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Construindo modelos matemáticos sobre a fatura de “Água”

Cada aluno trouxe a fatura mensal de sua residência. Sugeri que a olhassem e analisassem para perceber o que surgiria desse contato e relatassem em um texto. Fiquei surpresa4 com os olhares pensativos e em seguida vieram as indagações: “professora o que é fatura? O que é SANASA? O que é S/A? O que é ligação comercial?” Dentre tantas outras, essas perguntas mostram, que eles ainda não conheciam a organização sócio- econômica da sua cidade.

Não direcionei os trabalhos dizendo o que deveriam fazer, segui o fluxo que surgia, a vontade de saber. Quando quiseram saber o significado de ligação comercial,

orientei pesquisa sobre os tipos de ligações de suas residências. De posse das faturas, observaram o que cada fatura trazia em relação ao tipo de ligação, entretanto, não

fazíamos a menor idéia de onde chegaríamos com aquilo.

A partir do contato com as faturas surgem os modelos matemáticos: - 1. Tipos de ligações nas residências dos alunos da quinta série feitos a partir da quantidade/tipo de ligações em casas (coletivas e individuais) e apartamentos; - 2. Média de consumo mensal por aluno e; - 3. Média de consumo mensal dos alunos da quinta série.

Todos os gráficos/modelos foram elaborados primeiro em papel quadriculado e posteriormente, utilizando mídias informáticas5, uns utilizaram o software excel, outros o power point. Na utilização da informática, também aprendemos juntos, professores e alunos. Certamente, os alunos eram mais familiarizados com a informática.

Modelo 1: Tipos de ligações nas residências dos alunos

A partir das faturas fizemos um levantamento para saber quantos alunos tinham ligações residenciais coletivas e individuais em suas casas e quantos moravam em apartamentos e fizemos o gráfico, que mostra o panorama geral dos tipos de ligações dos alunos:

4 Eu nunca havia imaginado, que uma simples fatura mensal de água pudesse potencializar tantas

possibilidades de saberes. Antes disso, consistia em apenas mais uma conta a ser paga.

5 A aquisição da sala de informática deve-se ao Projeto “Ciência na Escola” - LEIA/Unicamp/FAPESP. Na

sua utilização tivemos a colaboração dos alunos da Unicamp. Neste momento dos alunos Estevon, André e Fernanda e da Profª Vera Figueiredo.

Tipos de ligações nas residências dos alunos da 5ª série C

21 10

5

casas individuais casas coletivas apartamentos

Gráfico 10 – Tipos de ligações nas residências dos alunos da 5ª C

Neste modelo pudemos observar, alunos e professores, como são distribuídos os tipos de ligações nas casas residenciais, nos prédios, comércio e nas ligações coletivas. Havia alunos na classe que moravam em prédios, portanto, não tinham fatura individual; outros residiam em lugares onde a ligação era coletiva, com um único relógio para várias famílias, bairros considerados não urbanizados. A Prefeitura de Campinas utiliza tarifas diferenciadas para cada tipo de ligação, por exemplo, nas ligações coletivas a tarifa por metro cúbico custa metade do valor cobrado nas ligações individuais.

Modelo 2: Média de consumo mensal de água

Na elaboração deste modelo, cada aluno calculou sua média de consumo mensal de água num período de um ano e construiu um gráfico de barras. Exemplo de gráfico de barras sobre o consumo de água, construído pelo aluno Gleicon (2001), que nos explica como fez seus cálculos:

Consumo em m³ por pessoa no mês de março. Moramos em 5 pessoas, então, se as cinco pessoas gastaram ao todo, 38 m³, cada pessoa gastou 7,60 m³, no mês 3, igual R$13,59. Anual - No ano de 2000, do mês 03 ao 12, cada pessoa na nossa casa gastou em média de 89 m³ no ano.

A partir desta pesquisa foi possível observar, que a Prefeitura de Campinas utiliza tarifas diferenciadas para ligações residenciais em apartamentos e casas, que se diferenciam também das ligações individuais e coletivas. São consideradas ligações coletivas, aquelas que atendem a mais de uma residência, como as das regiões de ocupações.

Consumo de água da casa do Gleicon

Gráfico 11.Consumo de água na casa do Gleicon

Esse aluno ao explicar o que foi feito em matemática, na língua materna, evidencia sua compreensão sobre os conceitos de média aritmética, que utilizou para o consumo mensal e anual de sua família, e também, a utilização da operação da divisão da multiplicação, além do conhecimento estatístico não explicitado em sua fala.

Discutimos o significado do conceito de média aritmética, que serve como um indicador da tendência dos dados. Surgiram questões sobre o seu real significado: Será que realmente representa uma situação? Ou a mascara?

Modelo 3: Consumo mensal de água dos alunos

Este modelo possibilitou a comparação da quantidade de água consumida por todos os alunos da sala. Utilizando a média de consumo mensal de cada aluno, encontrada no modelo 2 (dois), foi possível construir o 3 (três), como é mostrada graficamente.

O aluno Gleicon explica no texto abaixo e gráfico de nº 12, como foi calculada a média de consumo mensal de cada família da classe.

Observando o consumo médio mensal familiar de água dos alunos da turma, fizemos um gráfico, dividindo o consumo pelo número de moradores existentes na casa, demonstrando cada consumo em m³. Veja o gráfico:

0 1 0 2 0 3 0 4 0 5 0 6 0

m a rço m a io ju lho setem bro nov em b ro ja neiro C on su m o d e á g u a d a c a sa d o G le ic on

(P e ríod o 2 0 0 0 a 2 0 0 1 )

m a rç o a b ril m a io ju n h o ju lh o a gosto

Consumo mensal de água dos alunos da 5ª C 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Adilia Adriana Aline Anderson Bruno Caroline Felipe Fernanda Gabriela Gleicon Heloisa Jameson Luiz Lydia Nayane Príscila Renan Stefany Tais Tatiane Thales Thamyris

Gráfico 12.Consumo médio mensal de água dos alunos da 5ª série C A linha pontilhada marca o consumo recomendado pela ONU

Este modelo possibilitou aos alunos compararem as médias de consumo entre eles e perceber que a idéia de média aritmética está longe de mostrar uma situação real. A média de consumo da sala era algo em torno de 4,5m³, portanto, bem próxima da quantidade recomendada pela ONU, entretanto existiam consumos de alguns alunos muito acima desse valor e também muito inferiores.

Alguns alunos, após perceberem que a quantidade de água consumida em suas residências ultrapassava a quantidade recomendada pela Organização das Nações Unidas, conseguiram reduzir esse consumo.

Analisando a organização sócio-econômica

A partir do modelo 3 sobre o consumo médio mensal fizemos6 análise da organização socio-econômica dos alunos, que teve como parâmetros a renda mensal, o número de torneiras de suas residências e o consumo médio mensal. Vejamos o que observaram os alunos:

... a quantidade de torneiras de água da casa de cada um está proporcional, com a quantidade de metros cúbicos consumidos por mês. A relação entre a renda mensal, também está em equilíbrio (Anderson Gleicon e Felipe, 2001).

No nosso grupo, quem tem mais renda, tem maior número de torneiras, e que a Heloisa gasta mais, porque fica mais do que o necessário no chuveiro (Adília, Gabriela, Heloísa e Lydia, 2001).

Fizemos uma pesquisa entre nós e analisamos no gráfico que a Priscila consumiu mais, porque tem maior número de torneiras. Chegamos à conclusão, que existem muitas diferenças entre cômodos da casa, pessoas que trabalham fora e a renda mensal (Rita, Priscila e Rafaela, 2001).

Esses fragmentos de textos dos alunos mostram que eles observaram relações existentes entre o consumo de água, o número de torneiras de cada residência e a renda mensal, ou seja, o consumo está relacionado com a condição socio-econômica.

Modelo 4: Desperdício de água na escola

Retomando as falas de um grupo de alunas sobre o desperdício na escola, apresentamos o cálculo do vazamento em apenas um sifão, por dia/mês/ano7.

No dia 28 /06 /2001, a torneira do pátio estava pingando, vaso sanitário e descarga também estavam vazando. No dia 27 / 09 /2001, voltamos e as descargas os vasos sanitários das oitavas séries continuavam vazando, também as torneiras dos bebedouros. O sifão pingou 25 gotas por minuto, o cano continua a vazar e também está obstruído por flores e sujeiras. Bem as coisas que no primeiro dia da pesquisa vazavam, continuam a vazar (Gabriela, Priscila, Rafael, Rita e Tamyris, 2001).

6

Sob a orientação da professora de Geografia (Evanilde)

7 Nesses cálculos tivemos a colaboração de dois alunos do Instituto de Química da Unicamp, matriculados na disciplina de Trabalhos Comunitário prestando serviços nesta escola. Esses cálculos possibilitaram relembrar as aplicações de transformações da unidade de medida ml para litro. (Outubro de 2002)

Considerando que 1 gota é aproximadamente igual a 0,05ml: 25 gotas por minuto, será igual a 1,25 ml de água/minuto

1,25 ml = 0,00125 litros 0,00125 litros = 0,00000125m³

1 hora pinga 60x25 = 1500 gotas x 0,00125 litros = 1,88 litros 1 dia pinga 1500x24 = 36.000 gotas x 0,00125 litros = 45,12 litros 1 mês pinga 36.000x30 = 1.080.000 gotas x 0,00125 litros = 135,46 litros

1 ano pinga 1.080.000x12 = 12.960.000 gotas x 0,00125 litros = 1.6.200litros.

(Anderson e Gleicon)

Assumindo a escola...

A partir dessa pesquisa os alunos tomaram a iniciativa de conversar com a direção, entregando-lhe um documento escrito, pedindo providências para diminuir o alto índice de desperdício na escola, surgindo assim ações de intervenção; pois perceberam seu poder de transformação da escola, além de exercitarem posturas de autonomia, capacidade de negociação e habilidade na redação de textos. A direção da escola tomou providências.

Pudemos vivenciar nesse episódio, que uma ação comum numa comunidade micro- social pode ser muito eficiente na solução de problemas locais, o que consideramos de extrema importância para que os adolescentes se sintam parte da escola e responsáveis por ela.