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Consumismo VS consumo ético, solidário e responsável

Segundo Bauman (2008), a sociedade em que vivemos é pautada pelo consumo, de forma que as pessoas são aceitas ou excluídas com base em sua capacidade para consumir, o que auxilia a perpetuar situações de exclusão e pobreza. Para Vargas e Rech (2008), vivemos num contexto em que, em vez da economia estar a serviço da população em geral e em harmonia com a natureza, são as pessoas e o meio-ambiente que estão a serviço do mercantilismo e do consumismo. Para manter e ampliar essa forma de funcionamento social são adotadas estratégias de construção de desejos artificiais por determinados produtos e serviços, garantindo vendas de artigos cuja vida-útil é programada para acabar logo e proporcionar o descarte do produto antigo e a aquisição de novos produtos, que também são logo obsoletos, e assim por diante, na chamada obsolescência planejada (BAUMAN, 2008). Segundo este autor, o sistema funciona na base da insatisfação dos desejos criados, e não de sua satisfação, para que as pessoas se mantenham ávidas por consumir produtos associados a status, felicidade e sucesso.

Na contramão do sistema vigente, surge a alternativa da Economia Solidária, movimento que vem emergindo em diversos países da América Latina, incluindo o Brasil (VARGAS; RECH, 2008). Ela é definida pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) como:

"[...] fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras na construção de novas práticas econômicas e sociais fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular." (FBES, 2006, p. 3)

A ES também pode ser compreendida como o

“conjunto de atividades econômicas - de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito - organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e

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trabalhadoras sob a forma coletiva e autogestionária” (BRASIL, MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2006, p. 11).

Autogestão é o processo de gestão coletiva, democrática, solidária e não hierarquizada de empreendimentos.

Entre os atores da ES estão as entidades de fomento (como as incubadoras de cooperativas populares), os gestores públicos (como a Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego), os fóruns de discussão (como o Fórum Brasileiro de Economia Solidária) e os empreendimentos econômicos solidários (como as cooperativas e empreendimentos autogestionários). Segundo Singer (2002), "a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo". Assim, os princípios da economia solidária se contrapõem ao sistema vigente, incluindo como base a autogestão, a posse coletiva dos meios de produção, a adesão livre e esclarecida, o foco na qualidade de vida e nas condições humanas e ambientais (ao invés de no lucro), o preço justo, a cooperação, a inclusão, a transparência administrativa, entre outros.

Singer (2002) observa que a autogestão é um desafio para aqueles que a adotam, uma vez que somos educados em uma sociedade que preza o lucro, a competição e a hierarquia. Assim, mesmo nos empreendimentos da economia solidária, o grau de autogestão é muito variado, tanto de um empreendimento em comparação com outro, quanto em momentos diferentes do mesmo empreendimento. Em revisão teórico-prática sobre economia solidária, Leite (2009) ressalta que sua conceituação e objetivos não encontram consenso entre seus estudiosos, havendo ainda muitas contradições em sua prática. Porém, é indiscutível a unidade de princípios do movimento e seu impacto social concreto. Gomes e Mance (2002), por exemplo, afirmam que a ES já apresenta resultados práticos no combate a desigualdade, especialmente ao implantar e implementar ações de desenvolvimento no nível local e de propor políticas públicas. É notório o aumento no número de iniciativas da economia solidária, bem como da quantidade de pessoas nelas envolvidas, nos últimos anos, somando mais de vinte e um mil empreendimentos cadastrados

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em 2007, totalizando mais de um milhão e seiscentas mil pessoas membros

desses empreendimentos, em todas as regiões do Brasil11 (SENAES, 2007).

Dentro dessa nova lógica econômica surge também uma nova lógica do consumo: o consumo ético, solidário e responsável. Conceitua-se esse tipo de consumo como:

“... consumir bens ou serviços que atendam às necessidades e desejos do consumidor, visando: a) realizar o seu livre bem-viver pessoal; b) promover o bem-viver dos trabalhadores que elaboraram, distribuíram e comercializaram aquele produto ou serviço; c) manter o equilíbrio dos ecossistemas; d) contribuir para a construção de sociedades justas e igualitárias.” (MANCE, 2002, p. 1)

O consumo ético, solidário e responsável12 se assemelha a outros tipos

de consumo citados pela literatura, no entanto, numa comparação entre eles identificam-se aspectos que os diferenciam e que podem causar algumas confusões conceituais. (TEIXEIRA, 2010). Algumas práticas afins são: o consumo crítico (MANCE, 2002), o “consumerismo” (HENRIQUES, 2008) e o consumo sustentável (TEIXEIRA, 2010; FURRIELA, 2001). Essas formas de consumo, em geral, promovem um consumir consciente, levando em consideração características das empresas, condições de trabalho e impactos ambientais, além da visão do consumo como ato político e momento de cidadania. Alguns, como o consumo crítico e o “consumerismo”, implicam em uma preocupação social além de ambiental, sendo que o consumo sustentável dedica maior enfoque às questões ambientais. O consumo ético, solidário e responsável diferencia-se destes devido ao fato de priorizar produtos e serviços da economia solidária em detrimento das iniciativas capitalistas (MANCE, 2002). Este tipo de consumo é apontado por diversos autores como

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Dados acessados na plataforma online da SENAES, pelo Sistema de Economia Solidária, no endereço http://www.mte.gov.br/sistemas/atlas/AtlasESmenu.html.

12 Com maiores detalhes, Leugi (2008) apresenta uma descrição do comportamento de

consumir ética, solidária e responsavelmente, detalhando o que deve ser levado em consideração para isso. Algumas categorias de análise sugeridas por esse autor foram: local e processo de produção, características do produtor, matérias-primas utilizadas, geração de resíduo e impacto do produto na saúde do consumidor. Nesse estudo também são apresentadas descrições das atividades e comportamentos mais específicos relacionados a cada um desses aspectos, pontuando sua adequabilidade.

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necessário para fomentar, apoiar e fortalecer empreendimentos da economia solidária (GOMES, 2006; GOMES; MANCE, 2002; MANCE, 2002; CORRÊA, 2010).

No contexto do fortalecimento de hábitos de consumo éticos, solidários e responsáveis, a educação é uma estratégia fundamental, apresentando, inclusive, convergências com a alfabetização-científico tecnológica. Esses aspectos são abordados no capítulo que se segue.

45 1.4 Educação para o consumo ético, solidário e responsável e alfabetização científico-tecnológica

Segundo Singer (2005),

[...] todos têm inclinação tanto por competir quanto por cooperar. Qual dessas inclinações acabará por predominar vai depender muito da prática mais freqüente, que é induzida pelo arranjo social em que o indivíduo nasce, cresce e vive. (p. 16).

No sentido da formação de pessoas com maior disposição à cooperação do que à competição, Gomes e Mance (2002) e Gomes (2006) defendem a necessidade de uma educação voltada para o consumo ético, solidário e responsável para permitir um desenvolvimento sustentável e para formar para a economia solidária (ES). Este último aspecto também é apontado por Vargas e Rech (2008). Henriques (2008) e Sampaio (2009) defendem a educação para o consumo como forma de lidar com a mídia abusiva e com os problemas decorrentes do consumismo. Concordando com esse posicionamento, Furriela (2001) defende que é necessário formar um consumidor cidadão, que promova mudanças de práticas. Acrescenta que a educação para o consumo é um dos componentes da educação ambiental, que é prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em consonância com Gomes (2006) e Samuelson e Kaga (2010).

Considerando a importância da educação para o consumo pontuada por esses autores e os objetivos que eles apontam para essas ações educativas, esta teria as funções de: a) prevenir problemas de desenvolvimento e saúde para as crianças, como os apontados por Linn (2010); b) capacitar cidadãos para adotar padrões de comportamento de consumo mais consciente e que sejam consistentes ao longo da vida desses indivíduos; c) contribuir, em longo prazo, para mudanças sociais e ambientais concretas, considerando o fomento às iniciativas da ES.

Samuelson e Kaga (2010) apresentam uma lacuna de ações de educação para o consumo voltadas ao público infantil. Além destes autores, outros concordam sobre importância da educação para o consumo e sobre a possibilidade de inseri-la no currículo das escolas (HENRIQUES, 2008; SAMPAIO, 2009).

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Um programa de educação para o consumo traria vantagens tanto para as crianças quanto para os adultos, que podem ser indiretamente beneficiados, à medida em que as crianças detêm poder de influenciar as decisões de compra da família (SAMPAIO, 2009), sendo potenciais promotoras de práticas de consumo mais éticas, solidárias e responsáveis em suas casas.

A educação para o consumo implica necessariamente uma reflexão sobre os padrões predominantes e a ordem social vigente. Isso se adéqua à perspectiva de educação da CTS, que pressupõe que educar

“é, fundamentalmente, possibilitar uma formação para maior inserção social das pessoas no sentido de se tornarem aptas a participar dos processos de tomadas de decisões conscientemente (...)” (LINSINGEN, 2007, p.12). Além disso, Auler (2007) afirma que nessa perspectiva o aluno não é um mero repositório de informações, mas uma pessoa curiosa e reflexiva, preocupado com aspectos sociais, sendo, portanto, possível estabelecer aproximações, ao menos em nível teórico, entre iniciativas de educação para o consumo e aquelas relacionadas à ACT. Casas (2003) pontua aproximações entre a educação CTS e a educação ambiental, uma vez que, historicamente, o movimento CTS coincide com o movimento ambientalista, e que os ESCT pautam o impacto da tecnologia sobre a sociedade e a natureza. Como Gomes (2006) e Samuelson e Kaga (2010) ressaltam, a educação para o consumo tem também estreitas relações com o âmbito da educação ambiental, à medida em que os comportamentos de consumo impactam no meio-ambiente.

Assim, é possível estabelecer aproximações entre a educação para o consumo e a ACT e, para melhor compreender essas relações, faz-se necessário empreender estudos relacionados às convergências e divergências entre essas duas propostas educacionais na prática.

47 1.5 Práticas de educação para o consumo ético, solidário e responsável: algumas experiências

As informações apresentadas a seguir são provenientes de documentos institucionais, que trazem dados a respeito das experiências de escolas de

consumo espanholas (CONSUMOSOL, 201113) e das condições brasileiras

para a educação para o consumo (BUENO, 2010).