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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP MARIA RENEUDE DE SÁ

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

MARIA RENEUDE DE SÁ

ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO:

REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS DE CAMPONESES QUILOMBOLAS JOVENS E ADULTOS

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

MARIA RENEUDE DE SÁ

ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO:

REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS DE CAMPONESES QUILOMBOLAS JOVENS E ADULTOS

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação: Currículo, sob a orientação da Profa. Dra Marina Graziela Feldmann.

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BANCA EXAMINADORA

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A Fátima, minha irmã.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Marina Feldmann, por assumir comigo os riscos da produção deste trabalho, manifestando seu apoio nos momentos necessários.

Às professoras: Ana Maria Saul, Eliete Santiago, Helenice Ciampi e Solange D’Água, pelas valiosas contribuições.

À Universidade Federal de Alagoas pela liberação para o curso e à CAPES pela concessão da bolsa Prodoutoral.

A Ana Cláudia, Josafá, Cristiane e Vera, funcionários da Secretaria Municipal de Educação de União dos Palmares, pela colaboração na realização da pesquisa.

A Claudete, Jane, Roberta e Salete, do Programa Brasil Alfabetizado de União dos Palmares, pelo apoio logístico e acompanhamento nas visitas às classes de alfabetização no campo.

A Patrícia, Márcio Bruno e Maria Luiza, Enrique e Vanessa, por acreditarem que eu seria capaz de dar conta desta tarefa.

Ao meu pai, irmãos, irmãs e demais familiares, por me incentivarem a “ir tocando em frente”.

Às minhas amigas e aos meus amigos que sempre estiveram presentes, mesmo quando ausentes. São tantos! Poderia nomeá-los, mas creio desnecessário. Eles sabem que são meus amigos e que os quero tanto que me são indispensáveis.

A Ana Maria, Ana Paula e Jailza, em nome das quais agradeço às professoras e aos professores-alfabetizadores do PBA de União dos Palmares, que participaram deste trabalho.

A Pai Toinho, pela hospedagem luxuosa em União dos Palmares.

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Tocando em frente

Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar porque já tive pressa levo esse sorriso porque já chorei demais Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe

só levo a certeza, de que muito pouco eu sei, eu nada sei Conhecer as manhas e as manhãs

o sabor das massas e das maçãs é preciso amor pra poder pulsar é preciso paz pra poder sorrir é preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente Como um velho boiadeiro levando a boiada eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou estrada eu sou

Conhecer as manhas e as manhãs o sabor das massas e das maçãs é preciso amor pra poder pulsar é preciso paz pra poder sorrir é preciso a chuva para florir

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RESUMO

Instalando-se no Brasil desde a colonização, o analfabetismo vai-se tornando, progressivamente, um problema histórico. Além da negação de um direito constitucional, conferido a todos os cidadãos, a condição de analfabeto reduz o exercício da cidadania no mundo contemporâneo. Sua existência inquieta pesquisadores das ciências sociais e humanas, que buscam realizar estudos que contribuam para sua compreensão e enfrentamento. Neste trabalho, procurei desenvolver um estudo sobre o analfabetismo por meio da análise de representações de professoras-alfabetizadoras de camponeses quilombolas jovens e adultos, relacionando-as ao contexto socioeconômico e cultural e à formação docente. Para isso, adotei uma metodologia qualitativa com investigação etnográfica, realizada no ano de 2010, na comunidade de Muquém, descendente do Quilombo dos Palmares, localizada no município de União dos Palmares, no Estado de Alagoas. Os resultados da análise apontaram, na construção das representações das professoras sobre alfabetização e analfabetismo, fragmentos de conhecimentos formais adquiridos, provavelmente, em ações de formação docente, leituras de material específico da área, como o livro didático utilizado nas classes de alfabetização, entre outros; crenças sedimentadas no imaginário coletivo sobre o analfabetismo e a alfabetização; saberes desenvolvidos em e sobre sua própria prática pedagógica no exercício da alfabetização; troca de experiências com seus pares em diversas situações, entre outras fontes de conhecimento. Por meio de suas representações, as professoras buscam explicações e justificativas que respondam a suas inquietações em sala de aula. Ora essas representações evidenciam o ocultamento de questões relacionadas à prática docente, que podem estar contribuindo para o problema do analfabetismo, ora anunciam possibilidades de mudança. Entre as considerações conclusivas, o estudo aponta a importância de se priorizar, nas ações de formação docente, um princípio fundamental defendido por Paulo Freire desde seus primeiros estudos na década de 1950, a reflexão crítica sobre a prática, possibilitando aos professores reverem suas concepções e reorientarem suas práticas pedagógicas.

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ABSTRACT

Settling in Brazil since colonial times, illiteracy is becoming, increasingly, a historical problem. In addition to the denial of a constitutional right granted to all citizens, the illiterate condition reduces the exercise of citizenship in the contemporary world. Its existence uneasy social and human sciences researcher who seek carry studies that can contribute to their understanding and facing. In this work I decided to develop a study on illiteracy through the analysis of representations about this issue from literacy-teachers of young and adult peasants descendent of historical African people (quilombolas), relating these representations to their socio-economic and cultural context and to their teacher training. For this, I adopted a qualitative methodology with ethnographic research conducted in the year 2010 in Muquém community, descendent of the Quilombo dos Palmares, located in the municipality of União dos Palmares, in Alagoas state. The results of the analysis showed, in the construction of representations of the teachers on alphabetization and illiteracy, fragments of formal knowledge, acquired, probably in teacher training activities, reading material of the specific area, such as the textbook used in alphabetization classes, among others; established beliefs in the collective imaginary about illiteracy and literacy; and on knowledge developed in and about their own teaching practice in the exercise of literacy; exchange experiences with their peers in several situations, among other sources of knowledge. Through their representations, the teachers seek explanations and justifications that respond to their concerns in the classroom. Sometimes these representations indicate the concealment of issues related to the teaching practice, which may be contributing to the problem of illiteracy, sometimes advertise possibilities for change. Among the conclusive considerations, the study shows the importance of priority in the formation courses for teacher, a fundamental principle advocated by Paulo Freire, from his early studies in the 1950s - a critical reflection on practice, allowing for the teachers to revise their views and redirect their pedagogical practices.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Crescimento absoluto (●) e taxa de crescimento (■) da população

analfabeta com 15 anos ou mais de idade no Brasil - de 1900 a 2000 ... 23

Figura 2 Lagoa Encantada dos Negros. Serra da Barriga. União dos Palmares -AL 54 Figura 3 Residência de um artesão na comunidade de Muquém ... 64

Figura 4 Aula de capoeira infantil na comunidade de Muquém ... 74

Figura 5 Escola municipal no povoado de Muquém ... 81

Figura 6 Classe de alfabetização de jovens e adultos no Muquém ... 89

Figura 7 Sala de aula no Centro Comunitário de Muquém... 107

Figura 8 Professora Anita durante uma aula na escola municipal de Muquém ... 147

Figura 9 Aula de alfabetização de jovens e adultos no Centro Comunitário de Muquém ... 154

LISTA DE TABELAS Tabela 1 Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais de idade - Brasil – 1900/2000 22 Tabela 2 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Taxa de Analfabetismo da População de 15 anos ou mais – 2000 ... 24

Tabela 3 Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por situação de domicílio, nas grandes regiões brasileiras – 2005 ... 25

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNAEJA - Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos

CNE - Conselho Nacional de Educação

EJA - Educação de Jovens e Adultos

FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

GPT - Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

PBA - Programa Brasil Alfabetizado

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas

SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

UFAL - Universidade Federal de Alagoas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

CAPÍTULO 1 ANALFABETISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES 18 1. O analfabetismo no Brasil: um problema histórico ... 18

2. No campo, o problema do analfabetismo piora ... 28

3. Formação de professores: uma visão crítica ... 31

3.1 A formação docente na visão de pensadores progressistas ... 31

3.2. A formação de professores na legislação nacional ... 38

3.3. A formação do professor de Educação de Jovens e Adultos (EJA) ... 45

CAPÍTULO 2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA DE CAMPO ... 49

1. Orientação teórico-metodológica ... 49

2. Desenvolvimento da pesquisa de campo ... 50

CAPÍTULO 3 O CONTEXTO DA PESQUISA ... 54

1. O Município de União dos Palmares ... 54

1.1 Do Quilombo à União dos Palmares ... 54

1.2 Caracterização socioeconômica do Município ... 56

1.3 Atendimento escolar aos jovens e adultos ... 58

1.4 O Programa Brasil Alfabetizado e seu funcionamento no Município ... 59

2. O Muquém e sua comunidade ... 64

2.1 Origem e meios de vida ... 65

2.2 Habitação ... 67

2.3 Alimentação ... 68

2.4 Espiritualidade e práticas religiosas ... 72

2.5 Práticas de preservação da cultura e transmissão de saberes ... 73

2.6 Atendimento escolar ... 80

CAPÍTULO 4 REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS-ALFABETIZADORAS SOBRE ANALFABETISMO E ALFABETIZAÇÃO ... 83

1. Professora Anita ... 83

1.1 Dados biográficos da professora ... 84

(12)

1.3 A classe de alfabetização da professora Anita ... 89

1.4 Representações sobre analfabetismo ... 90

1.5 Representações sobre alfabetização ... 99

2. Professora Mariana ... 104

2.1 Dados biográficos da professora ... 104

2.2 Relação da professora com a questão étnico-racial ... 105

2.3 A classe de alfabetização da professora Mariana ... 107

2.4 Representações sobre analfabetismo ... 110

2.5 Representações sobre alfabetização ... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

REFERÊNCIAS... 121

APÊNDICES APÊNDICE A – Roteiro de entrevista com a gestora local do PBA no município de União dos Palmares ... 128

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista com coordenadoras de turma do PBA... 130

APÊNDICE C - Questionário – Coordenadora de EJA... 132

APÊNDICE D - Relatório de visitas a classes de alfabetização de jovens e adultos em áreas rurais do município de União dos Palmares... 136

APÊNDICE E – Caracterização dos professores entrevistados... 144

APÊNDICE F – Roteiro de entrevista com professores-alfabetizadores... 145

APÊNDICE G – Formulário de coleta de dados dos professores-alfabetizadores 146 APÊNDICE H – Uma aula da professora Anita ... 147

APÊNDICE I – Uma aula da professora Mariana ... 154

ANEXOS ANEXO A - Extrato da LDB ... 159

ANEXO B – Programa Brasil Alfabetizado – Formação Inicial ... 162

ANEXO C - Programa Brasil Alfabetizado – Formação Continuada... 165

ANEXO D - Letra da música Marinheiro Só... 167

(13)

INTRODUÇÃO

Meu interesse pelo estudo do problema do analfabetismo em populações jovens e adultas originou-se das atividades acadêmicas que venho desenvolvendo ao longo de 39 anos de vida profissional, no exercício da docência e de atividades correlatas na educação básica e na educação superior.

Integrando o corpo docente da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) nos últimos 17 anos, venho lecionando nos cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas. Tenho participado de pesquisas e de projetos de extensão na área de educação de jovens e adultos, por meio de convênios da UFAL com órgãos públicos federais, a Secretaria Estadual de Educação de Alagoas, secretarias municipais de educação e organizações da sociedade civil. Desde 1998, tenho me dedicado, mais especificamente, a atividades de extensão e pesquisa relacionadas à educação de populações do campo.

Essas vivências levaram-me, no curso de mestrado, a eleger essa área como campo de estudo. Por meio de uma pesquisa qualitativa, analisei a visão de camponeses, residentes em assentamentos rurais de Alagoas, sobre necessidades de conhecimentos letrados e demandas de escolarização (SÁ, 2002)1. A escolha desse objeto de estudo originou-se do desejo de investigar o problema histórico do baixo aproveitamento dos programas nacionais de alfabetização de jovens e adultos no Brasil, constatado por diversos estudos da área2.

No mestrado investiguei a visão de camponeses egressos de programas de alfabetização de jovens e adultos sobre as razões que os levavam a buscar, insistente e reiteradamente, matrícula em classes de alfabetização de jovens e adultos, porém, quando conseguiam acesso, em pouco tempo, a maioria as abandona sem ter adquirido, pelo menos, habilidades mínimas de leitura e escrita.

Entre as suposições apontadas pela pesquisa, constatei que a insistência dos camponeses na busca de matrícula em classes de alfabetização devia-se à percepção da

1 A pesquisa de campo foi realizada em 11 assentamentos rurais de seis municípios de Alagoas, com 30 camponeses na faixa etária de 16 a 58 anos, egressos de classes de alfabetização do Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA).

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necessidade de conhecimentos letrados em sua vida cotidiana, conforme concluo nas considerações finais da dissertação:

[...] conhecimentos letrados são percebidos pelas camadas populares rurais como necessários ao melhor desempenho de atividades práticas na vida cotidiana. São atividades relacionadas, predominantemente, ao trabalho no contexto atual de desenvolvimento do meio rural brasileiro, em áreas onde conhecimentos científicos e processos tecnológicos foram incorporados à produção econômica. Essa necessidade relaciona-se, também, às expectativas da família camponesa em melhorar sua qualidade de vida (SÁ, 2002, p. 141).

Essa percepção parece justificar o abandono das classes de alfabetização pelos camponeses, na medida em que eles constatam que os processos de ensino não estão lhes proporcionando as aprendizagens almejadas, levando-me a supor que:

[...] se os processos escolares possibilitarem o atendimento às suas expectativas e necessidades, os camponeses, além de buscarem acesso à escola, nela permanecerão para concretizar as aprendizagens desejadas e esperadas, apesar de condições pessoais adversas, tais como: pouca disponibilidade de tempo, cansaço, preocupações com a família e o trabalho, distância da escola e, até mesmo, problemas de saúde. Isto leva à suposição de que os camponeses perdem a motivação, se desinteressam e abandonam os processos de escolarização porque percebem que não estão se concretizando as aprendizagens desejadas e esperadas. (Ibid, p. 141).

Desse modo, sem desconsiderar os efeitos negativos de fatores de ordem socioeconômica sobre a escolarização das camadas populares, as suposições registradas na pesquisa do mestrado mostraram relação direta entre o insucesso dos programas de alfabetização de jovens e adultos e fatores pedagógicos referentes aos processos de ensino, decorrentes, provavelmente, do tipo de políticas de educação destinadas à escolarização básica da população jovem e adulta no Brasil.

Em termos gerais, a pesquisa reiterou resultados de outros estudos, ao concluir que as próprias políticas educacionais têm contribuído para a manutenção do analfabetismo no Brasil.

[...] é possível afirmar que as políticas de educação inclusas nas políticas sociais desenvolvidas pelo Estado brasileiro, especialmente aquelas destinadas às populações jovens e adultas, produzem a exclusão escolar por meio de um processo

de “inclusão marginal, dada a forma perversa como têm promovido a exclusão escolar (Ibid, p. 142).

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representações de professores-alfabetizadores3 sobre o problema. Abordar o analfabetismo sob esse ângulo deve-se à compreensão, fundamentada em trabalhos sobre o tema (KLEIMAN, 2001; PENIN, 1989, 1994), da relação existente entre o fazer pedagógico do professor (prática de ensino) e sua visão (concepções) sobre questões que envolvem esse fazer (representações).

Desse entendimento decorreu a definição do objetivo geral deste estudo: analisar representações de professores-alfabetizadores de camponeses quilombolas jovens e adultos sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo relação com o contexto sociocultural, sua formação docente e suas práticas pedagógicas alfabetizadoras.

Na versão inicial do projeto de pesquisa, previ um estudo de representações sobre analfabetismo. Entretanto, ao começar as entrevistas com os primeiros professores, constatei que, ao tratarem do analfabetismo, a alfabetização surgia entrelaçada a ele, sem que um tema se limitasse a ser o contrário do outro, conforme esclarece Ferraro, fundamentando-se no

pensamento de Paulo Freire: “[...] nem o analfabetismo se reduz à simples ausência de

alfabetização, ou a mero desconhecimento da técnica de ler, escrever e contar, nem a

alfabetização se limita à aprendizagem e domínio da técnica de ler, escrever e contar”

(FERRARO, 2009, p. 21). Na base dessa concepção, reside a dimensão política do analfabetismo como um problema social e a alfabetização como um processo de conhecimento.

Com esse entendimento, reorientei a abordagem do problema do analfabetismo, passando a considerar a alfabetização no estudo das representações das professoras-alfabetizadoras.

O referencial teórico que fundamenta este estudo situa-se no campo do pensamento crítico-dialético. Nesse campo, selecionei autores de algumas áreas de conhecimento pertinentes ao estudo em questão, mais especificamente, de filosofia, sociologia, antropologia, história e educação. Na análise das representações priorizei o pensamento de Lefebvre (1991, 2006) como referência principal.

Adotei, neste trabalho, uma abordagem metodológica de pesquisa qualitativa com orientação etnográfica4, realizada por meio de contato direto com o campo de pesquisa, na convivência com a comunidade selecionada para esse fim.

3 As expressões professor e professores estão sendo utilizadas com o único objetivo de simplificar a comunicação. Não têm, portanto, nenhuma conotação de prioridade ou de discriminação.

(16)

A pesquisa foi realizada no município de União dos Palmares, no Estado de Alagoas, cuja opção se deu em decorrência de minha vinculação profissional à UFAL, associada ao propósito de, com este estudo, produzir conhecimentos capazes de contribuir para a definição de políticas educacionais que conduzam à superação do analfabetismo e à elevação dos níveis de escolaridade da população alagoana, cujo Estado registra, historicamente, os mais elevados índices de analfabetismo do Brasil.

No contexto do município de União dos Palmares, escolhi a comunidade quilombola de Muquém para realizar a investigação etnográfica. Essa escolha deveu-se, especialmente, à sua provável descendência do Quilombo dos Palmares, fato que lhe confere características singulares na sua organização e vida cotidiana.

As marcas da cultura do Quilombo estão no modo de vida das comunidades quilombolas existentes na região, entre elas, a comunidade de Muquém, sediada num povoado próximo à Serra da Barriga, onde existiu o referido quilombo, entre os séculos XVI e XVII.

Direcionar o foco deste estudo para um espaço limitado e um contingente específico de uma população - uma comunidade quilombola – foi o motivo principal que me levou a adotar uma abordagem de pesquisa que me possibilitasse investigar os contextos material e simbólico do lugar e da vida da comunidade: sua história, sua origem, sua organização, seus meios de vida, costumes, crenças, visões de mundo, modos de educar as novas gerações e de conservar e dar continuidade à cultura de seus ancestrais. Fatores que caracterizam aquela comunidade conferindo-lhe uma identidade própria, diferenciada de outros contingentes populacionais campesinos, existentes na mesma região. Assim, a investigação etnográfica mostrou-se como um dos caminhos mais adequados ao estudo em questão.

Este trabalho compõe-se de quatro capítulos. No primeiro, discuto o problema do analfabetismo no Brasil por meio de uma abordagem histórica, sob a ótica do descumprimento do direito constitucional, que assegura a todos os brasileiros o acesso à escolarização básica. Abordo, também, a formação do professor na visão de pensadores progressistas. Examino concepções e modalidades de formação, sua normatização na legislação educacional brasileira e a formação específica do professor da educação de jovens e adultos.

No segundo capítulo, anuncio a fundamentação teórico-metodológica que orientou este estudo e descrevo o desenvolvimento da pesquisa de campo, explicitando os procedimentos adotados.

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socioeconômico atual e o atendimento escolar à população de jovens e adultos, finalizando com uma síntese do Programa Brasil Alfabetizado no município. Com dados da investigação etnográfica, apresento uma síntese da vida cotidiana da comunidade de Muquém, a partir da minha convivência com ela. Procuro destacar aspectos que contribuam para a análise que desenvolvo das representações das professoras.

Analiso, no quarto capítulo, as representações das professoras-alfabetizadoras de Muquém sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo relação com a vida cotidiana da comunidade, a formação docente e suas práticas pedagógicas na alfabetização de camponeses quilombolas jovens e adultos. Finalizo, expondo algumas considerações gerais decorrentes deste estudo.

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CAPÍTULO 1 - ANALFABETISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

1. O analfabetismo no Brasil – um problema histórico5

Este estudo aborda o analfabetismo da população brasileira, especialmente, de jovens e adultos na faixa etária de 15 anos ou mais de idade. A delimitação deve-se ao propósito de examinar o analfabetismo como problema, numa perspectiva histórica, analisando-o no contexto de descumprimento do direito constitucional, que garante a todos os brasileiros o acesso à escolarização básica. Aos 14 anos de idade toda criança no Brasil deve concluir o ensino fundamental (9 anos de escolaridade).

Entretanto, as estatísticas educacionais mostram que, além de não se cumprir a determinação constitucional, um contingente considerável de crianças de 7 a 14 anos de idade não domina nem mesmo a leitura e a escrita em nível elementar, ampliando as taxas gerais de analfabetismo no Brasil. Parte do contingente que continua analfabeta contribui para a reposição do estoque de analfabetos jovens e adultos, conforme mostra o estudo realizado no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) por Souza (1999).

O ensaio analisa a evolução do analfabetismo no Brasil de 1980 a 1991 e apresenta projeções com vistas à sua superação até o ano 2020, segundo alguns cenários. Trabalhando com a relação entre dinâmica demográfica e nível educacional da população a partir do indicador taxa de analfabetismo, o autor mostra que, além do envelhecimento de gerações de analfabetos, a manutenção do analfabetismo ao longo do tempo relaciona-se, também, com condições que produzem novos analfabetos, garantindo a reposição de seu estoque. Entre

essas condições, Souza aponta a ineficiência das políticas educacionais: “[...] o analfabetismo

atual é resultado tanto da insuficiência quanto da demora na melhoria da alfabetização ao

longo da segunda metade deste século.” (SOUZA, 1999, p. 17, grifos do autor).

Estudos históricos sobre a educação brasileira, mostram que o analfabetismo tem suas raízes no início da colonização portuguesa, no começo do século XVI, constituindo-se como problema no decorrer do processo da construção da nação (FREIRE, 1993)6.

5 Neste estudo serão considerados dois níveis de analfabetismo: analfabetismo absoluto e analfabetismo funcional, conforme conceitos adotados pelo IBGE e por outros órgãos que lidam com a questão.

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Desse modo, estendendo-se até o final do século XIX, o analfabetismo atravessou o império, chegou ao período republicano e ainda persiste no século XXI. Porém, somente na segunda metade do século XX, o Estado passou a considerar o analfabetismo um problema nacional, encaminhando ações destinadas a combatê-lo, mas que não têm surtido efeitos satisfatórios, conforme afirma Ferraro:

Desde as últimas décadas do século XIX, quando o analfabetismo se transformou, quase que de repente, num problema nacional, sucederam-se inúmeros discursos, juras, projetos, campanhas e até declarações de guerra contra o analfabetismo, acompanhados de periódicas reformas de ensino. De tais esforços empenhados na escolarização e alfabetização do povo, resultaram, não há dúvida, alguns avanços reais que se traduziram em alargamento da escolarização e em queda lenta, porém continuada, das taxas de analfabetismo durante todo o decorrer do século XX. No entanto, em que pesem tais esforços e conquistas, permanece de pé um fato inegável: o Brasil findou o século XX e adentrou o século XXI com um número verdadeiramente preocupante de pessoas ainda não alfabetizadas (FERRARO, 2009, p. 25).

Freitag (1984, p. 48-49), em análise fundamentada em Gramsci, retrocedendo historicamente e contextualizando o estudo da mesma questão, situa a emergência da atenção do Estado brasileiro com a educação de sua população, entre o fim do Império e o começo da República, em decorrência do fortalecimento do Estado como sociedade política. Considera

que a definição de uma política educacional estatal tem origem nesse período: “Até então, a

política educacional era feita quase exclusivamente no âmbito da sociedade civil, por uma instituição todo-poderosa, a Igreja”.

Entre outros autores, Freitag considera a Constituição de 1934 o marco histórico regulatório de uma política educacional no Brasil, ao estabelecer, pela primeira vez, a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário, as formas de financiamento da rede oficial em quotas fixas para a Federação, os Estados e os Municípios (Art. 156), fixando, também, as competências dos respectivos níveis administrativos para os níveis de ensino (Art. 150); a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Educação (Art. 150), além de tornar o ensino religioso facultativo (FREITAG, 1984, p. 50-51).

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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 1900, que registrou 65,3% de analfabetismo nessa faixa etária.

Porém, com a intensificação do processo de industrialização, a partir da década de 30 do século passado, que passou a demandar mão-de-obra minimamente escolarizada, o Estado brasileiro, enfim, assumiu, constitucionalmente, a responsabilidade pela escolarização da população que, até então, conforme já mencionando, havia sido tacitamente delegada à Igreja Católica.

Haddad e Di Pierro (2000) também constatam que a educação de jovens e adultos só vai se tornar, formalmente, um problema nacional no final da década de 40, após sua inclusão no ensino primário gratuito e de frequência obrigatória, no texto da Constituição Federal de 1934.

Na mesma linha de análise, Souza (2000), situando a EJA no contexto socioeconômico e político da segunda metade da década de 1940, afirma que as ações do Estado brasileiro dirigidas para os jovens e adultos não escolarizados destinaram-se, prioritariamente, às populações do campo, destacando os interesses eleitorais e o formato de campanha que a caracterizaram:

Com o fim da ditadura estadonovista, era importante não só incrementar a produção econômica, como também aumentar as bases eleitorais dos partidos políticos e integrar ao setor urbano as levas migratórias vindas do campo. Por outro lado, no

espírito da “guerra fria”, não convinha ao país exibir taxas elevadas de populações

analfabetas. É nesse período que a educação de jovens e adultos assume a dimensão de campanha. Em 1947 é lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, dirigida principalmente para o meio rural. (Ibid., p. 111).

Entretanto, mesmo com o desenvolvimento econômico centrado na industrialização, gerando demandas crescentes de mão-de-obra escolarizada, acompanhado da urbanização das cidades e de movimentos deflagrados por intelectuais e políticos progressistas em defesa da extensão da escola pública e gratuita para todos, somados às pressões da própria classe trabalhadora, o Brasil ultrapassou o século XX sem cumprir a obrigação constitucional de universalizar a escolarização básica de sua população.

Assim, o Brasil não chegou nem a cumprir a promessa de “erradicar” o analfabetismo

absoluto, conforme previsto em planos, programas e projetos educacionais. Previsão que se repete nas constituições e leis complementares, a exemplo da Constituição de 1988, em vigor, que fixa no Art. 214 o estabelecimento em lei de um plano nacional de educação, com

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Essas considerações mostram que o analfabetismo vai se tornando, progressivamente, um problema mais grave na vida das pessoas e das sociedades contemporâneas, como previam estudiosos da área, a exemplo de Souza (1999):

Como a simples alfabetização pode ser atualmente considerada insuficiente para atender as necessidades mínimas de educação de um indivíduo, o fato de ser analfabeto daqui a uma ou duas décadas poderá ser qualitativamente pior do que atualmente. Analogicamente, é possível afirmar que o peso do baixo nível educacional será muito mais grave no futuro. Se não forem revertidas as condições de propagação da população com baixo nível educacional através das gerações, fração significativa da população se encontrará em uma situação de pobreza educacional nas próximas décadas (Ibid., p 17).

Analisando o analfabetismo na população de 15 anos ou mais de idade no último século, conforme mostra a Tabela 1, dois pontos aparentemente contraditórios chamam a atenção. Em números relativos, há uma redução extraordinária do analfabetismo ao longo do século XX, cujas taxas caíram de 65,3% em 1900 para 13,6% no ano 2000. Entretanto, a quantidade de pessoas analfabetas cresceu a cada decênio até o censo de 1980, começando a diminuir a partir do censo de 1991, conforme é demonstrado, também, na Figura 1, construída com dados da Tabela 1.

A esse respeito, Ferraro (2009), em estudo sobre a trajetória do analfabetismo no Brasil, no período de 1872 a 2000, analisando as taxas de analfabetismo e seus números

absolutos, considera que há “meias verdades” nas afirmações sobre a redução do

analfabetismo no Brasil.

Em sua análise, Ferraro (2009, p. 85) afirma que trata do analfabetismo absoluto7

porque: ‘‘Saber ler e escrever é a única característica educacional da população que foi

investigada em todos os censos brasileiros, sem exceção”. Decorre daí sua importância em estudos históricos sobre a educação brasileira.

Do mesmo modo, a análise aborda a população de 5 anos ou mais de idade porque é nessa faixa etária que, também, o analfabetismo foi apurado em todos os censos brasileiros. Outros indicadores educacionais e outras faixas etárias só foram incluídos a partir do censo de 1940, quando o IBGE passou a assumir os recenseamentos. Ferraro ainda esclarece que desconsiderou, em sua análise, o censo de 1900 devido às suas deficiências, especialmente, na parte referente à escolarização (FERRARO, 2009, p. 88-91).

(22)

Tabela 1 - Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais de idade - Brasil – 1900/20008

Ano

População de 15 anos ou mais

Total (1) Analfabeta (1)

Taxa de Analfabetismo

(%)

1900 9.728 6.348 65,3

1920 17.564 11.409 65,0

1940 23.648 13.269 56,1

1950 30.188 15.272 50,6

1960 40.233 15.964 39,7

1970 53.633 18.100 33,8

1980 74.600 19.356 26,0

1991 94.891 18.682 19,7

2000 119.533 16.295 13,6

Fonte: IBGE. Censos demográficos. Nota: (1) Em milhares.

Trabalhando com as faixas etárias de “5anos ou mais” e “10 anos ou mais” de idade, Ferraro (2009, p. 86) mostra que, de 1872 até 1890, início da República, houve “[...]

estabilidade da taxa nacional de analfabetismo em nível extremamente elevado, situada entre 82% e 83% para as crianças de 5 anos ou mais [de idade]”.

Prosseguindo a análise, Ferraro observa que essas altas taxas começaram a declinar a partir da última década do século XIX, dando início ao movimento de queda contínua das taxas de analfabetismo no Brasil. Entretanto, até 1980, o número de pessoas analfabetas cresceu gradativamente, provocando equívocos nas afirmações sobre a diminuição do analfabetismo no País:

Dizer que o analfabetismo caiu continuamente a partir do final do século XIX não é mais do que uma meia verdade. Essa meia verdade constitui o seguinte: em termos percentuais, mesmo que muito lentamente, a taxa de analfabetismo efetivamente veio diminuindo de censo a censo, a contar da última década do século XIX até o ano 2000. Em números absolutos, porém, o analfabetismo conheceu, por mais de um século, exatamente o movimento inverso: aumentou. Com efeito, [...], do Censo de 1872 até o Censo de 1980 o contingente ou o número absoluto de não-alfabetizados (as) entre pessoas de 5 anos ou mais aumentou 4,5 vezes, passando sucessivamente de 7,3 milhões em 1872, para 10,1 milhões em 1890 [...], até atingir o ponto máximo de 32,7 milhões em 1980. (FERRARO, 2009, p. 101).

(23)

Portanto, os estudos de Ferraro confirmam as observações apontadas a respeito dos dados sobre o analfabetismo na população de 15 anos ou mais de idade.

Figura 1 – Crescimento absoluto (

) e taxa de crescimento (■) da população analfabeta com 15 anos ou mais de idade no Brasil, no período de 1900 a 2000.

Entre outras consequências, o analfabetismo contribuiu para enquadrar o Brasil, no último decênio do século XX, nas piores posições em desenvolvimento humano, conforme mostra a Tabela 2 (BRASIL, 2012a). Entre os 100 países participantes da pesquisa, o Brasil encontrava-se na 73ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com 13,6% de analfabetismo na faixa etária de 15 anos ou mais de idade, enquanto os países localizados até a 21a posição em IDH apresentavam taxa de 0% de analfabetismo.

Essa posição ocupada pelo Brasil agrava o problema quando se consideram os avanços científicos e tecnológicos e a sofisticação dos meios de informação e comunicação incorporados aos processos produtivos e à vida cotidiana da sociedade. Avanços que exigem de toda a população, nas cidades e no campo, nas regiões mais e menos desenvolvidas economicamente, o domínio de conhecimentos e habilidades básicas, adquiridos nos processos de escolarização, considerados indispensáveis à formação e ao exercício da cidadania.

6.348

11.409 13.269

15.272 15.964

18.100 19.356 18.682 16.295

65,3 65

56,1 50,6 39,7 33,8 26 19,7 13,6 0 10 20 30 40 50 60 70 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000

1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

T ax a de an alfa bet is m o (%) Po pu la çã o an alfa bet a ANO

(24)

Tabela 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Taxa de Analfabetismo da População de 15 anos ou mais – 2000

País IDH Posição

Taxa de Analfabetismo

(%)

Noruega 0,942 1º 0,0

Austrália 0,939 5º 0,0

Áustria 0,926 15º 0,0

Espanha 0,913 21º 0,0

Portugal 0,880 28º 7,8

Argentina 0,844 34º 3,2

Chile 0,831 38º 4,2

Costa Rica 0,820 43º 4,4

Trinidad e Tobago 0,805 50º 1,7

México 0,796 54º 8,8

Colômbia 0,772 68° 8,4

Brasil9 0,757 73° 13,6

Peru 0,747 82º 10,1

Equador 0,732 93º 8,4

Cabo Verde 0,715 100º 26,2

Fonte: PNUD e UNESCO.

Com o aceleramento desse quadro no final do século XX, o Brasil entra no século XXI mantendo o analfabetismo em níveis ainda muito elevados. Conforme mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada em 2005 (BRASIL, 2006a), a taxa nacional de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade decresceu menos de 2 pontos percentuais, passando dos 13,6%, registrados pelo censo de 2000, para 11%.

Do mesmo modo, outros itens se mantêm, mostrando que houve poucas alterações no quadro do analfabetismo no Brasil, a exemplo da acentuada desigualdade entre as regiões geográficas. A Tabela 3 mostra que as taxas mais baixas na mesma faixa etária foram registradas nas regiões Sul com 5,9%, Sudeste com 6,5% e Centro Oeste com 8,9%, enquanto a região Norte registrou 11,5% e o Nordeste, mantendo uma tendência histórica, registrou 21,9%.

A PNAD/2005 revelou que também continuam elevadas as disparidades entre os meios urbano e rural, como se verifica na mesma tabela. Enquanto no meio urbano, o analfabetismo na população com 15 anos ou mais de idade caiu para 8,4%, no meio rural foram registrados 25%.

(25)

Tabela 3 - Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por situação de domicílio, nas grandes regiões brasileiras – 200510

Brasil/ Regiões

Analfabetismo % Analfabetismo Funcional % Total Urbano Rural Total Urbano Rural

Brasil 11,0 08,4 25,0 23,5 19,3 45,8

Norte 11,5 08,9 20,5 27,1 21,9 43,7

Nordeste 21,9 16,4 36,4 36,3 28,5 56,7

Sudeste 6,5 5,7 17,2 17,5 15,8 38,4

Sul 5,9 5,1 9,8 18,0 15,6 29,5

Centro-oeste 8,9 07,9 15,4 21,4 18,9 36,8

O problema assume maior gravidade quando se aplica, na análise, o conceito de analfabetismo funcional, mais adequado à realidade contemporânea. Comparando os dois indicadores, observa-se na Tabela 3 que a taxa nacional de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade eleva-se dos 11% de analfabetismo absoluto para 23,5% de analfabetismo funcional. Assim, considerando o segundo parâmetro adotado pelo IBGE, quase ¼ da população brasileira com 15 anos ou mais de idade, no ano de 2005, não era alfabetizada.

As reflexões desenvolvidas até o momento, já sugerem, entre outras suposições, a necessidade de serem intensificados estudos sobre a relação entre pobreza e analfabetismo, produzindo conhecimentos que fundamentem a definição de políticas públicas que associem os programas de combate ao analfabetismo com programas sociais, capazes de elevar a qualidade de vida das camadas mais pobres da população.

Focando a Região Nordeste, que continua apresentando os índices mais elevados de analfabetismo entre as regiões brasileiras, a PNAD/2005 mostra que o estado de Alagoas, onde foi desenvolvida esta pesquisa, continua na liderança do problema, com 29,3% de analfabetismo e 42,1% de analfabetismo funcional, atingindo o percentual alarmante de 60,4% no meio rural (Tabela 4).

É importante ressaltar que o conceito de analfabetismo funcional começou a ser adotado pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (UNESCO11) somente no final da década de 70, ao considerar “[...] alfabetizada

(26)

funcionalmente, a pessoa capaz de utilizar a leitura, a escrita e habilidades matemáticas para fazer frente às demandas de seu contexto social e utilizá-las para continuar aprendendo e se

desenvolvendo ao longo da vida” (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, AÇÃO EDUCATIVA, 2001, p. 3).

Tabela 4 - Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por situação de domicílio, na região Nordeste – 200512

Brasil / Nordeste

Analfabetismo (%) Analfabetismo Funcional (%)

Total Urbano Rural Total Urbano Rural

Brasil 11,0 08,4 25,0 23,5 19,3 45,8

Nordeste 21,9 16,4 36,4 36,3 28,5 56,7

Alagoas 29,3 22,1 44,0 42,1 33,3 60,4

Piauí 27,4 18,5 42,9 41,8 30,3 62,2

Maranhão 23,0 17,3 35,1 40,5 31,7 59,1

Paraíba 25,2 20,8 41,7 38,3 32,9 58,3

Ceará 22,6 17,7 38,4 35,6 29,0 57,1

Sergipe 19,7 15,4 39,6 34,1 28,8 58,6

Bahia 18,8 12,7 31,6 35,6 26,1 55,6

Pernambuco 20,5 15,5 38,0 32,4 25,9 55,1

R. G. Norte 21,5 17.4 32,6 32,3 27,1 46,4

Entretanto, o Brasil só passou a utilizar esse conceito cerca de 20 anos após sua adoção pela UNESCO, quando o IBGE, na década de 1990, começou a levantar índices de analfabetismo funcional, utilizando como referência o número de anos de estudo concluídos pelas pessoas. Segundo esse critério, são consideradas analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de estudo bem sucedidos. Supunha-se, portanto, que somente com o primeiro segmento do ensino de 1º grau concluído (atual ensino fundamental), uma pessoa estaria alfabetizada.

Passados mais de 20 anos, o IBGE continua utilizando a mesma “medida” para considerar uma pessoa “alfabetizada funcionalmente”. Medida seguramente obsoleta frente às

(27)

mudanças na vida das sociedades humanas, no contexto de crescente globalização mundial, o que amplia a gravidade do problema do analfabetismo.

A literatura que estuda o analfabetismo no Brasil, por meio da análise das políticas educacionais (ANDRADE e DI PIERRO, 2007; FERRARO, 2009; FREIRE, 1993; HADDAD e DI PIERRO, 2000; KLEIMAN, 2001; SÁ, 2002, entre outros), aponta uma diversidade de fatores que contribuem para sua manutenção. Mostram que, além de não disponibilizarem condições necessárias e suficientes à ação escolar, entre outros aspectos, têm se caracterizado pela oferta de uma educação desvinculada da vida cotidiana das camadas populares, que ignora suas necessidades pessoais e os interesses coletivos da sociedade, em especial, das camadas mais pobres da classe trabalhadora.

Os problemas decorrentes dessas políticas instalam-se na base do sistema educacional, ou seja, no interior das unidades escolares, onde são desenvolvidas as práticas educativas que devem concretizar a escolarização da população. Nesse espaço particular, situam-se problemas relacionados aos conteúdos curriculares, à formação, remuneração e prática docente dos professores, à gestão da escola, às condições materiais dos espaços físicos escolares, à relação da escola com os estudantes e suas famílias, entre outros.

Estudos que abordam, mais especificamente, a educação de jovens e adultos, apontam uma diversidade de fatores que têm contribuído para o fracasso de programas de alfabetização, conforme passou a ser considerado em análises críticas sobre o problema.

Kleiman (2001), por exemplo, referindo-se aos programas nacionais de alfabetização de jovens e adultos, promovidos pelo Estado brasileiro desde as primeiras décadas do século XX, destaca a concepção negativa sobre a capacidade cognitiva do adulto, que fundamentava esses programas, e sua repercussão, até o presente, na prática dos professores:

Muitos são os fatores que podem ser mencionados como causas de tantas tentativas fracassadas. Nas décadas de 30 e 40, colocava-se abertamente o ônus do fracasso no próprio adulto, até nos meios educacionais. O adulto que não sabia ler nem escrever era considerado deficiente e incapaz de aprender. Em círculos acadêmicos, ou entre especialistas, essa visão deixou de ser aceita já no início da década de 50, graças aos trabalhos de educadores e de psicólogos que trouxeram evidências importantes contra essa concepção. Entretanto, esse preconceito não sumiu do imaginário nacional e continua influenciando o trabalho de muitos professores, os quais, assim justificam o fracasso de seus alunos. Mais recentemente, fatores sociais e políticos são apontados como relevantes para explicar o fracasso da alfabetização de adultos. (Ibid., p. 17).

(28)

de direção altera radicalmente a compreensão do problema, no sentido da identificação de fatores responsáveis pela sua manutenção e da formulação de proposições capazes de contribuir para sua superação.

Sem desconsiderar estudos existentes na área, a exemplo de alguns que serão abordados a seguir, o quadro apresentado suscita a necessidade de novos estudos sobre o analfabetismo no Brasil, que diversifiquem, ampliem e aprofundem o conhecimento sobre o problema, de modo a fundamentar a definição e execução de políticas educacionais que garantam o seu combate e efetivem, pelo menos, a escolarização básica da população brasileira, conforme as demandas e necessidades da sociedade e as imposições constitucionais do País. Sem esquecer que a eficácia das políticas educacionais exige, do Estado, a adoção de outras políticas sociais que possibilitem a elevação das condições de vida das camadas populares, capazes de lhes possibilitar, entre outros direitos, frequentar a escola na idade apropriada.

2. No campo, o problema do analfabetismo piora

As estatísticas do IBGE sobre o analfabetismo por domicílio registram, como visto anteriormente, índices bem mais elevados nas populações do campo. A disparidade nas taxas entre cidade e campo, associadas aos indicadores educacionais de evasão, reprovação, repetência, distorção idade-série, entre outros, denuncia a inadequação das políticas de educação do campo, no âmbito de um quadro social mais amplo13.

Há estudos que são unânimes em afirmar que desde o período da colonização brasileira as ações destinadas à educação das populações campesinas priorizaram os interesses dos grupos economicamente dominantes, em detrimento das demandas gerais da sociedade e dos interesses dos próprios destinatários.

Neste sentido, Leite (1999, p. 14) afirma: “A educação rural no Brasil, por motivos

socioculturais, sempre foi relegada a planos inferiores e teve, por retaguarda ideológica, o elitismo acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação político-ideológica da oligarquia rural”.

(29)

Pessoa (2007), em estudo sobre a educação do campo no Brasil, aponta a inadequação do sistema de ensino como uma das causas do problema, na medida em que se transpõe para o

campo a “escola pensada e praticada na cidade”, apontando, como consequência, a incidência

maior do analfabetismo nas áreas rurais:

(...) Uma consequência direta, entre outras, é uma incidência muito maior do analfabetismo na zona rural que nas cidades. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 2004, a taxa de analfabetismo entre os brasileiros com mais de 15 anos é de 11,6%, com 8,9% entre a população urbana contra 27,2% entre a população rural (Ibid., p. 29-30).

Damasceno e Bezerra (2004), por meio de uma análise de pesquisas que estudam as condições gerais de ensino e aprendizagem nas escolas do campo, verificaram que esses trabalhos, embora constatem a inadequação do tipo de escolarização destinada às populações campesinas, destacam a importância da educação escolar para essas populações:

Apesar de reconhecerem que a escola pública rural é limitada e precária, tanto as populações rurais pesquisadas como os estudiosos consideram que essa instituição tem papel fundamental na divulgação do saber universal para a população rural, devendo, por isso, ser avaliada e, sobretudo, ter sua função sócio-pedagógica e conteúdos curriculares redefinidos para que de fato venha a atender aos reais interesses dos grupos sociais a que se destina. (Ibid., p. 79).

Em documento publicado pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2004a), no qual são apresentados subsídios para definição de uma política educacional para o campo, o Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), reconhecendo a desigualdade histórica na oferta de educação para as populações rurais, também atribui o estado atual da área à origem elitista da educação brasileira, direcionando a análise para os fatores localizados nos espaços escolares:

(...) Esse panorama condicionou a evolução da educação escolar brasileira e nos deixou como herança um quadro de precariedade no funcionamento da escola do campo: em relação aos elementos humanos disponíveis para o trabalho pedagógico, a infraestrutura e os espaços físicos inadequados, as escolas mal distribuídas geograficamente, a falta de condições de trabalho, salários defasados, ausência de uma formação inicial e continuada adequada ao exercício docente no campo e uma organização curricular descontextualizada da vida dos povos do campo. (Ibid., p. 7)

(30)

populações do campo, abordando programas promovidos pelo Estado e iniciativas de organizações da sociedade civil.

Sobre ações mais recentes, Andrade e Di Pierro (2007) constataram que os programas analisados não chegavam a configurar uma política universal de educação para o campo, dada a fragmentação, falta de coerência, abrangência limitada, além de disparidades nas suas orientações:

Perspectivas compensatórias de educação, que não questionam as desigualdades sócio-territoriais, convivem com projetos educativos que aspiram fortalecer os movimentos dos trabalhadores rurais para transformar as relações sociais no campo e também as relações campo/cidade. Há projetos descontextualizados que tendem a desenraizar o homem do campo e propostas que respeitam o modo de vida e a cultura da população que aí vive e trabalha. Há quem privilegie a formação de mão-de-obra para o mercado em resposta às necessidades da agricultura moderna, e quem se proponha a formar sujeitos sociais engajados em processos de mudança econômica, cultural e política. Há quem inscreva como objetivo educar com mais qualidade dentro do modelo escolar urbano e quem reconhece a especificidade do campo. Há programas que pensam a educação para o campo e programas que se propõem a pensar a educação com os sujeitos do campo (ANDRADE, DI PIERRO 2007, p. 78).

Entre as contribuições que esses estudos oferecem para a compreensão do analfabetismo e da alfabetização na realidade brasileira, destaco a necessidade que eles sugerem de se intensificarem as pesquisas sobre a educação das populações do campo, tendo em vista especificidades que precisam ser consideradas no seu atendimento escolar.

Neste sentido, convém ressaltar, também, o Art. 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9394/1996), o qual estabelece que: “Na oferta da educação básica para a

população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região [...]”, incluindo conteúdos curriculares, metodologias e até um calendário escolar apropriado. Entretanto, parece que essas determinações são pouco consideradas pelos sistemas de ensino.

Quanto às pesquisas, suponho que é necessário se investigarem as repercussões na vida das populações campesinas provocadas por mudanças na estrutura socioeconômica das áreas rurais, em especial o avanço da agroindústria, a diversificação e mecanização da produção, a difusão dos meios de comunicação e informação, entre outras, que vêm ampliando e intensificando, no campo, exigências da cultura letrada14, conforme já vem sendo constatado há décadas por estudiosos da área (MARTINS, 1978, 2005; SÁ, 2002; WHITAKER, 1992; WHITAKER, ANTUNIASSI, 1993; entre outros).

(31)

3. Formação de professores: uma visão crítica

A formação profissional dos docentes constitui-se, desde o advento da escola moderna, num dos fatores relevantes do debate sobre a função da educação escolar, a qualidade do ensino e o próprio desenvolvimento da carreira profissional do professor (TARDIF, LESSARD, 2005, 2008).

A inclusão do tema, neste estudo, responde ao propósito de análise das relações entre as representações de professores-alfabetizadores e sua formação docente.

Inicio a abordagem do tema desenvolvendo uma reflexão apoiada em autores filiados a uma linha de pensamento progressista (FELDMANN, 2004, 2009; FREIRE, 1979, 1981, 2007; GARCIA, 1999; TARDIF, LESSARD, 2005, outros), destacando, nas produções consultadas, pontos que considero mais pertinentes aos objetivos deste trabalho.

Dou destaque à produção de Freire, em cuja obra construiu um pensamento pedagógico que expressa uma teoria da educação, situada no campo do pensamento crítico-dialético. De sua obra, selecionei textos que abordam sua concepção de educação, prática pedagógica e formação docente.

Examino, também, estudos de Tardif e Lessard, especialmente, sobre profissionalização do professor e perspectivas de análise do trabalho docente.

Para situar a formação do professor na realidade brasileira, examino, na legislação, como o Estado conceitua o trabalhador da educação, além de conceber e normatizar a formação docente. Por fim, analiso a formação do professor para atuar na educação de jovens e adultos, ressaltando a especificidade da formação do professor-alfabetizador.

3.1 A formação docente na visão de pensadores progressistas

(32)

Iniciando a discussão do primeiro tema, o autor diz que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Ibid., p.

22, grifos do autor). Anuncia, assim, uma concepção de educação que entende o ato pedagógico como processo de conhecimento, o professor e o aluno como sujeitos produtores de conhecimento e a relação pedagógica, necessariamente, uma relação democrática.

Essa concepção, cujas bases conceituais já se encontram em sua primeira obra -

Educação como prática da liberdade (FREIRE, 1979) - contrapõe-se à pedagogia tradicional, que o autor denomina de educação bancária, porque considera o ensino um ato estrito de transmissão de conhecimento, o professor, o detentor do saber e o aluno, o ser passivo a quem cabe absorver os conteúdos transmitidos pelo professor (grifos meus).

Nessa primeira obra, Paulo Freire apresenta uma análise da pedagogia tradicional, ao desenvolver uma crítica radical à escola brasileira. Intensifica sua análise no livro Pedagogia do oprimido (FREIRE, 1981), escrito no exílio após o golpe militar de 1964 no Brasil, ao mesmo tempo em que aprofunda sua concepção crítica de educação, denominando-a de

concepção problematizadora, que vai sendo revista e ampliada ao longo das suas obras, até o final de sua vida, em 1997 (grifos meus).

Ao criticar a escola brasileira pelo ensino de conteúdos desconectados da realidade social, econômica, política e cultural, pelas práticas pedagógicas autoritárias, conservadoras e discriminatórias, pelos métodos de ensino arcaicos, desvinculados da pesquisa, da produção de conhecimentos, afeitos à verbosidade e à memorização mecânica, dentre outras características, Freire propõe uma educação contextualizada, que possibilite o desenvolvimento da consciência crítica das camadas oprimidas, na perspectiva da sua emancipação.

A concepção bancária, ao privilegiar a memorização mecânica como meio de aprendizagem, em resposta à transferência de conhecimentos como meio de ensino, poda a curiosidade e freia a criatividade do educando e do educador, impede o desenvolvimento da autonomia de ensinar, estudar e aprender. Nesse processo pedagógico, a função do professor é depositar, nos alunos, os “conteúdos que são retalhos da realidade, desconectados da

totalidade em que se engendram e em cuja visão eles ganhariam significação” (Ibid., p. 65).

Aos alunos cabe, paciente e disciplinadamente, receber os conteúdos, memorizá-los e repeti-los em exercícios e provas, que definem sua ascensão na carreira escolar.

Na concepção pedagógica crítica, o ato de aprender, em interação com o ato de

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quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e desenvolve [...] a curiosidade epistemológica, sem a qual não alcançamos o conhecimento

cabal do objeto” (FREIRE, 2007, p. 24-25).

Ao revelar a dimensão epistemológica e democrática do processo pedagógico, as reflexões acima mostram a interconexão entre o ato de ensinar e o ato de aprender, ancorando a afirmação do autor:

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender (FREIRE, 2007, p. 23-24).

Convém ressaltar que a democratização da relação pedagógica, segundo a concepção pedagógica freireana, não anula o papel do professor na direção do processo pedagógico. Pelo contrário, redimensiona e amplia sua responsabilidade, exigindo-lhe competência para exercer a ação docente, com a autoridade que o papel lhe confere, por meio de conhecimentos e habilidades necessárias à prática pedagógica, conforme afirma o autor:

Especificamente humana, a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística, é moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos. Exige de mim, como professor, uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais ligados à minha atividade docente (Ibid., p. 70).

Reforçando sua posição sobre a exigência da competência técnica do professor, que não deixa de ser política, dirigindo-se especificamente ao professor-alfabetizador, Freire

indaga: “Como alfabetizar sem conhecimentos precisos sobre a aquisição da linguagem, sobre linguagem e ideologia? Sobre técnicas e métodos do ensino da leitura e da escrita?” (Ibid., p.

81).

À competência técnica, que implica rigorosidade metódica, o autor associa a dimensão afetiva da prática pedagógica, exigida na formação do professor, consequentemente, em sua ação docente:

(34)

A reflexão sobre a prática é um dos princípios fundamentais da formação docente recorrente no pensamento freireano. Em suas primeiras obras, Freire aborda a questão por meio do conceito de práxis, entendida como movimento de ação e reflexão, correspondente ao

“quefazer” exercido exclusivamente pelos seres humanos: “[...] se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. [...] é teoria e prática”.

Assim sendo, toda prática exige uma teoria que a ilumine, do contrário, o fazer humano poderá reduzir-se a um verbalismo ou a um ativismo (FREIRE, 1981, p. 145).

O autor retoma, em outros textos ao longo de sua obra, o princípio da reflexão sobre a

prática como exigência da prática pedagógica crítica: “A prática pedagógica crítica,

implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar

sobre o fazer” (FREIRE, 2007, p. 38)15. Portanto, se o pensar certo é uma condição para a

prática pedagógica crítica e se a prática pedagógica crítica requer uma reflexão crítica, então, esses devem ser conteúdos indispensáveis à formação docente.

Essa posição é compartilhada por Feldmann, em artigo que defende uma formação docente com qualidade social e compromisso político, apontada como tendência em pesquisas recentes na área:

As recentes investigações nacionais e internacionais sobre a formação de professores apontam a necessidade de se tomar a prática pedagógica como fonte de estudo e construção de conhecimento sobre os problemas educacionais, ao mesmo tempo em que se evidencia a inadequação do modelo racionalista-instrumentista em dar resposta às dificuldades e angústias vividas pelos professores no cotidiano escolar, embora seja esse o paradigma mais presente em nossas escolas. (FELDMANN, 2009, p. 75).

Tardif e Lessard (2005) também entendem o trabalho docente como uma profissão que, associada a outros requisitos necessários ao seu exercício, exige formação específica.

No estudo que desenvolvem a esse respeito, criticam as visões normativas e moralizantes, prevalecentes nas pesquisas sobre o trabalho docente e optam por desenvolver uma análise que privilegia o fazer cotidiano dos professores em seus locais de trabalho, abordando suas atividades materiais e simbólicas, numa visão de totalidade.

Os autores entendem que, do ponto de vista sociológico, assim como todo trabalho humano socializado, é possível analisar o trabalho do professor em função de determinadas dimensões. Na análise que realizam, abordam o trabalho docente como atividade, status e experiência, ressaltando que, na prática, essas dimensões se mantêm interligadas. Entretanto,

15Para Freire, o pensar certo se contrapõe ao pensar ingênuo. Exige a rigorosidade metódica que caracteriza a

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no plano teórico da análise, exigem distinção sem, contudo, perderem-se de vista as conexões entre elas (TARDIF, LESSARD, 2005, p. 48-49).

Uma análise que aborde a dimensão do trabalho docente como atividade, em seus aspectos organizacionais e dinâmicos, foca o ensino como núcleo central do trabalho do

professor. Nesse sentido, ensinar no contexto escolar “[...] é agir na classe e na escola em

função da aprendizagem e da socialização dos alunos, atuando sobre sua capacidade de aprender, para educá-los e instruí-los com a ajuda de programas, métodos, livros, exercícios,

normas, etc.” (Ibid., p. 49).

Considerar a atividade docente como um trabalho implica, necessariamente, entendê-la como uma atividade profissional exercida por profissionais especializados. Atividade que requer formação específica, com vistas ao cumprimento dos fins e objetivos inerentes à sua função precípua: a escolarização. Desse ponto de vista, a análise da atividade docente pode ter como foco as estruturas organizacionais, que condicionam seu desenvolvimento, ou seus aspectos dinâmicos que, na prática, são interligados, na medida em que o trabalho docente desenvolve-se num ambiente organizado - a escola.

Sendo uma atividade profissional a ser exercida por profissionais especializados, o trabalho docente confere ao professor um status, expresso numa identidade profissional que o distingue no interior da organização do trabalho e no espaço da organização social.

Tardif e Lessard (2005, p. 50 ) supõem que “[...] o status dos professores, tanto no plano normativo quanto no das funções cotidianas que eles precisam exercer, atualmente parece por demais fragilizado e como que sacudido por expectativas, necessidades, pressões antagônicas.” Nesse contexto, entendem esses autores que a identidade docente, além de se

apresentar muito heterogênea, destaca mais o professor do que a instituição escolar. Decorrente dessa tendência, ou como consequência dela, a construção da identidade docente vem, progressivamente, se tornando uma tarefa mais do professor do que da instituição escolar.

Essas suposições mostram-se relevantes nas reflexões sobre a formação docente em função da qualificação da escolarização oferecida à população, tanto quanto sobre a organização e luta dos profissionais da educação, em prol da sua valorização enquanto categoria de trabalhadores, conforme dispõe a Constituição do País e a legislação pertinente.

A terceira dimensão, que os autores citados se dispuseram a examinar em sua análise, é a docência como experiência, que pode ser abordada sob dois ângulos. No primeiro, a

experiência é compreendida como “[...] um processo de aprendizagem espontânea, que

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Tabela 1 - Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais de idade - Brasil  –  1900/2000 8
Figura 1  –  Crescimento absoluto ( ● ) e taxa de crescimento (■) da população analfabeta  com 15 anos ou  mais de idade no Brasil, no período de 1900 a 2000
Tabela 2 – Índice  de  Desenvolvimento Humano (IDH) e  Taxa  de  Analfabetismo da  População de  15 anos ou  mais – 2000
Tabela 3 - Taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por  situação de domicílio, nas grandes regiões brasileiras – 2005 10
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