• Nenhum resultado encontrado

Tanto na doutrina como no direito positivo, não há consenso na esfera conceitual e terminológica em relação ao significado e conteúdo da expressão direitos fundamentais80.

79

STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso (ÜBERMASSVERBOT) à proibição de proteção deficiente (UNTERMASSVERBOT) ou de como

não blindagem contra normas penais inconstitucionais. Disponível em: http://leniostreck.com.br/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=66&Itemid=40. Acesso em: 20 ago. 2011.

Relevante, no entanto, reproduzir a distinção de cunho didático feita por Ingo Wolfgang Sarlet entre as expressões “direitos do homem” (no sentido de direitos naturais não, ou ainda não, positivados), “direitos humanos” (positivados na esfera do direito internacional) e “direitos fundamentais” (direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado)81.

Gregório Robles82 explica que os direitos humanos não são direitos no sentido jurídico do termo, mas critérios ou princípios morais. Os direitos fundamentais, por sua vez, seriam autênticos direitos subjetivos que o ordenamento jurídico distingue dos direitos subjetivos ordinários, mediante um tratamento normativo e processual privilegiado.

Os direitos fundamentais devem responder aos processos de desenvolvimento. Isso não implica diminuição, tampouco supressão desses direitos. Significa apenas que novas formas de interpretação ensejarão sua máxima efetividade, de acordo com o momento.

Isso porque o Constituinte de 1988 deixou lacunas no ordenamento. Outras lacunas surgiram posteriormente mediante mudanças sociais e tecnológicas decorrentes da mecanização atual da vida. As alterações basilares das normas valorativas sociais, bem como os desafios ecológicos e demográficos, atualmente fundamentais, sequer eram previsíveis83.

80

Ingo Wolfgang Sarlet adverte que outras expressões, tais como “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” e “direitos humanos fundamentais” são largamente utilizadas, sem que exista um consenso em relação a cada um dos termos (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos

fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 33).

81

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 36.

82

ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Barueri: Manole, 2005, p. 8/9.

83

Trata-se de análise feita por MICHAEL KLOEPFER em relação ao ordenamento Alemão, no entanto, perfeitamente adaptável ao Direito Brasileiro. KLOEPFER, Michael. Os direitos

É tarefa da ciência do direito Constitucional indicar, ao lado dos grandes sucessos dos direitos fundamentais, também as fraquezas existentes, bem como seus desafios e tarefas futuras.

Logo, a interpretação evolutiva dos direitos fundamentais na era da globalização pressupõe o reconhecimento da realidade social, além de disposição e coragem para superar as ultrapassadas compreensões, estabelecendo novas interpretações seguras e aptas a propiciar o fortalecimento da cidadania e a preservação da dignidade humana.

Nesse sentido, Winfried Hassemer84 adverte que:

É sempre necessário defender a esfera privada dos cidadãos, diante de um Estado ainda faminto por informação. Essa interpretação dos direitos fundamentais como garantia às intervenções estatais está correta. Porém, não somente o Estado pode causar danos aos direitos fundamentais, também os poderes particulares o podem.

Segue afirmando que está ultrapassada a compreensão da privacidade que tenha em vista apenas o Estado, pois a periclitação das liberdades parte hoje igualmente dos poderes sociais: de grandes processadores de dados, empreendimentos econômicos, uniões etc.

Da mesma forma, conforme será demonstrado no próximo capítulo, o hiperconsumo gerou o avanço descontrolado da mercantilização da própria existência humana.

Salomão, SARLET, Ingo Wolfgang e CARBONELL, Miguel (organizadores). Direitos, deveres e

garantias fundamentais. Salvador: Editora Jus Podium, 2011, p. 246.

O poder e a soberania do mercado atingem as liberdades, causando, em diversos momentos, danos aos direitos fundamentais. Isto, independentemente da atuação do Estado, que inclusive pode se tornar, na prática, um executor dessa soberania de mercado.

A solução, sob a perspectiva da legitimidade da atuação do Estado de acordo com a Constituição e em consonância com os ditames do Estado Democrático de Direito, estaria ligada à retomada do conteúdo jurídico-objetivo dos direitos fundamentais85.

Neste específico ponto, chama atenção a polêmica estabelecida em relação aos chamados direitos de terceira geração (são os direitos menos individuais ou difusos, como o meio ambiente, saúde etc.) e a possibilidade de reconhecer o status de direitos fundamentais.

Gregório Robles86 ressalta que na Constituição Espanhola eles não gozam de situação privilegiada, pois não têm status de direitos fundamentais.

No entanto, esse não é o direcionamento da Constituição Brasileira.

Ora, os direitos de terceira geração correspondem aos chamados direitos de solidariedade e fraternidade. Sob o Título I da Carta Magna, denominado Dos princípios fundamentais, encontra-se o artigo 3o, que estabelece:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

85 BALTAZAR JUNIOR, Jose Paulo. Crime Organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2010.

86

ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Barueri: Manole, 2005, p.8.

Também no inciso LXXIII do artigo 5o da Constituição Federal:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se encaminha no sentido de reconhecer o status de direitos fundamentais dos direitos de terceira geração (meio ambiente, saúde etc.). Nesse sentido:

I – O Constituinte de 1988, em sintonia com o evolver dos direitos fundamentais de terceira geração, conferiu, no art. 129, III, de sua obra, legitimidade ao Ministério Público para a tutela judicial dos interesses difusos e coletivos, entre os quais está o direito à saúde, o qual pertence à coletividade como um todo (art. 196, caput). (RE 507559, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 14/03/2011, publicado em DJe-060 DIVULG 29/03/2011 PUBLIC 30/03/2011)

Konrad Hesse87 explica que passou a ser admitido que os direitos fundamentais são dotados de conteúdo jurídico-objetivo, correspondente à compreensão dos direitos fundamentais como princípios objetivos que influenciam o conjunto da ordem jurídica e obrigam o Estado a fazer tudo pela sua concretização.

Portanto, compete ao Estado concentrar todas as suas forças para o alargamento do conteúdo dos direitos fundamentais, atuando de maneira incisiva e ativa, sendo-lhe vedada a atuação precária nessa esfera.

87

HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35/40.

Destaca-se, neste ponto, a tendência de expansão dos direitos fundamentais.

Desde meados do século XX, por meio da interpretação, os direitos fundamentais passaram a integrar novas realidades, levando, inclusive, à descoberta de novos direitos fundamentais (por exemplo, o direito fundamental à autodeterminação informativa).

Michael Kloepfer88 relata que, na Alemanha, o Tribunal Constitucional reconheceu o “direito Fundamental à garantia da confiança e integridade dos sistemas técnico-informacionais” e o “direito fundamental à garantia de um mínimo existencial digno”.

Também no Brasil, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se encaminha no sentido de reconhecer a ampliação do conteúdo dos direitos fundamentais. Diversas decisões reconhecem o direito fundamental à garantia de um mínimo existencial.

Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um dos direitos, exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. (SS 3741, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Presidente Min. GILMAR MENDES, julgado em 27/05/2009, publicado em DJe-102 DIVULG 02/06/2009 PUBLIC 03/06/2009)89

88

KLOEPFER, Michael. Os direitos fundamentais da lei fundamental: sucessos, fraquezas, tarefas para o futuro in LEITE, George Salomão, SARLET, Ingo Wolfgang e CARBONELL, Miguel (organizadores). Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: Editora Jus Podium, 2011, p. 246/247.

89

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28direito+fundamental+e+ m%EDnimo+existencial%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia. Acesso em 28 jun. 2011.

Na tarefa relacionada aos deveres de proteção jurídico-fundamentais, não basta a mera omissão do Estado ou o cumprimento dos deveres negativos, ele deve atuar no sentido de assegurar a proteção dos bens jurídicos de direito fundamental contra agressões de terceiros, pois lhe é proibida a insuficiência no contexto do Estado Democrático de Direito, fundado na dignidade da pessoa humana.

Para cumprir seus deveres e efetivamente proteger os bens jurídicos, o Estado conta com inúmeros recursos, dentre os quais, o Direito Penal.