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Capítulo 2. Comunicação e Aprendizagem, enquadramento teórico e novos cenários de mediação

2.4. As TIC no apoio aos processos de Aprendizagem

2.4.5. Do paradigma da informação ao paradigma da comunicação e participação: a importância do

aprendizagens

Consideradas, sumariamente, as principais tipologias e taxonomias de aplicações de apoio aos processos de aprendizagem, e na certeza de que o desenvolvimento de uma aplicação de apoio à aprendizagem é, na maioria das vezes, influenciado por mais do que uma abordagem ou tipologia38, constata-se, ainda assim, que as referidas tipologias e taxonomias,

apesar da sua diversidade e complementaridade, consideram, formal e globalmente, de forma ainda pouco estruturada, a importância das modalidades multidimensionais, sistémicas e inter- relacionais dos processos de aprendizagem e comunicação. Entende-se, portanto, fundamental retomar e valorizar o já referido conceito de ferramentas cognitivas de Jonassen (1992) e colocar a tónica no desenvolvimento de aplicações que promovam a construção cognitiva activa, relacional e situacional. Como afirma Kaplún (1999), importa abandonar a visão redutora de que as relações entre comunicação e educação se limitam ao âmbito dos media e na qual o vector comunicação é apenas analisado considerando os meios e as tecnologias; segundo esta perspectiva, a comunicação educativa revestir-se-ia de uma função meramente instrumental e concorreria para a criação de um modelo de educação determinado pelos recursos tecnológicos (Kaplún, 1999)

É neste sentido que diferentes autores apresentam uma crítica àquilo que Kaplún designa de paradigma informacional, enfatizando que este promove a individualização do ensino e pode ser castrador dos fenómenos de sociabilidade e da natureza comunitária da escola. Segundo esta perspectiva, os avanços tecnológicos no domínio da educação viriam, assim, assegurar um retrocesso no que respeita aos tão relevantes processos de diálogo e interacção grupal e social (op cit, 1999). Importa, assim, e como propõe Kaplún, valorizar e fomentar os múltiplos fluxos comunicativos que devem constituir-se como uma matriz (não unidimensional) que suporte as estratégias, meios e métodos pedagógicos e que permita desenvolver as competências comunicativas dos alunos. Assim, e na perspectiva de ultrapassar o referido paradigma informacional e as leituras de racionalidade tecnológica, Kaplún defende que os meios tecnológicos ao serviço da educação devem ser utilizados enquanto meios de comunicação não de simples transmissão mas, antes, como promotores do diálogo, da participação, e da “cooperação solidária”, capazes de “gerar e potenciar novos

emissores mais que para continuar fazendo crescer a multidão de receptores passivos”

(Kaplún, 1999: 74).

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Sendo assim, é possível encontrar modalidades de interacção de teor comportamentalista (como é o exemplo dos reforços positivos e negativos despoletados em função de uma determinada resposta ou interacção) a coexistir com estratégias construtivistas e sócio- construtivistas.

Considera-se, pois, fundamental, investigar e desenvolver aplicações que permitam suportar os referidos processos de participação e diálogo e abandonar a visão instrumental da tecnologia, favorecendo aprendizagens situadas. Herrington e Oliver (1995) apresentam as principais funções que as aplicações de apoio à aprendizagem situada devem integrar, das quais se destacam: promover actividades contextualizadas em situações que reflictam a forma como os conhecimentos se operacionalizam; fornecer diferentes perspectivas dos materiais e assuntos; suportar a construção colaborativa do conhecimento; fornecer apoio, treino e “scaffolding”; assegurar processos de reflexão, reconfiguração e articulação por forma à construção de abstracções; e assegurar modalidades de acompanhamento e avaliação das aprendizagens (Herrington e Oliver, 1995). Efectivamente, muitas das actuais aplicações e ferramentas de apoio aos processos de aprendizagem ainda se encontram, por um lado, demasiado estruturadas de acordo com os modelos comportamentalistas (Tretiakov, Kinshuk e Tretiakov, 2003) e, por outro, excessivamente determinadas pelos conteúdos:

“ […] we seem to keep putting emphasis mainly on the delivery of information, that is, content, almost completely disregarding interaction and activity, that is, the context, the completely renewed social and cultural frameworks that technologies are pleading to offer us [...)” (Dias de Figueiredo, 2000: 85)

Urge, assim, investigar modalidades de desenvolvimento de aplicações de apoio aos processos de aprendizagem que favoreçam os pressupostos teóricos enunciados pelas já referidas teorias da cognição situada e que, num esforço de “reconciliação” entre conteúdos e contexto, procurem romper com a ainda presente lógica mecanicista e industrial (instalada desde o século XIX e orientada pelos princípios da divisão do trabalho de Frederic Taylor) (Dias de Figueiredo, 2000):

“The rows of desks, the bells ringing, the proliferation of artificially disparate disciplines, the presentation of subjects without context, the instruction by telling and questioning, the memorisation and reproduction of inert texts, the «acquisition» of knowledge with no visible application, the isolation and competition of school work, the rigid forms of national curricula, all resulted from this mechanistic drive. In the meantime, the metaphors of the ruling mechanistic language transformed knowledge into a material product, something that could be mechanically pumped into the heads of the learners – knowledge became «content»!” (Dias de Figueiredo, 2000: 86)

Neste contexto, tanto as já referidas Teoria da Flexibilidade Cognitiva e da Aprendizagem Cognitiva (“cognitive apprenticeship”) – que Clark inclui na arquitectura da Desoberta Guiada – como a Teoria da Instrução Ancorada são especialmente pertinentes para enquadrar e analisar os problemas acima enunciados. A Teoria da Instrução Ancorada, desenvolvida no início dos anos 90 por John Bransford e pelos seus colegas do “Cognition and Technology Group at

Vanderbilt” (CTGV), sublinha que as actividades de ensino-aprendizagem devem ser

estruturadas a partir de uma “âncora”, como por exemplo, um estudo de caso ou um problema, por forma a fornecer um contexto ao processo de aprendizagem e proporcionar materiais

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passíveis de exploração por parte dos alunos que assumiriam, desta forma, um papel activo na construção do conhecimento. Neste contexto, foram desenvolvidas diferentes aplicações em videodisco (como é caso da série Jasper) nas quais são apresentadas histórias (ou aventuras) que convidam à identificação e resolução de problemas (Bransford e Stein, 1993). É neste sentido que diferentes autores se referem às “âncoras” da Teoria da Instrução Ancorada como macrocontextos, ou seja, pontos de partida e catalisadores dos processos de ensino- aprendizagem (Carvalho, 2001). Para Tretiakov, Kinshuk e Tretiakov (2003), a abordagem da Teoria da Instrução Ancorada é especialmente apropriada para a aplicação em ferramentas tecnológicas, já que estas, pela sua natureza, oferecem potencialidades de exploração e criação dinâmica de elementos contextuais. Os autores sublinham ainda a relevância da teoria do aprendizagem cognitiva (“cognitive apprenticeship”), na medida em que esta favorece os aspectos sociais das aprendizagens situadas, reforçando o papel do professor como “facilitador”. É nesta perspectiva que, de acordo com esta teoria, as actividades e tarefas propostas aos alunos devem apresentar um nível de dificuldade superior relativamente às capacidades dos sujeitos, reforçando a importância de promover aprendizagens na zona de desenvolvimento proximal (proposta por Vygotsky), facilitadas pela interacção com pares e com professores enquanto “facilitadores”. Neste sentido, esta abordagem sugere a utilização de técnicas de “scaffolding” que, à medida que os alunos se vão tornando mais competentes na realização das tarefas, vão sendo diminuídas (Tretiakov, Kinshuk eTretiakov, 2003). A partilha do conhecimento seria, assim, assegurada pela colaboração entre pares ou realizada no âmbito de grupos, envolvendo processos comunicativos: como propõem Littleton e Häkkinen, (1999), através, por exemplo, do recurso a tecnologias distribuídas, é possível estabelecer diferentes formas de interacção (que podem ocorrer em modalidades espacio-temporais síncronas ou assíncronas) e, desta forma, enquadrar sentidos de forma colaborativa, estabelecendo um cenário comum de comunicação, colaboração e aprendizagem.

É neste enquadramento conceptual que se considera fundamental, no âmbito do presente trabalho, valorizar a importância das interacções entre pares, no desenvolvimento dos processos de aprendizagem, especificamente das relações “assimétricas”, como referem Littleton e Häkkinen (1999), reforçando e reaplicando tanto o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, como o de participante periférico legítimo de Lave e Wenger: a aprendizagem encontra-se, em certa medida, dependente da interacção do sujeito com um “outro” diferente de si (com um nível superior de competência, tendo em conta a aprendizagem específica que ocorre), com o qual colaborativamente se constrói o conhecimento. Assim, a consideração de que os processos cognitivos, numa perspectiva ecológica e social, se encontram embebidos em contextos específicos e que se constituem através de interdependências, interacções e transações entre os sujeitos e os ambientes situacionais que os enquadram, deve ser tida em conta no estudo e desenvolvimento de

modalidades de interacção colaborativa asseguradas por ferramentas computacionais que, enquanto artefactos mediadores suportam mas também potenciam os referidos processos de colaboração (Littleton e Häkkinen, 1999)

É nesta perspectiva, que se entende, e tal como sugerem Littleton e Häkkinen (1999), que a aplicação das tecnologias da comunicação no domínio educativo não apenas poderá promover os referidos processos cognitivos situados, mas também poderá favorecer o estudo e reflexão acerca dos mesmos, contribuindo para uma mais aprofundada compreensão desses processos. Por outro lado, esta abordagem poderá ainda contribuir para a dissolução da ideia de que o conhecimento é gerado por processos de abstracção e estruturação cognitiva isolados, sublinhando, antes, que estes só ocorrem através de aprendizagens situadas em contextos (Brown, Collins e Duguid, 1996). Neste enquadramento, poder-se-á compreender os processos de cognição como situados e produtos da actividade, do contexto e da cultura no qual são desenvolvidos e utilizados e os processos de aprendizagem poderão ser entendidos como dependentes da exposição e participação num ambiente no qual o conhecimento é posto em prática (Tretiakov, Kinshuk e Tretiakov, 2003).

É neste cenário conceptual que se desenha a pertinência da presente proposta de estudo e desenvolvimento de modelos, ferramentas e aplicações que catalisem a geração de novas modalidades de aprendizagem, mais centradas nas especificidades e necessidades de cada sujeito e capazes de potenciar o desenvolvimento de níveis mais elevados de participação e dinamismo. Por um lado, considera-se fundamental investigar estratégias que assegurem modalidades de colaboração e participação em actividades de grupo que, ao mesmo tempo, contemplem e dêm resposta aos diferentes ritmos de aprendizagem dos participantes. Por outro lado, entende-se que importa explorar as modalidades e tecnologias da comunicação em rede, por forma a permitir que as próprias estruturas educativas aumentem o seu nível de interacção com o exterior, abrindo-se a outras escolas, à família e à comunidade (conforme propõe Almeida d’Eça, 1998), assegurando que as aprendizagens dos alunos se vão tornando mais multidisciplinares e mais adaptadas aos cenários e contextos experienciais dos sujeitos.

Importa, pois, e como indica Clancey (1993), no contexto dos seus estudos acerca da natureza situada dos processos cognitivos, sublinhar a importância das interacções sociais e da análise das implicações das mesmas na utilização de ferramentas distribuídas de colaboração, nomeadamente de ensino a distância. Em particular, interessa estudar de que forma essas ferramentas poderão influenciar as actividades de interacção em grupo e de que forma poderão ser partilhadas e adaptadas, com vista à investigação acerca da forma como as mesmas se encontram embebidas em determinadas actividades sociais (Clancey, 1993).

A título ilustrativo, e neste contexto, importa referir o projecto ttVLC (2001) – Trainers

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envolvimento de outros parceiros, e que tem por objectivo a constituição de um modelo de suporte ao desenvolvimento de competências de utilização e integração de tecnologias da informação e comunicação, no contexto da formação e educação em ambientes baseados na web, e de acordo com as abordagens da aprendizagem situada e colaborativa e do construtivismo social. Neste projecto, valoriza-se o conceito de comunidade de aprendizagem enquanto centro de experiência e de promoção dos processos de contextualização e de favorecimento do papel activo dos sujeitos:

“The organisational and functional model of the community promotes the transfer of orientation and control methods and strategies of the learning development for its members, transforming it into a complex and suitable system. The first manifestation of this system takes place through multidimensional exploration of meaning construction and in the individual and collaborative adjustments towards a dynamic development of the cognitive restructuring in knowledge building.” (Dias, 2001: 292).

No modelo proposto pelo projecto ttVLC, destaca-se a importância dos processos de participação em aprendizagens situadas e segundo uma dinâmica de interacção constante entre experiência, compreensão, e envolvimento dos sujeitos nos processos de construção e contextualização dos saberes: cada caso é representado de forma a favorecer a contextualização e é articulado com as actividades e práticas propostas aos membros da comunidade. Valoriza-se, desta forma, e através do recurso a ferramentas como o chat, fórum ou e-mail, a construção colaborativa e a contextualizada das aprendizagens, através de um processo no qual os participantes, para além de explorarem os conteúdos e de partilharem com os restantes membros os seus resultados, desenvolvem competências de utilização e gestão de tecnologias da informação e comunicação em ambientes educacionais baseados na web. Concretamente, foi desenvolvido um modelo de Aprendizagem Colaborativa no qual, com vista à promoção da participação activa e ao envolvimento na comunidade através da partilha de representações no ambiente colaborativo, se promovem estratégias de aprendizagem interactiva e flexível através de múltiplas perspectivas: asseguram-se, assim, processos de partilha e negociação de interpretações e saberes individuais, enquadrados nas actividades da comunidade, e com vista à partilha de objectivos comuns e à construção de interpretações e representações dos saberes colectivos (Dias, 2001).