lá de União falar bem assim, pra uma senhora do sítio que pediu ajuda a ela: “Você é burra? Não tá vendo os números?” E a mulher respondeu: “Eu não sei ler não, moça. Só tô te perguntando quanto é esse [número]”. Muita gente já passou por isso aqui.

Solicitei à professora que refletisse, agora, sobre consequências ou repercussões do analfabetismo sobre a sociedade. Sua primeira fala, nesse sentido, estabelecendo uma comparação do Brasil com os Estados Unidos, ressalta a questão do emprego:

Se no Brasil tivesse uma taxa de analfabetismo baixa, o Brasil seria quase como os Estados Unidos. Haveria mais oportunidade de emprego. Quem não sabe ler, hoje, não tem emprego. Até para trabalhar como empregada doméstica tem que ter o básico, mas tem pessoas que não sabem escrever nem seu próprio nome.

A fala da professora, mesmo expondo um dado da realidade contemporânea, parece mesclada de resquícios da concepção conhecida como “entusiasmo pela educação”, que atribuía à educação o poder de solucionar os problemas do Brasil, visto que seu principal problema era a ignorância do povo.

Essa concepção, que começou a ganhar força a partir do fim da primeira guerra mundial, entre políticos ocupantes do aparelho de Estado, reforçou, também, “[...] o preconceito contra o analfabeto, como elemento incapaz, responsável pelo escasso progresso do País e pela impossibilidade de o Brasil participar do conjunto ‘das nações de cultura’ (PAIVA, 1987, p. 28)”. Ou seja, o Brasil não atingia o status de país desenvolvido em consequência do analfabetismo.

Examinando ainda, o depoimento acima, observo que, mesmo abordando o analfabetismo no âmbito da sociedade, a professora Anita volta o foco de sua reflexão para a dimensão individual.

Retomando a mesma questão em outro momento, a professora entrevistada repetiu outros aspectos mencionados anteriormente, reforçando representações já identificadas, conforme se observa no depoimento seguinte:

A taxa de pessoas não alfabetizadas é alta demais! Se não fosse tão alta, o Brasil teria muitas conquistas. Ele tem, mas seria mais ainda. Ele não tem tanto recurso. Agora é que ele está pensando em buscar as pessoas [para alfabetizar] com os