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Capítulo 2. Comunicação e Aprendizagem, enquadramento teórico e novos cenários de mediação

2.2. Estudos sobre os processos de comunicação, leitura evolutiva e enquadramento

2.3.4. A construção activa do conhecimento

Surgem, entretanto diferentes estudos acerca dos processos cognitivos que colocam uma ênfase especial nos processos de construção cognitiva e que contribuíram para a configuração de uma nova abordagem ao fenómeno da aprendizagem – a do construtivismo. O construtivismo sublinha o papel do sujeito na construção do conhecimento, valorizando igualmente as modalidades de interacção social durante a aprendizagem. De acordo com Schunk (1996) é possível distinguir duas formas principais de construtivismo: o exógeno e o endógeno. No caso do primeiro, a aquisição de conhecimento está relacionada com a reconstrução interna, por parte dos sujeitos, de estruturas existentes no ambiente externo; já o construtivismo endógeno enfatiza que a coordenação das estruturas mentais com vista à construção do conhecimento não depende directamente da informação ambiental, mas antes de estruturas cognitivas internas. Na confluência destas duas formas, Schunk afirma situar-se o construtivismo dialéctico que postula que os processos de construção do conhecimento derivam de uma interacção entre as estruturas internas dos sujeitos e os ambientes e situações que os enquadram (Schunk, 1996).

Para o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) o desenvolvimento cognitivo processa- se em estádios progressivos que evoluem ao longo do tempo e do desenvolvimento da criança: da lógica do concreto e imediato para a lógica simbólica e abstracta (Cf. Gleitman, 1993). Assim, para Piaget, tanto a natureza como a forma da inteligência mudam profundamente ao longo do tempo, numa lógica de diferenciação qualitativa (Cf. Sprinthall e Sprinthall, 1993), sendo as construções activas dos sujeitos e a construção de conhecimento, a partir de actividades e acções que estes exercem sobre os objectos, que estruturam e asseguram o

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desenvolvimento. O trabalho de Piaget baseou-se em diferentes observações de crianças em contextos naturais, como a casa e a escola, e permitiu-lhe concluir que o desenvolvimento cognitivo depende da acção, ou seja, assume-se como um processo activo e dialéctico entre o sujeito e meio, no qual a cognição é o mecanismo regulador. Assim, em diferentes estádios cognitivos específicos, as crianças encontram-se particularmente aptas para assimilar experiências específicas do meio (op cit, 1993). São quatro os estádios de desenvolvimento propostos por Piaget: o sensório-motor, o pré-operatório, o das operações concretas e o das operações formais. O estádio sensório-motor, que decorre ente os zero e os dois anos (até ao aparecimento da linguagem), baseia-se na experiência imediata dos sentidos, que asseguram a interacção com o meio. No estádio pré-operatório, entre os dois e os sete-oito anos, as crianças deixam de estar limitadas à interacção sensorial, aumentando qualitativamente a sua capacidade para desenvolver imagens mentais, sendo capazes de desenvolver a linguagem e de partilhar socialmente as suas cognições através da comunicação. Neste estádio, as modalidades de aprendizagem são predominantemente intuitivas e exploratórias, sendo frequentes as associações e fantasias. Já no estádio que decorre entre os sete e os onze anos, o das operações concretas, opera-se uma importante reorganização das estruturas cognitivas que permite que as crianças compreendam aspectos específicos e concretos de um problema, desenvolvendo competências como “contar, classificar, construir e manipular”. As crianças tornam-se “positivistas lógicos infantis” capazes de compreender as relações funcionais. Finalmente, entre os 11 e os 16 anos, desenvolve-se o estádio das operações formais, no qual se desenvolvem capacidades de metacognição, de perspectivação da realidade para além dos limites individuais e de resolução de problemas de acordo com o domínio do “possível” e com o estabelecimento de planos de “testagem de hipóteses” (Piaget, [1972], 1983; Sprinthall e Sprinthall, 1993).

No contexto dos estudos construtivistas, é ainda fundamental referir os estudos de Lev Semyonovitch Vygotsky, nascido na Rússia em 1896. Schunk (1996) relata um interessante episódio da vida de Vygotsky que demonstra a forma como as suas teorias foram inovadoras, no contexto da época12 em que foram apresentadas:

“A critical event in Vygotsky’s life occurred in 1924 at the Second Psychoneurological Congress in Leningrad. Prevailing psychological theory at that time neglected subjective experiences in favor of Pavlov’s conditioned reflexes and behaviorism’s emphasis on environmental influences. Vygotsky gave a speech in which he criticized the dominant views… (…) unlike animals, who react only to the environment, humans have the capacity to alter the environment for their own purposes” (Schunk, 1996: 213).

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“Na ciência, foram seus contemporâneos, entre outros, Ivan Pavlov, Wladimir Bekhterev e Jonh B. Watson, todos adeptos das teorias comportamentais privilegiadoras da associação estímulo-resposta, além de Wertheimer, Kohler, Koffka e Lewin, fundadores do movimento da Gestalt na psicologia” (Cole et al, 1998: 1).

Efectivamente, o contexto profissional, político e social no qual Vygotsky viveu é, por muitos, indicado como um dos catalisadores da sua perspectiva histórico-social dos processos de aprendizagem. Por um lado, para Vygotsky, uma teoria psicológica não poderia ser elaborada à margem dos problemas sociais e económicos do povo soviético, por outro, o seu percurso profissional13 catalisou o desenvolvimento de uma abordagem à psicologia com

grande relevância para a prática educacional e médica, na qual os estudos teóricos encontravam contextos práticos de aplicação (Cole et al e Vygotsky, 1998). Na procura de estudar as relações entre os processos de desenvolvimento e as capacidades dos sujeitos, Vygotsky propõe a delimitação de dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento proximal. O primeiro diz respeito aos processos ou ciclos cujo desenvolvimento já se encontra terminado, ou seja, aos processos de desenvolvimento já completamente concluídos. Já o nível de desenvolvimento proximal designa os processos de desenvolvimento que se encontram em maturação, ou seja, cujo desenvolvimento é potencial (Vygotsky, 1998). É neste contexto que Vygotsky apresenta o conceito de “zona de desenvolvimento proximal” para designar as funções que se encontram em desenvolvimento ou em estado “embrionário”:

“Essas funções poderiam ser chamadas de «brotos» ou «flores» do desenvolvimento, ao invés de «frutos» do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente” (Vygotsky, 1998: 113).

Assim, Vygotsky afirma que, nos processos de aprendizagem, é fundamental atender ao nível de desenvolvimento proximal dos sujeitos, pelo que propõe que o que uma criança consegue fazer com a ajuda dos outros é mais indicativo do seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha: “aquilo que uma criança pode fazer com assistência

hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (Vygotsky, 1998: 113). Neste processo de

valorização da zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky propõe que se forneçam orientações e pistas, quer por parte de professores, quer através de modalidades de colaboração com outras crianças14 (Vygotsky, 1998). É no seguimento destas ideias de

Vygotsky que diferentes autores propõem a criação de técnicas de apoio à aprendizagem como o “scaffolding”:

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“Ele [Vygotsky] tinha começado sua carreira como professor de literatura e muitos dos seus primeiros artigos cuidavam de problemas da prática educacional, particularmente da educação de deficientes mentais e físicos. Tinha sido um dos fundadores do Instituto de Estudo das Deficiências, em Moscovo, ao qual se manteve ligado ao longo de toda a vida. Em estudos de problemas médicos, tais como cegueira congénita, afasia e retardamento mental severo, Vygotsky viu a oportunidade de entender os processos mentais humanos e de estabelecer programas de tratamento e reabilitação” (Cole et al, Vygotsky, 1998: 12).

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A este propósito, Vygotsky refere os estudos de Dorothea McCarthy (1930): “nas crianças entre as idades de três e cinco anos

distinguem-se dois grupos de funções: aquelas que as crianças já dominam e aquelas que elas só podem pôr em ação sob orientação, em grupos, e em colaboração umas com as outras, ou seja, que elas não dominaram de forma independente. [...] Aquilo que as crianças conseguiam fazer somente sob orientação, em colaboração, e em grupos entre as idades de três e cinco anos, conseguiam fazer de forma independente quando atingissem as idades de cinco e sete anos. [...] Uma compreensão plena do conceito de zona de desenvolvimento proximal deve levar à reavaliação do papel da imitação no aprendizado” (Vygotsky, 1998: 114).

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“Vygotsky’s ideas lend themselves to many educational applications. […] A major application involves the concept of instructional scaffolding, which refers to process of controlling task elements that are beyond the learner’s capabilities so the learner can focus on and master those features of the task that he or she can grasp quickly. […] Although scaffolding is not a formal part of Vygotsky’s theory, it fits nicely whining the ZPD. The scaffolding concept also found in Bandura’s (1986) participant modeling technique […], in which a teacher initially models a skill, provides support, and gradually reduces aid as the learner develops the skill” (Schunk, 1996: 216).

Vygotsky propõe, portanto, que os processos de desenvolvimento interno dependem da interacção das crianças com outros sujeitos, no contexto do ambiente de aprendizagem, não existindo assim uma coincidência, mas antes uma inter-relação entre os processos de aprendizagem e os processos de desenvolvimento (Vygotsky, 1998). A aprendizagem, nomeadamente a aprendizagem no contexto da relação com os outros potencia o estabelecimento dos processos de desenvolvimento; existe uma “identidade” e não uma “unidade” entre aprendizagem e desenvolvimento interno (op cit, 1998: 118), numa lógica de construtivismo dialéctico. É neste contexto que Jonh-Steiner e Souberman (1998) afirmam que a abordagem de Vygotsky privilegia o conceito de “mudança” e de “participação activa”. Os autores sublinham ainda a importância dos instrumentos ou estímulos auxiliares no processo de interacção15. Efectivamente, para Vygotsky, são de capital importância os processos

designados de “mediação”, que permitem aos sujeitos modificar activamente uma situação estimuladora como parte do processo de resposta a esse estímulo. Esta “mediação”, enquanto elo intermediário, indica que é fundamental que o indivíduo esteja activamente envolvido no processo (Vygotsky, 1998).

Em síntese, a aprendizagem no domínio da zona de desenvolvimento proximal permite que as crianças trabalhem sobre elementos que ultrapassam as suas competências “reais”: através da interacção com os outros e através da utilização de instrumentos e artefactos, os sujeitos desenvolvem conhecimentos que não conseguiriam adquirir sozinhos. Os processos de desenvolvimento encontram-se, desta forma, situados em ambientes sociais, numa lógica que valoriza o potencial colectivo16 (Hansen et al, 1999; Schunk, 1996).