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Para pensar uma pedagogia que privilegie a formação do estudante e uma transformação na comunidade escolar, recorremos à pedagogia da vida de Gallo1 (1995):

Uma pedagogia da vida, que age no nível individual através da liberação do indivíduo para o prazer e para a criatividade, para o livre desenvolvimento de tudo aquilo que ele pode ser; no nível coletivo, faz com que esse mesmo indivíduo que se desenvolve livremente perceba-se sempre como parte de um todo social mais amplo e que, mesmo podendo desenvolver livremente suas características, elas podem e devem harmonizar-se com as mais díspares características de todos os demais indivíduos que compõem a multiplicidade social (ibidem, p. 174).

Para um processo pedagógico com essas características pressupõe-se que o conhecimento não se construa linearmente e hierarquizadamente em árvore como se acreditou na modernidade. Alguns autores vêm apontando que a criação do conhecimento não segue caminhos lineares, mas sim variados e usam outras metáforas:

[...] para tentar entender o processo de criação de conhecimento em todos os tempos e espaços do ser/fazer humano. Assim, Deleuze e Guattari trabalham com o conceito de transversalidade e a idéia do rizoma; Foucault caracterizou a capilaridade do poder; Lefebvre, Certeau e Latour introduzem a noção de conhecimento em rede; Boaventura de Souza Santos vem desenvolvendo a idéia de rede de subjetividades a partir das redes de contextos cotidianos (Alves, 2001, p. 12).

A metáfora do rizoma pode contemplar os pressupostos da pedagogia vida, e vem sendo estudada pelo seu autor, Gallo (2001):

[...] amparado por filósofos franceses contemporâneos, como Foucault e Deleuze, tenho trabalhado a idéia de transversalidade aplicada à produção e circulação dos

1Sílvio Gallo é professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Unicamp e do Departamento de Filosofia da Unimep. Leciona Antropologia Filosófica e Filosofia Política no curso de Filosofia da Unimep, além de Filosofia e Filosofia da Educação nos cursos de Pedagogia das duas universidades. Estudou o Anarquismo e a Pedagogia Libertária; atualmente dedica-se à filosofia francesa contemporânea, principalmente a Sartre, Deleuze e Foucault. Procura ainda estender a atividade filosófica ao campo da educação, pesquisando os efeitos da adoção dos conceitos de rizoma e transversalidade à compartimentalização dos currículos escolares. Publicou, dentre outros: Pedagogia do Risco (Papirus, 1995);

Educação Anarquista: um paradigma para hoje (Ed. Unimep, 1995), Deleuze & e Educação (Ed. Autêntica,

saberes. E ela pode ser estendida também à educação, ajudando a pensar um currículo não disciplinar (ibidem, p. 174).

Um currículo não disciplinar exige o rompimento com a metáfora da árvore, que opera em hierarquia entre os campos de saberes:

Na árvore do conhecimento, temos o mito representado nas raízes, a filosofia no tronco e as ramificações nos galhos indicam as diferentes ciências e suas especialidades. Esse mapa ou modelo implica necessariamente numa visão hierárquica, em que o percurso, o fluxo por entre esses saberes é pré-definido, os caminhos são poucos e pré-determinados. A comunicação entre os campos é possível, desde que obedeça à hierarquia. Comunicar um galho com outro, só se for respeitando o percurso. Por mais que essa metáfora, modelo ou paradigma pareça apenas um metaconhecimento, na medida em que está enraizada em nossa própria forma de pensar, em nossa lógica, acaba por determinar nosso próprio pensamento (ibidem, p. 175).

A metáfora da rede tem sido uma alternativa que rompe com o modelo arbóreo e pensa-se o conhecimento como uma tessitura formada por interconexões entre os múltiplos fios e nós, mas ainda, com uma certa ordem, portanto:

Mais caótico e, portanto, absolutamente não hierárquico e potencialmente mais libertário parece-me o modelo do rizoma, que Deleuze e Guattari utilizam para comentar infinitas possibilidades de um livro, se ele não for tomado numa estrutura clássica e hierárquica de capítulos2 (ibidem, p. 175 e 176).

A metáfora do rizoma, segundo esse autor, pode ser profícua para se pensar em possibilidades de trânsito entre saberes sem hierarquias, estabelecendo cortes transversais que articulem diversas áreas e saberes e, que são diferentes dos temas transversais dos PCNS, “que são apenas cortes transversais entre disciplinas” (ibidem, p. 176). Para isso:

A transversalidade, no sentido em que é aqui trabalhada, implica uma nova atitude frente aos saberes, tanto na sua produção quanto na sua comunicação e aprendizado.

Como pensar um currículo transversal e rizomático?

Em primeiro lugar, seria necessário deixar de lado qualquer pretensão científica da pedagogia. [...].

Em segundo lugar, seria necessário deixar de lado qualquer pretensão massificante da pedagogia. O processo educativo seria necessariamente singular, voltado para a formação de uma subjetividade autônoma, completamente distinta

2 Rizoma (Morfol. Veg. Caule radiciforme e armazenador das monocotiledôneas, que é geralmente

subterrâneo, mas pode ser aéreo. Caracteriza-se não só pelas reservas, mas também pela presença de escamas e de gemas, sendo a terminal bem desenvolvida: comumente apresenta nós, e na época da floração exibe um escapo florífero. Em pteridófitos tropicais há rizomas aéreos. O gengibre e o bambu têm rizoma. Enciclopéida Encarta 99 – © Microsoft. (nota do autor).

daquela resultante do processo de subjetivação de massa que hoje vemos como resultante das diferentes pedagogias.

Em terceiro lugar, seria necessário abandonar a pretensão ao uno, de compreender o real como uma unidade multifacetada, mas ainda assim unidade. A perspectiva interdisciplinar ressente-se de que na disciplinarização cai-se na fragmentação, e busca recuperar a unidade perdida. Uma educação rizomática, por sua vez, abre-se para a multiplicidade, para uma realidade fragmentada e múltipla, sem a necessidade mítica de recuperar a unidade perdida. Os campos de saberes são tomados como absolutamente abertos; com horizontes, mas sem fronteiras, permitindo trânsitos inusitados e insuspeitados.

Pensar uma educação e um currículo não disciplinares, articulados em torno de um paradigma transversal e rizomático do conhecimento soa hoje como uma utopia. Nossa escola é de tal maneira disciplinar que nos parece impossível pensar um currículo caótico, anárquico e singular. Mas já houve momentos da História da humanidade em que parecia loucura lançar-se aos mares, em busca de terra firme para além do continente europeu, ou então se lançar ao espaço, almejando a lua e as estrelas [...] (ibidem, p. 176 e 177).

Um processo educativo, pautado por ações que visem o desenvolvimento de subjetividades autônomas, pode ser delineado na contingência dependendo do que emergir entre os envolvidos; em situação de caos, com conexões infinitas entre situações/acontecimentos e áreas do saber, que pedem novas ações infinitamente, onde os currículos disciplinares se imbricam e se diluem nos liames do rizoma. Isso exige o estímulo ao exercício da nossa força pessoal na produção do conhecimento, de nós mesmos e da ética, o que vem nos remeter às investigações de Foucault3sobre o poder.