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A norma jurídica, em geral, é pensada e elaborada dentro de um contexto fático momentâneo e de acordo com o tempo e o espaço. Daí o seu caráter histórico.

A Constituição de uma comunidade política concreta, seu conteúdo, a singularidade de suas normas e seus problemas hão de ser compreendidos de uma perspectiva histórica agregada a uma justificação e configuração teórica32.

Por ser produzida pelo homem e para o homem, inúmeros aspectos extrajurídicos influenciam no processo de criação, de modo que as tensões do momento, os fenômenos econômicos, as manifestações sociais e outros acontecimentos relevantes determinam o movimento pendular de primazia de permissões ou proibições33.

No entanto, atualmente não se pode perder de vista que tanto os que elaboram as leis quanto aqueles que as interpretam e aplicam têm a Constituição Federal como ponto de partida34, parâmetro e limite35.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior36 advertem que a palavra Constituição apresenta sentido equívoco, mas a definem como:

32

HESSE, Konrad. Temas fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 2.

33

Sempre de acordo com a forma de Estado, forma de governo e outras regras referentes ao exercício do poder.

34

Apenas para mencionar, adverte-se, contudo, que esta afirmação é válida no âmbito do constitucionalismo inspirado na noção de Constituição como norma jurídica superior.

35

Dalmo de Abreu Dallari ressalta que a Constituição é a norma jurídica superior, obrigatória para todos e de aplicação imediata (DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da idade média ao século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 316).

36

ARAÚJO, Luiz Alberto David e JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.

(...) a organização sistemática dos elementos constitutivos do Estado, através da qual se definem as formas e a estrutura deste, o sistema de governo, a divisão e o funcionamento dos poderes, o modelo econômico e os direitos, deveres e garantias fundamentais, sendo que qualquer outra matéria que for agregada a ela será considerada formalmente constitucional.

Para José Afonso da Silva37, a Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria a organização dos seus elementos essenciais:

Um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

A Constituição “é a um só tempo o fundamento de validade de todas as leis e a resultante jurídica do equilíbrio das forças políticas existentes na sociedade”38.

Portanto, ainda que o caráter jurídico seja atualmente predominante, os aspectos políticos também integram o conceito de Constituição.

É precária, nos dias de hoje, a crença segundo a qual a elaboração, interpretação e aplicação da norma jurídica infraconstitucional possa ser fundamentada apenas e exclusivamente em aspectos sociológicos ou filosóficos, quando completamente desconectados da Lei Magna.

37 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007,

p. 38.

38

GRINOVER, Ada Pellegrini in CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação

Tais aspectos (sociológicos ou filosóficos) não são desprezados. Eles determinam, pelo menos, o sentido, a orientação da interpretação. Também atuam como elo entre a realidade da vida e a generalidade e abstração da norma, conferindo harmonia e legitimidade ao sistema jurídico.

Essas considerações iniciais são fundamentais quando se coteja a ordem Constitucional vigente no Brasil.

Isso porque a Constituição Federal de 1988 é vultosa e rica em princípios39.

Sem a pretensão de trazer a lume a polêmica sobre a acepção de princípios, é adequada, para as finalidades deste estudo, a definição apresentada por Celso Antônio Bandeira de Mello40:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo41.

39

Luís Roberto Barroso, ao distinguir as funções dos princípios e regras, enfatiza que “Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do Direito”. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional

Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2 ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 204/205).

40

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 948/949.

41

A definição de Celso Antônio Bandeira de Mello também é reproduzida por José Afonso da Silva in SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 91.

É fato que a sociedade se tornou gradativamente mais complexa, as angústias humanas foram globalizadas e são exigidas soluções imediatas para problemas de grande magnitude, que em essência demandariam tempo e reflexão.

A tarefa de solucionar casos concretos inéditos é cada vez mais complicada, pois, como será demonstrado nos próximos capítulos, a própria sociedade enfrenta dilemas de proporções planetárias, e cujas respostas não são encontradas em um dos 35 volumes do Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, elaborado pelos filósofos Iluministas do Século XVIII42.

Muitas vezes, as respostas também não são identificadas nas dezenas de Códigos Jurídicos ou compilações de leis extravagantes do nosso tempo.

Nesses casos, é exigido do intérprete e aplicador da lei, ademais de conhecimento técnico, extrema habilidade para identificar soluções possíveis e viáveis no sistema jurídico positivo e, dentre as soluções identificadas e possíveis, adotar a efetivamente adequada para o caso específico, de acordo com os princípios jurídicos estabelecidos no sistema.

Portanto, a Constituição Federal é a fonte, mas também não deixa de ser o limite da aplicação do Direito, ainda que por intermédio de princípios.

42 Referência aos filósofos D'Alembert e Diderot, que coordenaram a elaboração da "Encyclopédie",

em meados do século XVIII, pois pretendiam compilar todo o conhecimento e saber gerado pelas ciências naturais e humanas da época, com a finalidade de substituir a fé pelo conhecimento, no contexto das ideias Iluministas.

1.8 Constitucionalismo no século XXI: Constituição como