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Dentre as estratégias do mercado para a formação de consumidores adequados às características e valores desse sistema, tem papel central a publicidade, em seus diversos meios (outdoors, televisão, anúncios em revistas e jornais, internet, embalagens, filmes, personagens, etc.), cujo enfoque é

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convencer pessoas sobre a necessidade de determinado produto em

determinada quantidade, durante determinado tempo9.

Nesse contexto, o mercado considera as crianças como consumidoras ávidas, estimulando hábitos de consumo condizentes com os valores relacionados ao consumismo, na tentativa de manter o status quo da sociedade (BAUMAN, 2008; LINN, 2010), aproveitando-se de sua dificuldade em diferenciar o real da fantasia, sem se preocupar com seu bem-estar, trazendo prejuízos à sua saúde física e ao desenvolvimento cognitivo (SAMPAIO, 2009). Embora haja diversas teorias e estudos experimentais que apresentam o desenvolvimento infantil de diferentes maneiras, subdividido em fases que divergem de autor para autor (COLE; COLE, 2004), a literatura aponta concordância com relação à idade em que as crianças começam a diferenciar a aparência da realidade. Por exemplo, Piaget aponta que essa distinção se dá por completo apenas após os sete anos de idade (COLE; COLE, 2004; BEE, 2003). Autores posteriores verificavam que crianças entre dois e seis anos de idade poderiam desenvolver muitas capacidades que Piaget sugeria que só eram desenvolvidas mais tarde, como por exemplo, a habilidade de assumir a perspectiva de outra pessoa (FLAVELL et al, apud BEE, 2003). Segundo esses autores, a partir dos cinco anos de idade a criança começa a perceber a diferença entre a aparência e a realidade, porém se trata de um período de transição, em que essa capacidade ainda não se encontra plenamente consolidada (BEE, 2003; COLE; COLE, 2004).

Posto que as características associadas à infância não são sempre as mesmas em diferentes comunidades, estando fortemente associadas aos valores e regras morais e de funcionamento de cada uma (ROGOFF, 2005), é necessário observar que esses autores tiveram como base de estudo (grande parte das vezes, usando métodos correlacionais, mas por vezes, experimentais e longitudinais) crianças inseridas na sociedade ocidental, caracterizada pela escolarização e pela marcação de períodos de desenvolvimento de acordo com

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A respeito do poder persuasivo da publicidade, o longa-metragem “Sonho Tcheco” (SONHO, 2004) apresenta um experimento social com resultados sobre a escolha de um local de compras específico por adultos.

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a faixa etária, sendo que em diferentes culturas não são encontradas as

mesmas condições desenvolvimentais10.

Mesmo os estudos transculturais apontam algumas continuidades, por exemplo, a faixa entre os cinco e sete anos de idade como um momento de transição em que as crianças passam a assumir responsabilidades e assumem um papel social diferente do desempenhado pelos bebês (ROGOFF, 2005).

Outros autores desse campo do conhecimento realizaram estudos sobre o julgamento moral das crianças nessa faixa etária. Segundo Kohlberg (1976

apud ROGOFF, 2005), apenas a partir dos sete anos de idade as crianças

começam a apresentar comportamentos morais mais complexos. Antes disso, a moralidade é externamente imposta, e o julgamento moral é realizado com base nas consequências pessoais de um comportamento que rompe com as regras (COLE; COLE, 2004). Ou seja, o julgamento de uma criança sobre o que é bom ou ruim está estritamente relacionado com um comportamento que foi punido ou elogiado, por exemplo.

Cole e Cole (2004) também apontam para a importância da família para o desenvolvimento infantil em nossa sociedade: tipos de interações entre pais e filhos podem levar a comportamentos mais ou menos adequados dos filhos em relação a outras pessoas (BAUMRIND, 1971, 1980, apud COLE; COLE, 2004). Também nesse sentido, Bee (2003) aponta para a importância da interação das crianças com outras pessoas, tanto crianças de diferentes idades, quanto adultos, para sua adequada socialização. Na sociedade ocidental atual, os pais têm cada vez menos tempo para compartilhar com seus filhos, relegando, muitas vezes, o entretenimento a horas em frente à televisão (COLE; COLE, 2004; BEE, 2003).

Com relação a esse ponto específico, Cole e Cole (2004) e Bee (2003) apontam que diversos estudos demonstram que a televisão possui um alto potencial educativo, porém possui também riscos ainda não extensivamente mapeados. Um dos problemas, de acordo com Cole e Cole (2004), é a velocidade com que as informações são transmitidas sem um intervalo

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Por exemplo, em uma comunidade africana, crianças de quatro anos manejam facões afiados sem a intervenção de adultos (ROGOFF, 2005), o que na sociedade brasileira seria um assunto, no mínimo, controverso.

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suficiente para a criança processar a informação. Isso poderia trazer impactos negativos, por exemplo, nos hábitos de leitura e de brincadeiras de faz-de- conta da criança, uma vez que desestimula o pensamento ativo e criativo. Estudos demonstram, também, uma correlação inversa entre o tempo de audiência à TV e o desempenho escolar (ERON, 1992, apud BEE, 2003). Conciliando o tempo de exposição à TV (e, assim, a uma programação não necessariamente educativa, permeada de comerciais que indicam que comprar é bom, ter é bom, convencer os pais a consumir é bom), à dificuldade de distinguir a aparência da realidade e à ainda incipiente capacidade de julgamento moral, é possível antever os impactos na infância e a formação de pequenos consumidores já fidelizados, com hábitos que se tornarão cada vez mais arraigados, sem uma prévia reflexão sobre eles (PINTO, 2007).

Alguns documentários relacionados ao tema explicitam de forma contundente a influência da mídia sobre o consumismo infantil, tais como “Criança, a Alma do Negócio” (CRIANÇA, 2009) e “A Invenção da Infância” (A INVENÇÃO, 2000).

Para Linn (2010), os resultados nocivos da constante exposição das crianças à mídia são, além do desenvolvimento de comportamentos inadequados do ponto de vista da sustentabilidade, o materialismo, a depressão, a baixa autoestima, problemas alimentares e um menor tempo dedicado às brincadeiras criativas, especialmente ao faz-de-conta, à fantasia, e outras brincadeiras que envolvem a criação e representação de personagens e situações. Segundo essa autora, esse tipo de brincadeira, de grande importância para o desenvolvimento das crianças, vai contra os lucros corporativos do modelo da economia capitalista, uma vez que não acompanha a constante necessidade de trocar de brinquedos e não preconiza que estes possuam alguma relação com personagens de filmes e desenhos animados.

É importante lembrar que a propaganda é apenas um dos muitos aspectos relacionados ao consumismo infantil, precursor do consumismo do adulto. Outras influências podem ser citadas, tais como a pressão dos pares nos momentos de socialização, pais que atendem em demasia os desejos de compra dos filhos e valores competitivos estimulados pela família, escola e

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outros ambientes sociais (HILL, 2011; INSTITUTO ALANA, 2010a, 2010b; SAMPAIO, 2009; LINN, 2010).