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Thorstein Veblen, economista americano de origem norueguesa, no final do século 19, afirma que o consumo era apenas uma afirmação de status perante outros indivíduos. Na sua obra “A Teoria da Classe Ociosa” ([1899] /[1978] / [1988] ) trata, entre outros assuntos, do consumo especializado de bens e do consumo como riqueza.

Veblen (1988) passa a observar uma visão utilitária do consumo, que ainda prevalece no viés economicista, e dá uma nova atenção ao significado cultural contido neste fenômeno e em suas práticas. O consumo é um fato social considerado sensível às interpretações que envolvem significados culturais e públicos. A teoria de Veblen (1988) foi decisiva, em primeiro lugar, por retirar o consumo da posição de simples efeito reflexo da produção e colocá-lo como fenômeno capaz de assumir um lugar destacado também como um discurso sobre as relações sociais.

Veblen faz uma contundente crítica às análises utilitaristas e instrumentalistas dos economistas, procurando mostrar de que maneira o consumo é socialmente construído. Foi, portanto, pioneiro em tirar esse fenômeno do eixo das “necessidades”, ao publicar a 1ª edição de A Teoria da Classe Ociosa no ano de 1899. Sua abordagem desloca o consumo da esfera psicológica e econômica e o joga no campo das forças sociais. Veblen postula que o homem não é movido apenas pela busca do ganho econômico, como queriam os economistas clássicos e neoclássicos, mas, por meio dos seus hábitos de comportamento e

21 ainda embasado na sua teoria da classe ociosa. Classe esta, que surge quando a sociedade cria a distinção entre funções “dignas”, que ele denomina como um elemento de proeza, e as funções “indignas”, que são as funções diárias e rotineiras (BARROS, 2009).

O aparecimento de uma classe ociosa atesta Veblen, acontece simultaneamente ao inicio da propriedade, uma vez que, as duas instituições fazem parte do mesmo conjunto de forças econômicas. A evolução cultural inicia-se a partir da produção industrial e o acumulo de bens por ela gerados, passa a sobrepor-se às façanhas e proezas como indício de poder e sucesso, e a propriedade torna-se a base da estima social, como prova de realização notável e heróica. Diante disto, uma nova base de valores se estabelece e passa existir uma preocupação em cada um de estar sempre acima do padrão médio da comunidade, ou como chamou Veblen, “emulação pecuniária”, o que leva o indivíduo a querer um contínuo aumento de sua riqueza em relação aos outros, já que uma insatisfação crônica com o que se possui é estabelecida desde o início deste sistema de valores. O desejo de riqueza torna-se uma busca para se alcançar a “honorabilidade pecuniária” (VEBLEN, 1988).

Deste modo, para a “classe pecuniária superior” obter a legitimidade, não basta apenas possuir riqueza ou poder, se faz necessário exibir esta riqueza e poder à sociedade. O consumo conspícuo praticado pelos indivíduos, caracterizado por uma busca de excelência nos alimentos, bebidas, vestimentas e divertimentos alia-se a um crescente refinamento de gostos e sensibilidade, uma vez que, para apreciar tais objetos de consumo é preciso ter sido educado para tal, ou seja, vai acontecendo gradualmente um refinamento (BARROS, 2009).

O termo "consumo conspícuo”, o consumo que se vê que se faz conhecido, posses de valor visível, que dão sinal de riqueza, sucesso e status ao indivíduo, foi cunhado por Veblen, na citada obra; onde a introdução da expressão foi usada para identificar o gasto

22 realizado com a finalidade de demonstrar aos olhos dos outros a capacidade de gastar daquele que consome. Identificou ainda na sociedade capitalista moderna a competição febril entre os indivíduos por meio do consumo conspícuo. A “prodigalidade conspícua”, como também é chamada este tipo de consumo, mostra que as escolhas quantitativas ou qualitativas de consumo são indicadoras de estratificação ou segregação social (ALLÉRÈS,

2006).

Uma das formas de enfatizar este consumo conspícuo é a ostentação da riqueza dando presentes valiosos a amigos e rivais e oferecendo festas suntuosas com o objetivo de comprovar sua maior respeitabilidade e status frente aos outros membros da comunidade, ou seja, o consumo passa a ser visto como um indexador simbólico. E ainda, vê-se o consumo como expressão de status e como fenômeno capaz de construir uma estrutura de diferenças. O consumo é uma mensagem codificada que permite aproximar e diferenciar grupos classificando pessoas e espaços. Uma série de produtos e serviços é articulada, pelo consumo, a várias pessoas, grupos sociais, estilos de vida, gostos e desejos que a todos envolve em um permanente sistema de poder e prestigio na vida social (VEBLEN, 1988).

O consumo para denotar status não é, obviamente, a única razão para consumir, embora seja um fator que influencia, outros fatores que levam um indivíduo a consumir. O consumo conspícuo dita as preferências dos indivíduos, dos mais ricos na medida em que tentam se diferenciar dos demais, e dos mais pobres ao tentar imitar o padrão das classes mais altas. A riqueza em si não teria nenhum significado social se fosse simplesmente consumida ou possuída. (VEBLEN, 1988). Podemos dizer que o juízo estético não é

desinteressado, pois se julga belo aquilo que é caro e cuja posse distingue os indivíduos. Ao apreciar os materiais raros e as qualidades decorativas dos objetos, até mesmo os que são úteis, constatamos que sua raridade e beleza evoca a ociosidade vivenciada pelos muito ricos, pois, “pela própria natureza das coisas, os luxos e os confortos da vida pertencem à

23 classe superior”(VEBLEN, 1988, p.36).

O rico vangloria-se de suas riquezas por sentir que atrai, naturalmente, as atenções. O pobre, ao contrário, envergonha-se da sua pobreza, pois ela o coloca fora da visão dos indivíduos e da sociedade. O indivíduo que sente que não tem atenção decepciona-se por não ter “um dos mais ardentes desejos da natureza humana” (PINTO, 2007). A aquisição de

bens materiais é um dos maiores indicadores do sucesso social e status. O desejo é responsável por grande parte do comportamento do consumidor e o status é a posição ou lugar que um indivíduo ocupa na sociedade ou em um grupo e gera, neste individuo, uma forma de poder que consiste em respeito, admiração e inveja dos outros. Vance Packard(1959), em sua obra “American Social Classes in the 1950s: The Status Seekers”

aplicou na sociedade moderna a idéia vebleriana do consumo ostentatório, sugerindo que os indivíduos consomem produtos para demonstrar um nível superior para si mesmo e para seus amigos, definindo como “caçadores de status”, os indivíduos que estão sempre em busca de cercar-se de sinais de evidencia que denotem sua posição superior. Conseqüentemente, os indivíduos têm a necessidade da pertença à grupos para sentir-se psicologicamente satisfeitos e para tal, inicialmente imitam outros membros do grupo e, posteriormente, lutam pelo reconhecimento por meio da diferenciação. Para obtenção desta superioridade, muitas vezes, utilizam sua renda e seu poder econômico para destacar-se dos demais (DAWSON e CAVEL, 1987).

Esta distinção, que é objeto de nossa pesquisa e que será considerado no contexto do campo social do luxo.

2.3 Luxo

Buscando definições para o luxo encontramos várias visões que veremos a seguir. Para Kapferer (2003), a palavra luxo vem do latim lux, que significa luz, podendo ser

24 entendido que o luxo brilha, é iluminado. Castarède (2005), por sua vez, considera que luxo vem do latim luxus (abundância, refinamento) e não lux, o que teria induzido alguns a identificá-lo à luz que ilumina o mundo. Roux (2005, p.115) sugere a leitura de dicionários etimológicos onde se lê que luxo é derivado do latim luxus, “oriundo do vocabulário agrícola, que inicialmente significou “o fato de crescer de través”, para em seguida significar “crescer em excesso”, em seguida significar “excesso em geral” para, a partir do século XXVII, significar “luxo”.

Entre os séculos XVI e XVIII o luxo caracterizava-se por extensas propriedades, riqueza em adornos, jóias e vestimentas. Neste momento o tecido era valorizado, sendo feito por artesãos que davam suntuosidade de aparência à peça por meio do uso de materiais nobres e raros (LURIE, 1997). Durante a produção fabril o consumo ainda era

restrito em decorrência de escassez de matéria prima. Porém com a revolução industrial com capacidade de produção ampliada, o consumo foi crescendo e crescendo também o consumo conspícuo, ou seja, consumir para se mostrar socialmente. Observa-se, a partir deste momento, que as identidades passam a ser marcadas por meio da hereditariedade, tradicionalidade do nome ou da família (LIPOVETSKY, 2005). Criado o impasse da

diferenciação, surge simultaneamente a preocupação com a produção, que deveria continuar incentivando o desejo de compra a partir do prestígio, que até então era menos aparente. Sobre este momento Lurie (1997, p. 145) descreve:

Por um certo tempo parecia que realmente seria impossível distinguir o muito rico do moderadamente rico ou do meramente rico pelo que vestiam. Essa terrível possibilidade foi evitada por um ato ousado e engenhoso. Percebeu-se que um traje indicando uma classe alta não precisava exibir uma qualidade melhor ou ser mais difícil de ser confeccionado do que outros; precisava apenas ser reconhecido como mais caro. (...) Isso foi realizado de maneira muito simples: deslocando o nome do fabricante, antes relegado à uma posição modesta no interior da roupa, para um local de proeminência. (...) Houve, por exemplo, um grande aumento na venda de bolsas de plástico marrom, muito feias, que por terem impressas, em bastante evidencia, as letras “LV” (Louis Vuitton), sabia-se que custavam muito mais que as feias de couro marrom.

25 Então se dá inicio ao luxo das marcas como podemos ver hoje. As primeiras marcas que surgiram deste modo, mercado foram Hermes (1837), Louis Vuitton (1845), Chanel (1912) e Balenciaga (1921) (THOMAS, 2008). Diante disto, o luxo ficou sendo reconhecido

a partir de um nome, ou seja, o responsável pela criação dos modelos exclusivos e de alta qualidade. Com o crescente consumo e aumento da demanda, pelas elites, de modelos exclusivos, sob medida e com qualidade superior, o artista volta a ter a posição de destaque como os antigos artesãos de séculos anteriores. Ou seja, prestígio e notoriedade associados a seu nome. No entanto, este período durou aproximadamente 100 anos e, em seguida, estas empresas de luxo, de modo geral pequenas e de administração familiar, aos poucos foi perdendo espaço para os grandes conglomerados que visavam o lucro acima de tudo (LIPOVETSKY, 2005; THOMAS, 2008). Hoje, poucas delas ainda mantêm-se sob a batuta dos

herdeiros. A maioria rende-se às propostas financeiras dos grandes grupos empresariais de marcas de luxo que reunidas, dominam o mercado internacional (THOMAS, 2008). O mais

famoso destes grupos é o LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton S.A) pioneiro e detentor de marcas Louis Vuitton, Christian Dior, Donna Karan, Givenchy, marcas de champanhe Moet& Chandon e Veuve Clicquot e de conhaques Hennessy, Krug e Dom Perignon, a grife de relógios TagHeuer, entre outras, totalizando 51 marcas (VARELA, 2004).

Podemos dizer que muitas podem ser as características do luxo, objetos caros, raros, tradicionais, originais, de alto prestígio, dotados de qualidade superior, ou seja, produtos voltados para um consumidor seleto e muito rico (ALLÉRÈS, 2006; CASTARÉDE,

2005; D’ANGELO, 2004; LIPOVETSKY & ROUX, 2005). No entanto, o luxo que aqui

trataremos, são produtos de alto valor, não necessariamente pecuniário, não implicando em excesso ou sacrifícios pela ostentação, mas fazendo parte do cotidiano de quem o consome. Nos anos 1980, certas marcas deixaram-se levar e dominar pela onda de uma procura exponencial, esquecendo os princípios básicos dos produtos de luxo: criação,

26 inovação, qualidade e preço. Nos anos 1990, elas tiveram que reagir, para comunicar um valor autêntico à sua clientela, pois se os clientes estivessem convencidos de que o preço era justificado por valores únicos, então não pediam mais que compartilhar deles e fazê-los seus (LIPOVETSKY & ROUX, 2005), uma vez que outra palavra importante para o

entendimento do significado de luxo é a "tradição". Isso significa saber manter raízes, origens, estilos, autorias, memórias, valorização do passado, reconhecimento, a preservação das tradições históricas e herança dos ancestrais e, portanto, valorizar o tradicional (FAGGIANI, 2006).

No entanto, tudo isto fica muito vago diante do universo que é o luxo. “O luxo define o belo” (KAPFERER, 2003, p. 42) e exige aprendizado do raro, do exótico e do

sensível. O luxo “é indispensável porque atende a uma necessidade psicológica e biológica” (CASTARÈDE, 2005, p.28). O luxo se dá no design, na sofisticação tecnológica,

na hipermobilidade e na individualização (CASTILHO E VILLAÇA, 2006; D’ÂNGELO, 2006).

Sob aspectos impalpáveis, o luxo se associa a um signo e símbolo, a um código, comportamento, comodidade, conforto, a valores éticos e estéticos, ao reconhecimento, ao prazer e à satisfação e requinte. O luxo também se envolve com o raro, com a restrição, o exclusivo e, por isso, o alto custo. Por estar associado à qualidade, diferença, raridade, satisfação pessoal, reconhecimento, à preferência, ao desejo, ao inatingível, pode-se dizer que o luxo é uma diferenciação com custo mais elevado (SHERMACH, 1997; CASTARÈDE,

2005). Toda criação fora do comum ou do trivial, extraordinária, sinônimo de beleza, de estética, de refinamento, produto mágico, com as marcas da sedução, objeto lúdico, evocativo de sonho, de prazer, promessa de felicidade, “é qualificada como prestigiosa, “de alta classe”, inacessível produto de luxo” (ALLÉRÈS, 2006, p.19). Os produtos de luxo

envolvem todos os fatores mais racionais da compra – qualidade e originalidade – e os fatores irracionais – distinção, gosto pelos objetos de marca e pelos códigos sociais. Os

27 produtos de luxo são signos distintivos das classes recentemente mais favorecidas – emergentes – que gostam de novidades e, principalmente, estão abertos às novidades (ALLÉRÈS, 2006).

Para muitos, o luxo ainda está associado à suntuosidade, à pompa, à extravagância, magnificência, ao supérfluo, à frivolidade, à aparência, ao poder material, porém nota-se que progressivamente este conceito tem se modificado. De acordo com Lipovetsky (2005), o luxo é tradicionalmente visto como algo inacessível, mas essa é só uma das suas facetas. Pois, os produtos de luxo podem assumir funções diversas, como: subjetiva, de prazer pessoal (hedonismo) e de representação pessoal (consumo conspícuo) (SCARABOTO et al,

2005).

Diante destas constatações, estas novas e grandes empresas do luxo, além de modificar a administração e produção das antigas grifes, expandiram e diversificaram os produtos oferecidos anteriormente. Com isto deu-se início a “democratização do luxo” (ALLÉRÈS, 2006; CASTARÉDE, 2005; D’ANGELO, 2004; LIPOVETSKY, 2005), processo pelo

qual produtos com preços mais viáveis, passaram a entrar no mercado, com o mesmo nome da marca de luxo.

A partir deste contexto, os produtos ou bens de luxo passam ser hierarquizados em duas categorias: luxo inacessível: bens seletos, tradicionais, raros e de alto valor financeiro e inestimável (ex. obras de arte, aviões particulares, ilhas, iates). O luxo intermediário que considera produtos também de valores altos, porém produzidos em série (ex. relógios, roupas, bolsas). Por fim o luxo acessível, onde estão inseridos os objetos em série com a marca de luxo, porém são produzidos com atributos de qualidade menos elevados e vendidos a baixos preços, em lojas multimarcas e deste modo teremos o reconhecimento universal das marcas e a adesão ao patrimônio cultural das marcas: perfumes, alimentos e

28 objetos com assinatura de luxo (ALLÉRÈS, 2006; CASTARÈDE, 2005; D’ANGELO, 2004;

LIPOVETSKY, 2005).

No sentido de elucidar o acesso deste produto aos indivíduos a quem seduz, se faz necessária a compreensão dos conceitos e processos do consumo de luxo.

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