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A construção da identidade profissional: do Instituto de Advogados Brasileiros à Ordem dos Advogados do Brasil

REVISÃO DA LITERATURA

2.4. O ensino jurídico no Brasil

2.4.4 A construção da identidade profissional: do Instituto de Advogados Brasileiros à Ordem dos Advogados do Brasil

Ao falar dos primeiros cursos superiores no Brasil, Coelho (1999) acentua que o governo optou por oficializar as profissões pela via educacional, dentre elas, a criação do curso de Direito. O autor refere-se a esses primeiros cursos como sendo as “profissões imperiais”, ou seja, aquelas profissões que se constituíram, durante o Império no Brasil, como as mais apropriadas aos indivíduos abastados, livres e independentes.

Ao analisar a “oficialização” das profissões, Coelho (idem) relata alguns outros processos, destacando semelhanças e diferenças com o caso brasileiro. Na França, a regulamentação profissional era indissociável das reformas do ensino superior. Na Itália, até 1799, manteve-se uma tradição de ensino privado da advocacia, sobretudo em Nápoles. Nas bancas dos advogados ensinava-se uma cultura jurídica prática, quase indiferente à formação acadêmica. Com a unificação do reino da Itália, concluído em 1871, passou-se a exigir a uniformização do ensino superior. As escolas privadas foram extintas e o advogado-professor foi integrado na estrutura universitária, na qualidade de “livre docente”. Este podia oferecer cursos livres, mas agora sob controle das autoridades acadêmicas, ou seja, sob a fiscalização e controle do Estado.

Analisando os exemplos acima, Coelho (1999) faz as seguintes observações: em primeiro lugar, as revoluções, revoltas populares e forças regionais centrípetas introduziram, na agenda dos governantes, o problema da unidade nacional. Nesse particular, o controle do sistema educacional foi um instrumento estratégico. Na República, esse aspecto ressurgirá nos debates sobre o regime federalista, ou seja, os direitos dos estados frente ao governo central. Como solução, adotou-se a padronização do ensino pela via da equiparação das instituições particulares às oficiais que lhes serviam de modelo.

Em segundo lugar, nestes três países, França, Itália e Brasil, a elite e a lideranças profissionais saíram das faculdades estatais e não da massa dos praticantes sem qualificação formal, como ocorreu nos EUA e na Inglaterra. Essas elites nasceram e nutriram-se no Estado e nele se fortaleceram através da oficialização de suas associações (academias de ciências, institutos e outros).

Em terceiro lugar, o Estado era o grande empregador dos profissionais, seja nas faculdades oficiais, seja na burocracia governamental (magistratura, hospitais públicos, municipalidades na Itália, corpos de engenheiros no Brasil e na França). A burocratização precedeu a profissionalização e contribuiu para as consideráveis desigualdades intraprofissionais.

Em quarto lugar, as profissões não se organizaram e as associações propriamente profissionais surgiram muito tardiamente, seja por interdição do governo, como na França, seja por carência de recursos organizacionais como no Brasil e Itália. Isto, segundo Coelho (1999), explica a quase completa ausência de conflito entre elite e massa, eis que a elite encontrava trânsito fácil nas instâncias governamentais e podia defender assim seus interesses, enquanto a massa não possuía nenhuma representação junto ao Estado.

Os cursos jurídicos foram, no Império, segundo Venâncio Filho (1977), o celeiro dos elementos encaminhados às carreiras jurídicas, como a magistratura, a advocacia e o Ministério Público, a política, a diplomacia e áreas afins (literatura, poesia e outras), constituindo assim a pepineira da elite política que nos conduziu durante o Império.

Comentando a posição de bacharel, afirma Gilberto Freire:

(...) o prestígio do título de “bacharel” e de “doutor” veio crescendo nos meios urbanos e mesmo nos rústicos desde o começo do Império. Nos jornais, notícias e avisos sobre “Bacharéis formados”, “Doutores” e até “Senhores Estudantes”, principiaram desde os primeiros anos do século XIX

sobrecasacas e nas suas becas de seda preta, que nos bacharéis – ministros, ou nos doutores –desembargadores, tornavam-se becas “ricamente bordadas e importadas do Oriente”. Vestes quase de mandarins. Trajos quase de casta (apud Venâncio Filho, 1977, p.273).

Ainda nos expõe o pensamento do escritor Sérgio Buarque de Holanda acerca da profissão do bacharel de Direito que busca no diploma o prestígio, o talento, a inteligência e o brilho numa sociedade pretensamente democrática:

Mesmo entre as profissões liberais, uma posição de singular eminência havia de ser reservada àqueles que fizeram os cursos jurídicos, num país que pretendeu desterrar o arbítrio e os privilégios herdados para reger-se segundo normas impessoais. Aos juristas, pois, que podem interpretar as leis, é natural que se confie a factura das leis e também a sua aplicação. A importância que assumem os “legistas”, já no império nascente, e especialmente os magistrados que vão ocupar numericamente o primeiro lugar nas legislaturas,é filho dessa reflexão. O segundo lugar compete neles aos militares, mas tratando-se ainda de uma reminiscência de condições anteriores em que o guerreiro provinha largamente das classes nobres. Com o progresso crescente das novas instruções, tudo faria esperar que essa nobreza de espada tendesse a dar lugar cada vez mais à nobre nobreza togada (Buarque Holanda, apud Venâncio Filho, 1977, p.279-280).

E, ainda Silvio Romero, bacharel e professor de Direito dizia em sua obra “A filosofia no Brasil”:

O Brasil é o país dos legistas; a formalística nos consome; todas as nossas questões se resolvem pela praxe (...) Um empenho, que julgamos sério e que nos absorve é o maior fator da nossa depreciação; é a mania da legalidade e de tudo que com ela se pareça. A melhor e mais brilhante carreira que na idéia de todos pode ter diante de si o moço brasileiro é, como se diz vulgarmente, formar-se em leis, o homem, que se julga com direito à esperança de um grande futuro, põe toda a sua mira em ir ao Parlamento exibir-se na sabença da legislação; o indivíduo do povo, em certas circunstâncias, não tendo de que viver, faz-se rábula!... Assim, por toda a parte é o sonho da lei, a obstinação da praxe como órgão supremo (apud Venâncio Filho, 1977, p. 282).

Admitindo-se, todavia, que o acesso ao diploma constituía um eficiente mecanismo de inclusão social, é possível compreender como a defesa do monopólio estatal dos graus acadêmicos associava-se à preservação dos interesses das elites profissionais, através de uma lógica constituída em torno da organização social do conhecimento e da perícia.

Para manter um filho na escola, de medicina, direito ou engenharia, era bastante caro. Além do custo da matrícula anual, devia-se pagar pela concessão do grau de bacharel e pelo respectivo título. Havia ainda os encargos com a manutenção individual, posto que, a maioria dos estudantes residia fora das províncias ou cidades onde se localizavam as escolas. Evidentemente, nessas circunstâncias, somente as famílias detentoras de maiores posses

podiam arcar com o ônus da formação acadêmica do filho.

Fundado em 1842, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) foi uma conseqüência natural da criação dos cursos de Direito implantados no Brasil, em 1827. Sem dúvida, podemos apontá-lo como a primeira organização profissional da advocacia no Brasil, cujos membros fundadores aspiravam à autonomia corporativa, provavelmente, inspirados pela organização da “Ordem dos Advogados” existente na França, de onde recebemos forte influência cultural. Aliás, Coelho (ibidem), destaca que, naquele país, a Terceira República, a do regime burguês e liberal, também era chamada de República dos Advogados, dado ao destacado papel desempenhado pelos advogados e suas associações.

Muito embora a “Ordem dos Advogados” recebesse consultas por parte do Estado, estas não tinham caráter oficial. Os sócios se ocupavam em defender os interesses dos advogados, quase sempre, no dizer de Coelho (1999), ligados à honra profissional. A instituição não recebia nenhuma subvenção governamental e, embora se tenha fixado mais em questões de regras de precedências e protocolares, sua atividade serviu para afirmar o status da profissão. Nas suas sessões eram discutidos assuntos variados, por todos os membros, referentes a questões jurídicas, normalmente de ordem prática.

A proposta formal da criação do IAB, segundo Guimarães (2003), partiu do ministro do Supremo Tribunal de Justiça do Império, o conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão (1799-1847). Aragão estava convencido que o estabelecimento da corporação

para aperfeiçoar a organização judiciária do Estado recém-instaurado. A autora destaca que, com exceção de Teixeira de Aragão, de Montezuma e de Caetano Alberto, formados na Universidade de Coimbra, os demais dirigentes do IAB, 23 membros ao todo, haviam se graduado nas primeiras turmas dos cursos de Direito de São Paulo e Olinda (depois Recife), que constituíam os grandes celeiros formadores da burocracia imperial. Além do exercício da advocacia, os primeiros dirigentes do IAB também serviam à magistratura, ou atuavam no Legislativo e no Executivo. Alguns também faziam parte dos quadros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838 e patrocinado por D. Pedro II, que era um reduto intelectual, voltado para a construção da memória nacional.

Por esses e outros indícios, pode-se inferir que os fundadores do IAB se achavam comprometidos com a Coroa, com o partido Conservador, enfim, articulados com o projeto político de consolidação do Estado monárquico, como nos atesta o discurso proferido por

Francisco Montezuma, na inauguração do Instituto, ao enumerar as virtudes do IAB: (...) Ordem que vai ser organizada em proveito geral do Estado e da Ciência da Jurisprudência, (...) o melhor auxiliar do governo, e da Assembléia Geral, na dificílima tarefa do melhoramento da Pátria legislação, civil, administrativa, comercial e política.

A proposta de ingresso no IAB deveria ser apresentada por escrito e assinada por três membros do Conselho Diretor. Submetido à Assembléia Geral, o candidato era aprovado por escrutínio, sem qualquer submissão à prova de proficiência acadêmica. No ato da posse, os advogados prestavam juramento diante da Bíblia, com a presença do Presidente do Instituto.

Observa Guimarães (2003) que o Regimento do IAB não contemplava questões corporativas propriamente ditas, mas exigia dos advogados filiados o cumprimento rigoroso de preceitos éticos, ou seja, o exercício da profissão com honra, civilidade e aptidão. Havia, inclusive, o enquadramento disciplinar, tanto no âmbito da Casa, quanto nos tribunais. Havia

punições para o mau comportamento, sobretudo se se tratasse de injúrias e insultos aos colegas na defesa de causas.

Por ocasião da comemoração do primeiro aniversário do IAB, o então presidente Montezuma apresentou propostas para a criação de cursos livres de Direito, a serem oferecidos, gratuitamente, aos funcionários administrativos do Fórum, a fim de aperfeiçoar seus conhecimentos e melhorar os serviços ali prestados. As aulas seriam ministradas por associados, contemplando as seguintes disciplinas: Prática Civil e Criminal, Direito Comercial e Direito Administrativo. A proposta foi aceita pelo governo imperial e posta em prática, em 1845.

O IAB também discutiu a necessidade de reformas do ordenamento jurídico nacional, sobretudo das leis civis e processuais. Em 1848, o Instituto já se constituía em um espaço privilegiado de formação da cultura jurídica nacional, ampliando as discussões e divulgando seus resultados. No princípio, por meio de certidões dos pareceres científicos para seus filiados e, a partir de 1862, com a Revista do Instituto da Ordem dos Advogados, criada na gestão de Agostinho Marques Perdigão Malheiro.

Já em 1848, a corporação iniciou gestões para ramificar-se pelas províncias. Em 1850, Montezuma convocou uma assembléia extraordinária para submeter ao Conselho Diretor uma proposta para a definitiva organização do Instituto, que depois de apreciada internamente, fosse enviada ao Legislativo. Ela previa a matrícula obrigatória, no IAB, de todos os advogados do Império, precedida do cumprimento de algumas formalidades: exigência da prática do ofício em escritório de advogado conceituado, no período mínimo de um ano; incompatibilidade da profissão com o exercício dos cargos de polícia, secretários de tribunais, juízes, procuradores, agentes de feitos, escrivães e outros. Dispunha ainda sobre a criação de Conselhos Disciplinares, com autoridade para fiscalizar o desempenho profissional dos

IAB em todos os distritos onde houvesse Tribunal de Relação; a realização de exames para advogados provisionados, sob a responsabilidade daquelas sucursais. Estas, por sua vez, ficariam incumbidas de atender às necessidades locais que justificassem o exercício da profissão por práticos, cabendo aos presidentes dos Tribunais de Relação apenas referendar os concursos e assinar os termos de concessão de licenças. Como não obteve o apoio pretendido à sua proposta, Montezuma acabou demitindo-se da presidência do Instituto, em dezembro de 1850.

Em 1865, na gestão de Agostinho Marques Perdigão Malheiro, o IAB houve nova proposta, com a finalidade de alterar o nome de IAB para OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), desta vez, diretamente ao Conselho de Estado. José Martiano de Alencar, conselheiro extraordinário, foi designado relator. Alencar apresentou, no Diário do Rio de Janeiro, a defesa do IAB:

(...) Há mais de oito anos ou dez anos que essa associação espera uma lei que constitua aquela corporação em uma ordem como existe na França; (...) O primeiro que colheria as vantagens dessa instituição seria o próprio governo, que teria um corpo de homens práticos e entendidos a quem consultasse nas reformas importantes da legislação, dispensando essas comissões onerosas para o tesouro público (...) (apud Guimarães, 2003, p. 37).

Também, desta vez, a tentativa não logrou êxito. Novo projeto é apresentado em 1880, por Joaquim Saldanha Marinho, então presidente do IAB, novamente sem sucesso. Finalmente, em 1888, foi aprovado pelo Instituto, um novo Regulamento. O IAB passa a ser denominado Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros – IOAB. Para Bastos (2003), além da alteração nominal, houve significativa alteração de finalidade: deixava o IAB de ser um Instituto, cuja finalidade principal era a de criar a Ordem dos Advogados, para se transformar no executor da função de pensar e estudar histórica e comparadamente o Direito, bem como de prestar assistência judiciária.

Finalmente, em 1931, com o Decreto nº. 20.784, que aprovou o Regulamento da Ordem dos Advogados Brasileiros, foi seccionado o IOAB da OAB, atribuindo-se-lhe as competências de órgão fiscalizador de classe profissional.

Com a República, acentuou-se o predomínio da classe militar e “esvaziaram-se” as academias de Direito. Também foi nesse período que o processo de organização e ampliação da burocracia pública e privada determinou o aumento da procura de educação escolar, pela qual se processava a formação profissional necessária ao desempenho das tarefas que lhes eram próprias. Os latifundiários, produtores de café, queriam ver seus filhos tornarem-se doutores para aumentar o prestígio familiar, além de prepará-los para as atividades políticas.

Os trabalhadores urbanos e os colonos viam na escolarização dos filhos a possibilidade deles ingressarem na carreira burocrática.

Com a República, houve também a necessidade dos Estados se adaptarem às novas exigências, agora mais complexas do que no período das províncias. Assim, passaram a ter repartições estaduais encarregadas das finanças, transportes, polícia e outras, criando oportunidades de empregos para bacharéis em Direito e, secundariamente, para engenheiros. Passaram a existir duas justiças: a federal e a estadual (juízes seccionais, juizes substitutos, juízes suplentes e outros). O bacharel era o burocrata por excelência em qualquer setor do Estado, dado que a interpretação e a elaboração de leis e congêneres constituíam o principal meio de atuação da burocracia civil. Com efeito, qualquer diploma de escola superior, anel de grau, vestuário e fala conferiam aos seus portadores, os “doutores”, um status muito especial na sociedade brasileira.

Sobre a questão do bacharelismo e de sua cultura, ou da falta dela, Venâncio Filho (1977), oferece-nos um longo e elucidativo escrito das memórias de Afonso Arinos de Melo Franco:

Há, sem dúvida, uma nuança bem marcada entre os conceitos de bacharelismo e de jurisdicismo no Brasil. São ambos filhos do mesmo pai, o Império acadêmico e discursivo (muito mais profundo e autêntico, no entanto, do que parecem acreditar certos observadores apressados) e a tradição luso-coimbrã, agasalhadas nas faculdades de leis de São Paulo e Pernambuco.

O jurisdicismo evolui para uma espécie de abstração científica, um certo gênero de clericalismo (no sentido de Julien Benda) ???? que nos deu Teixeira de Freitas, Lafayette Rodirigues Pereira ou Pedro Lessa, cujos temperamentos ferventes não eliminaram aquela irresistível tendência à formulação teórica que os incompatibilizava, como aos demais, com a vida política. Um traço do jurisdicismo, é aliás, este: inadaptação à política partidária militante, apesar da evidente paixão política de homens como Lessa ou Tobias.

Já é o bacharelismo outra linguagem, tão diferente como os Orleans dos Bourbons. O bacharelismo é a técnica jurídica aplicada especialmente à realidade política. Não é teórico, sobretudo não é abstrato nem filosófico. O maior dos bacharéis brasileiros é Rui Barbosa, cuja incapacidade para a filosofia e a teorização tem sido tantas vezes salientada. Os juristas – teóricos – apolíticos – amavam a filosofia, todos eles: Freitas, Tobias, Lafayette, Clóvis, Lessa. Exemplares contemporâneos desse tipo: Pontes de Miranda, Gilberto Amado ou Francisco Campos. Nota-se, com efeito, que, apesar de haverem os dois últimos militado na Política, nem um, nem outro jamais se integrou realmente nos seus quadros normais.

Já os bacharéis políticos nada têm de filósofos: Rui, Epitácio, Melo Franco, Raul Fernandes, João Neves, Pedro Aleixo, Prado Kelly. São todas vidas de políticos enquadradas na realidade política do país....

O jurista é o homem de maior capacidade indutiva, tende a formular, a criar o Direito, a extraí-lo da observação do complexo social. Por isso se vê este complexo no seu dinamismo histórico, e o espírito que os anima é sempre aberto às mudanças, às inovações da realidade vital, seja na direção evolutiva (como Tobias) seja na orientação reacionária (como Campos).

Já no bacharel, o traço do espírito marcante é a agudeza dedutiva. Ele tem de aplicar e não formular o Direito; ou antes, é o homem mais da lei que do Direito. Porém a lei, de certo modo, é apenas a cristalização de uma experiência social já vivida, quero dizer, já passada. Daí o bacharel ser levado, por hábito e por gosto, à defesa das fórmulas consagradas, à imutabilidade das estruturas, à solidariedade com os sistemas criados, numa palavra – e sem o menor sentido pejorativo – ao conservadorismo que é, em geral, bem distinto do reacionismo (apud Venâncio Filho, 1977, p.291).

Afonso Arinos de Mello Franco chama a atenção para um aspecto muito importante para a compreensão da crise no ensino ou mesmo de identidade, envolvendo o bacharel em Direito: a diferença entre o que ele chama de jurisdicismo e bacharelismo.

O jurista é um profissional afeto à formulação teórica, ama a filosofia e é apolítico. Tem capacidade indutiva, tende a formular e criar o Direito, a extrai-lo do complexo social. É aberto às mudanças e às inovações sociais. Já o bacharel é adepto da técnica jurídica, aplicada especialmente à realidade política. Tem como traço marcante a agudeza dedutiva. Ele tem que aplicar e não formular o Direito, ou seja, é mais um homem da lei que do Direito. A lei, no entanto, é a cristalização de uma experiência social passada, donde o bacharel ser levado à defesa das formas consagradas, à solidariedade com os sistemas existentes, em outras palavras, um conservador. Não é teórico, nem abstrato ou filosófico. Afonso Arinos cita Rui Barbosa como exemplo maior de bacharel, cuja incapacidade para a filosofia e a teorização tem sido tantas vezes salientada.

Essa dicotomia ideológica e personalógica, dentro de uma mesma carreira, pode constituir uma das principais razões do embate constante sobre a definição do currículo ideal para formar o bacharel em Direito e sobre o papel que ele deveria desempenhar na sociedade. A conciliação dos pontos de vista entre as duas visões é inviável por serem distintas e antagônicas. Assim, um currículo defendido por um dos lados será necessariamente criticado pelo outro e vice-versa.

De uma forma ou de outra, apesar de todas as críticas arroladas, não se pode negar que o bacharel em Direito sempre foi um elemento importante na sociedade brasileira, como o intelectual do tempo, responsável por muitas das mudanças ocorridas no campo econômico, político e cultural de nossa nascente nação.

Sobre esse aspecto, é bastante elucidativa a análise feita por Luís Gonzaga do Nascimento e Silva, sobre o papel do jurista no processo de desenvolvimento:

...um reequilíbrio de posições só será possível com uma formação mais adequada do bacharel em face da realidade contemporânea, e assim, uma decorrência da melhoria do ensino jurídico, compreendendo o papel do advogado em face das necessidades do desenvolvimento econômico

interação entre o Direito e a transformação social que pode ser vista principalmente sob o ângulo dos processos de modificação das estruturas econômico-sociais do país e aí o papel de uma elite jurídica é, parece-me,