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A Constituição Federal Brasileira de

Assim como a II Guerra Mundial representou o marco histórico do novo Direito Constitucional na Europa continental, no Brasil, o processo de redemocratização tem início com a Constituição Federal de 1988.

A Carta Magna, além de representar a transição do regime autoritário para o Estado Democrático de Direito, simbolizou conquistas e mobilizou o imaginário das pessoas para novos avanços54.

Flávia Piovesan55 ressalta que, a partir da Carta de 1988, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, pois se trata do documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil.

Alguns aspectos merecem menção, em relação às inovações decorrentes da nova Constituição.

O primeiro aspecto que deve ser considerado é que a Carta Magna de 1988 representou verdadeiro marco jurídico da transição ao regime democrático, pois alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais, colocando-se entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria56.

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BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil in THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do

Estado do Ceará. Disponível em:

<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/18540/Neoconstitucionalismo_e_Constitucionaliz a%E7%E3o_do_Direito.pdf?sequence=2>. Acesso em: 08 ago. 2010.

55 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12. ed. São

Paulo: Saraiva, 2011, p. 76.

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PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 77.

O segundo ponto diz respeito à percepção e ao reconhecimento de normatividade aos princípios. Em linhas gerais, isso significa que houve nítida distinção entre princípios e regras.

Princípios consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diversos meios. As regras, por sua vez, são comandos imediatamente descritivos de condutas específicas.

O terceiro aspecto, diretamente relacionado ao anterior, refere-se ao papel do intérprete na definição concreta do sentido e alcance dos princípios.

Interpretação tem como objetivo chegar ao resultado constitucionalmente “correto”, segundo Hesse. Isso se dá através de um procedimento racional e controlável, fundamentando esse resultado de modo igualmente racional e controlável, e criando, dessa forma, certeza e previsibilidade jurídicas, ao invés de acaso, de simples decisão por decisão57.

Compete ao intérprete solucionar eventual colidência entre normas de igual hierarquia ademais de, completando o trabalho do legislador, fazer valoração de sentido para as cláusulas abertas e realizar escolhas entre soluções possíveis58.

Observa-se que dois objetivos foram propostos em relação à interpretação. O primeiro está focado na “correção do resultado” e o segundo no próprio processo, com ênfase na “atividade de atribuir valor”.

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HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p.103.

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Nesse aspecto, KONRAD HESSE adverte que a interpretação constitucional de caráter criativo só ocorre em tese, pois a atividade interpretativa fica vinculada à norma in HESSE, Konrad. Temas

A ênfase da interpretação constitucional no Brasil está atualmente na própria atividade do intérprete. A “busca de um resultado correto” ainda é um tema incipiente, quando se trata de interpretação constitucional.

Logo no artigo 1°, a Constituição Federal de 1988 já declara que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político59.

O aspecto que mais interessa neste momento é o reconhecimento da dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil, pois representou verdadeira mudança de paradigma na forma de pensar, criar, interpretar e concretizar o Direito.

Considerações sobre a dignidade humana serão retomadas no próximo tópico.

Merece menção, também, o extenso rol de direitos e garantias fundamentais explicitados na Carta Magna.

O artigo 5o da Constituição Federal abarca a grande maioria dos direitos e garantias fundamentais. E, seja pela topografia, seja pela descrição minuciosa, ou simplesmente pela amplitude60, não há como negar que o reconhecimento, o

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Norberto Bobbio relaciona direitos do homem, democracia e paz como três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 1).

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Inclusive, a Constituição Federal resguarda como cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais (art. 60, par 4o, inciso IV da CF).

respeito e a preservação dos chamados direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão61 são o mote de todo o sistema jurídico constitucional62.

Esse aspecto é de fundamental importância quando se fala em interpretação conforme a Constituição. Trata-se de um princípio interpretativo, segundo o qual uma lei não deve ser declarada nula enquanto possa ser interpretada em consonância com a Constituição. Também é aplicável quando há ambiguidade ou indeterminação sobre o conteúdo da lei63.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet64, os direitos fundamentais da primeira dimensão são produto do pensamento liberal burguês do século XVIII, de cunho individualista, afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado. São direitos de defesa que demarcam uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face do seu poder.

Portanto, são, em geral, apresentados como direitos de cunho negativo, pois dirigidos a uma abstenção por parte dos poderes públicos (direitos de resistência ou de abstenção perante o Estado) e complementados por um leque de liberdades.

O expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana e a previsão no art. 5o de amplo rol de direitos e garantias são os primeiros passos para a

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Os direitos de primeira geração (ou dimensão) são tão relevantes que é possível afirmar que estão diretamente relacionados à própria democracia.

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Apenas para citar e possibilitar a completa compreensão do assunto, já que esse não é objeto do presente estudo, os direitos de segunda geração ou dimensão são os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos de terceira geração ou dimensão são os direitos de solidariedade e fraternidade. Fala-se ainda em quarta geração ou dimensão dos direitos fundamentais, mas não há consenso sobre sua acepção, de modo que poderiam estar relacionados à globalização, democracia, internet etc.

63 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009,

p.118/119.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 55/56.

análise dos fundamentos e finalidades do direito penal e do processo penal no mundo globalizado.