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Consolidação/renovação de quadros e contacto com Emilio Pomàrico

Capítulo 5. Casa da Música | A nova face do projeto artístico

5.4. Consolidação/renovação de quadros e contacto com Emilio Pomàrico

Polémicas à parte, falamos de um período de grande afirmação do Remix Ensemble, em que as digressões constituiriam parte decisiva naquele que foi o processo de desenvolvi- mento artístico do grupo, mormente no período que se seguiria à instalação na Casa da Música e concomitante adaptação às particularidades da regência de Peter Rundel, para nem mencionar a exposição a um conjunto de novas experiências musicais. Mas esta seria também fase de mudanças na composição do agrupamento. Sendo que, desta feita, o contexto se mostraria con- sideravelmente diferente. Se, quando da fundação do Remix, apenas um terço dos lugares ficara destinado a instrumentistas de nacionalidade portuguesa, nestas pontuais renovações de qua- dros, a situação seria outra. Na sua esmagadora maioria, as necessidades do grupo cobrir-se-

iam através da admissão de músicos portugueses — atestando, de acordo com Peter Rundel, o notório desenvolvimento do ensino musical no país.

No início do Remix, a maior parte dos músicos veio do estrangeiro. Foram escolhidos pelo Stefan Asbury e pelo António Pacheco, que fizeram audições nalgumas cidades europeias. Entretanto, alguns deles quiseram ou tiveram de sair — foram substituídos —, e acontece que, na sua maioria, os músicos que se seguiram eram portugueses. Não porque tivéssemos algum tipo de pre- ferência por instrumentistas portugueses, mas tão-simplesmente porque fo- ram os melhores candidatos. O que é fantástico — e que, se calhar, nos diz algo sobre o sistema educativo, sobre o ensino musical, em Portugal. Hoje em dia, há uma geração de jovens músicos portugueses que está, absoluta- mente, ao melhor nível internacional. Talvez porque, nos últimos vinte anos, o estado português tenha, de alguma maneira, investido no ensino da música — e, sinceramente, espero que isso continue. (Peter Rundel)

Sinal de que — entende a equipa diretiva do Remix — a base de captação era, ora, consideravelmente diferente — fruto de um rápido desenvolvimento, no plano técnico-inter- pretativo, do meio musical português —, o grosso das vagas, nesta fase de remodelações (2005– 2011), preencher-se-ia por recurso a músicos nacionais, com especial incidência nos sopros, e, mais particularmente, na secção dos metais. Já no que toca à familiaridade com as várias cor- rentes estéticas contemporâneas, pouco ou nada se alteraria. Nenhum dos instrumentistas inte- grados tinha formação e/ou experiência profissional significativa na área da nova música. Ce- nário que, sendo talvez mais previsível num contexto inicial, de estabelecimento do ensemble, se revela algo surpreendente num momento já mais adiantado do seu percurso artístico, em que, como até aqui exposto, se sentiam claras repercussões de um processo de afirmação no espaço europeu.

Neste quadro, a experiência adquirida dos seus membros fundadores revelar-se-ia, por isso, essencial a uma rápida integração destes instrumentistas mas, também, à própria preser- vação da identidade musical da formação.

Tem havido alguma renovação, principalmente nos metais. O resto, nem tanto, mas nos metais tem havido algumas mudanças. Mas acho que o facto de nós termos crescido todos juntos ajudou o grupo aí. Admito que a experi- ência dos fundadores ajuda: por exemplo, quando um dos novos elementos entra no grupo, ao fim de dez anos, é como entrar num comboio em anda- mento. E nós temos tido a felicidade de receber excelentes músicos, que en- tram no grupo e tem tudo corrido muito bem, mas é uma experiência comple- tamente diferente. Eu sinto isso, e partilhei isso com eles. De alguma maneira, a coisa foi construída desde a base, para quem está desde o início. E quem entra a meio do percurso, apanha um comboio em andamento, que já tem uma série de truques. Coisas que, para nós, são corriqueiras, e quem chega de

novo, de repente, apanha-se aqui no meio... Não tem a experiência que nós já temos. Obviamente que a integração de um é sempre mais fácil do que criar um grupo de raiz, mas, sim, acho que essa foi uma das razões que fizeram o grupo crescer e ter-se aguentado, tornar-se um grupo sólido. (M13)

Durante o referido período de transição — em que, para além das pontuais mexidas na constituição do agrupamento, se processava ainda a mudança para a Casa da Música e, dado não menos relevante, a adaptação a uma nova direção musical —, as visitas regulares do argen- tino Emilio Pomàrico constituiriam, também elas, um verdadeiro marco no seu desenvolvi- mento artístico. Entre os vários «maestros peripatéticos» com quem teriam oportunidade de trabalhar — para fazer uso da terminologia de Faulkner (1973: 148) —, nenhum outro dirigente lograria um tal tipo de influência sobre o grupo — ponto, desde logo, corroborado pelos teste- munhos de diversos membros efetivos do Remix.

Depois da saída do Stefan — acho que não o tivemos antes disso —, começá- mos a fazer programas com o Emilio Pomàrico. E foi muito interessante tam- bém, porque era uma direção completamente diferente. Como muitas vezes acontece com os bons maestros, ele era um control freak (risos), mas dife- rente, apesar de tudo. Conseguia retirar tantas subtilezas do ensemble; era fantástico. Uma maneira distinta de tocar. E, por isso, acho que com o Emilio se deu um período novo, na evolução do ensemble. Foi bom; fizemos muita coisa juntos. Tanto o Emilio como o Peter estão entre os maestros mais inte- ressantes com quem trabalhámos, por razões diversas. O Emilio, porque é uma personalidade fora do comum; o Peter, porque já lá vão sete anos, e há a sensação de que construímos algo de interessante, uma espécie de confiança de que podemos fazer bem as coisas, julgo eu. (M1)

Acho que me lembro de quase todos os concertos do Emilio Pomàrico, porque foi uma pessoa que me marcou muito, e que, de certa maneira, me deu alguma confiança para fazer mais, para experimentar mais, ser mais exigente, ir aos limites e tentar abri-los cada vez mais. E isso é uma coisa que nem todos os maestros podem ou querem fazer, porque têm medo, mas o Emilio, de facto, foi uma daquelas pessoas que me marcaram profundamente. (M5)

Compositor e maestro de ascendência italiana, figura de proa no panorama da música contemporânea, Pomàrico seria, entre 2006 e 2012, sensivelmente, «o primeiro maestro convi- dado quer do Remix, quer da Orquestra» (M7), cavando, desse modo, espaço próprio na história do grupo. Do ponto de vista musical, destaca-se, entre os instrumentistas da formação, a relativa unanimidade quanto à qualidade da sua direção, a ponto de manifestarem algum «ressenti- mento» pelo facto de o dirigente «não poder continuar a trabalhar» com o ensemble — aspeto que, no entanto, os não impede de reconhecer, igualmente, o seu «temperamento» problemá- tico, evidenciado em não tão pontuais reações de índole pessoal no contacto que manteria com

os músicos (M6). Em todo o caso, e manifesta que é a admiração pela fase em que trabalhariam juntos, várias são as vozes a defender que a passagem de Pomàrico se equipara, em importância, à de um maestro titular.

Outra pessoa com quem também tivemos muito boa relação, como maestro — muito boa relação no sentido musical, artístico, porque, do ponto de vista pessoal, ele é um bocadinho mais difícil —, foi o Emilio Pomàrico. Mesmo não tendo sido maestro titular, foi alguém que — todos o dirão, certamente — nos marcou muito. Sobre todos os pontos de vista. Até porque ele tem uma personalidade muito característica. É um músico excelente — fabuloso, diria — e foi uma pessoa que marcou muito o grupo. Embora nunca o tenha sido, teve um impacto quase semelhante ao de um maestro titular. (M13)

Esta seria, portanto, etapa particularmente rica no percurso artístico do Remix Ensem- ble, em que, a par de Peter Rundel, também o nome de Emilio Pomàrico assume especial pre- ponderância — quer pela frequência das suas visitas, quer pela natureza da relação estabelecida com os músicos —, contribuindo, de forma decisiva, para o desenvolvimento musical de novos e antigos quadros, rumo à consolidação do seu nível performativo.