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REVISÃO DA LITERATURA

2.3. O pensar e o direito na história: algumas notas introdutórias

“Se o teu destino é pensar, então venera esse destino como se venera um Deus e sacrifica-lhe o que de melhor tiveres, o que mais amares.”

Nietzche.

Preliminarmente, irá se discutir o significado do ato de pensar, em sua relação com a concepção do Direito.

Só o ser humano aprende a pensar. Define-se o ser humano como “animal racional”. O dicionário filosófico de Brugger (1969), ao conceituar etimologicamente o homem, invoca o vocábulo alemão Mensch e o chama de “ser pensante”. Refere-se, ainda, ao termo latino homo, cujo significado é “nascido da terra”. Para ele, o homem é, por um lado, ser formado de terra, mas que também traz em si o conhecimento intelectual. No seu verbete relativo à filosofia lhe atribui o significado etimológico de “amor da sabedoria”. Explicando o conceito, continua: “O homem nunca possui plenamente a compreensão definitivamente válida de tudo o que se designa sabedoria, mas luta sempre ansiosamente por atingir esse alvo” (p. 192).

Já em Buzzi (1990), encontra-se o vocábulo filósofo como sendo o amigo do todo. A filosofia atesta o interesse do pensamento em aprender a aprender e, no dizer de Hegel, “a filosofia é a consideração pensante dos objetos”.

A norma surge a partir do momento em que o homem passa a conviver em comunidade. O surgimento da norma, dessa forma, perde-se na noite dos tempos. Coube aos

romanos, no entanto, a primeira formalização dessas normas fundamentadas numa concepção lógica. Ao discutir a cientificidade do Direito, Ferraz Júnior (1980) nos ensina que, na jurisprudência romana, o que se procurava era buscar premissas suficientes para a elaboração de um raciocínio, o que caracteriza o Direito como algo que o jurista não se limita a aceitar, mas se constrói de modo responsável. Desse modo, o autor vê presente a problemática da chamada “ciência prática”, do saber que não apenas contempla e descreve, mas também age e prescreve.

No século XI, surge o caráter dogmático do Direito. A Europa, nesse período, desenvolveu uma técnica especial de abordagem de textos pré-fabricados e aceitos por sua autoridade, caracterizada pela glosa gramatical e filológica, pela exegese ou explicação do sentido, pela concordância, pela distinção:

Nesse confronto do texto estabelecido e do seu tratamento explicativo é que nasce a Ciência do Direito com seu caráter eminentemente dogmático, portanto de Dogmática Jurídica enquanto processo de conhecimento, cujas condicionantes e proposições fundamentais eram dadas e pretendidas por autoridade. (Ferraz Jr., 1980, pág. 21)

Nos séculos XVII e XVIII, prevalecem a questão da sistematização do Direito. O próprio Bobbio (1999) cita Del Vecchio e Perassi para reforçar a idéia de que é comum empregar-se o termo sistema para indicar o ordenamento jurídico. Daí decorre a presença da “interpretação sistemática”, a qual consiste em tirar os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento constituem uma totalidade ordenada. Adverte, porém, Bobbio “que a existência de um sistema normativo também não significa que se saiba exatamente que tipo de sistema é esse” (p.76).

O conceito de sistema para Wieacher, apud Ferraz Júnior (1980), foi a maior contribuição do jusnaturalismo moderno -Direito Racional- ao direito privado europeu. A jurisprudência européia passa a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema

fechado, cuja estrutura dominou e domina até hoje os códigos e os compêndios jurídicos (p.24). Pode-se dizer que o homem, nesse período, procurou deduzir racionalmente de uma fonte supralegal - Deus, a natureza das coisas ou do homem - normas universais que seriam a própria expressão da justiça perfeita.

No século XIX, formou-se a Escola Histórica, cujo principal representante foi Savigny, onde o sistema perde o caráter absoluto da racionalidade lógico-dedutiva que envolve, com sentido de totalidade perfeita, o jurídico. Enfatiza-se o relacionamento primário da intuição do jurídico não à regra genérica e abstrata, mas aos “institutos de direito” (Rechtsinstitude) que expressam “relações vitais” (Lebensverhältnisse) típicas e concretas. Os “institutos” são visualizados como uma totalidade de “natureza orgânica”, um conjunto vivo de elementos em constante desenvolvimento.

A “organicidade”, dita por Savigny, não se refere a uma contingência real dos fenômenos sociais, mas ao caráter complexo e produtivo do pensamento conceitual da ciência jurídica.

A partir da segunda metade do século XIX, a tarefa do jurista circunscreveu-se, cada vez mais à teorização e sistematização da experiência jurídica, em termos de uma unificação construtiva dos juízos normativos e do esclarecimento dos seus fundamentos. Descambou, posteriormente, para o chamado “positivismo legal”, com a autolimitação da Ciência do Direito ao estudo da lei positiva e o do estabelecimento da tese da “estabilidade do direito”.

No século XX, o jurista aparece como o teórico do Direito que procura uma ordenação dos fenômenos, a partir de conceitos gerais obtidos por processos de abstração lógica, ou pelo conhecimento tácito de institutos historicamente moldados e tradicionalmente mantidos. Nessa concepção, insere-se a teoria normativa de Kelsen, para quem a ciência jurídica é uma ciência do dever ser, visto que se destina a descrever as normas que determinam o advento de

uma conseqüência, toda vez que se verificar um fato genericamente previsto (REALE, 1998, p.459).

A teoria deste pensador do Direito ficou conhecida como a “teoria pura do direito”. Kelsen defendia que o Direito é uma realidade específica e, por isso mesmo, não se deveria para ele transportar os métodos válidos para as outras ciências. Procurou fazer uma depuração da ciência do direito, afastando-a de influências sociológicas, liberando-a da análise de aspectos fáticos e dos aspectos valorativos, ou seja, de toda e qualquer investigação moral e política. Fundou a escola da teoria pura do direito positivo, segundo a qual o jurista deve tão- somente conhecer e descrever tal norma, mediante proposição jurídica (DINIZ, 2004, p.119). De acordo com o grande jusfilósofo Miguel Reale (1998), onde quer que se encontre a experiência jurídica, encontraremos sempre três elementos: fato, valor e norma. E esclarece:

A análise fenomenológica da experiência jurídica, confirmada pelos dados históricos sucintamente lembrados, demonstra que a estrutura do Direito é tridimensional, visto como o elemento normativo, que disciplina os comportamentos individuais e coletivos, pressupõe sempre uma dada situação de fato, referida a valores determinados. (p. 511)

Com a citação da posição do nosso jusfilósofo, acredita-se satisfeito o panorama traçado da evolução do pensamento na área do Direito. Deixa-se, portanto, de citar outras visões tridimensionais da atualidade como a de Sauer e a de Hall.