Faculdade Boa Viagem
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA
Mestrado Profissional em Gestão Empresarial
Lívia do Amaral Valença
“Tradição” e “Emergência”:
O Luxo como Meio de Distinção Social entre Classes
Lívia do Amaral Valença
“Tradição” e “Emergência”:
O Luxo como Meio de Distinção Social entre Classes
Orientadora: Sonia Maria Rodrigues Calado Dias, PhD
Co-Orientadora: Maria Alice Vasconcelos Rocha, PhD
Projeto de Pesquisa de Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Gestão Empresarial, do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA da Faculdade Boa Viagem
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Resumo
Este trabalho é resultado da pesquisa realizada na cidade de Recife com as classes sociais “tradição cristalizada”: “ricos de berço” que vivem principalmente de bens e recursos herdados, e “emergência notória”: que, embora sem capital econômico inicial, é detentora de bens, propriedades e automóveis, obtidos através de trabalho próprio, num esforço de autoconstrução ou por meio de estudos escolares. O objeto da investigação é a distinção de classes sociais tendo o consumo de luxo como campo social de pesquisa. Para tanto foi utilizada a Teoria da Distinção de Classes de Pierre Bourdieu, onde sugere que classes sociais se distinguem pela cultura e pelo habitus. A pesquisa desenvolvida, de base interpretativista teve como método de investigação a etnografia, que teve como fonte de dados, observações de interações sociais no campo social do luxo. Para a análise dos registros, tomamos como embasamento teórico, contribuições da sociolingüística interacional de Erving Goffman e John Gumperz e da análise de discurso, viabilizadas por um protocolo de análises elaborado por Leão e Mello (2007). Como resultados obtivemos que, além das citadas classes, se fez notar a “tradição decadente”, ou seja, membros da classe “tradição”, que ao longo do tempo foram perdendo seus bens e poderio econômico. Constatamos finalmente que, o que pensávamos ser uma tensão entre as classes sociais dominantes, revelou-se uma simbiose, onde os indivíduos de diferentes classes se associam, partilham e compartilham de interesses e vantagens recíprocas, agindo ativamente para proveito mútuo e sendo necessária uma, para a sobrevivência da outra, no que tange a retroalimentação do sistema de consumo de luxo.
Palavras-chave: classes sociais, distinção e luxo.
Abstract
This research investigated the social classes in Recife, a large city in the Northeast of Brazil. The ‘crystallized tradition’ class is represented by the ‘golden cradle’, people that live mainly by inherited properties and resources; and ‘notorious emergent’ class, people who own properties and resources conquered during their work lives, without any initial economic capital. The aim of the investigation was the distinction among social classes considering the luxury consumption as the social field of the research. The Theory of Class Distinction of Bourdieu was used, as the author suggests that social classes are distinguished by culture and habitus. This interpretative research has used ethnography as the investigation method to analyse data collected by social interaction observations in the luxury environment. All data collected has followed a protocol of registry and analysis developed by Leão e Mello (2007), with the support of the interactional sociolinguistic by Goffman and Gumperz as well as the discourse analysis. The results show that among the already cited classes, there is another one very active in the luxury environment: the ‘decadent tradition’ class, people that have lost their properties and economic power during their lives. Finally, the tension previously expected between ‘tradition’ and ‘emergent’ classes was revealed as symbiosis, where people from distinct classes join, shift and share reciprocal interests and advantages. They act actively in mutual benefit, and the survival of one is dependent upon the other, specially in the context of feeding the luxury consumption system.
ii
Agradecimentos
Em primeiro lugar agradeço e dedico a meu filho Rafael este trabalho. Quem, apesar de
seus parcos 15 anos teve maturidade e paciência para entender minhas ausências, minha
euforia, diante dos novos conhecimentos adquiridos, minhas tristezas, meu cansaço, minhas
lágrimas... Pude ter nele o amigo, o companheiro nas noites mal ou não dormidas e meu maior
incentivador na busca dos meus objetivos.
Agradeço aos meus pais, representados por minha mãe, ainda presente entre nós, com
os quais aprendi pelo exemplo, a trabalhar com responsabilidade, a lutar pelo que se quer e
pela formação do caráter de um ser humano. Não posso esquecer minhas irmãs, irmãos,
cunhadas, cunhados e sobrinhos, uma vez que cada um, a seu modo, de várias formas
contribuíram para o desenvolvimento e conclusão deste trabalho.
Agradeço à Faculdade Boa Viagem, primeiramente à diretoria pelo apoio e confiança
em mim depositados, sem os quais este trabalho não teria sido viabilizado. Aos colegas,
professores e funcionários que, nas horas mais difíceis estiveram sempre ao meu lado.
Não posso deixar de agradecer às minhas funcionárias do atelier: Nalva, Maninha,
Mirian, Jane e Lili. Durante esses quase 30 meses pude sempre contar com todas, que tomaram
para si, cada parte das tarefas que a mim estavam destinadas e também pelo apoio emocional
que sempre pude contar nos meus momentos de desespero e cansaço, como verdadeiras
amigas.
Sônia Calado que, por inúmeras vezes, me acolheu e por fim me adotou como
orientanda. Ela foi para mim a quebra do paradigma de que um acadêmico tem que ser sério e
sisudo para ser respeitado. Com ela pude me identificar na alegria de viver, no otimismo, no
iii que seja sua titulação pode e deve ser “normal”; que deve ser admirado e não temido. Mais
uma vez obrigada por me ensinar!
Maria Alice Rocha posso dizer que foi um anjo que chegou à minha vida. A quem,
juntamente com Sônia, me conduziu com sabedoria, competência e muito carinho à conclusão
deste trabalho. Com Maria Alice aprendi que um acadêmico não precisa escrever difícil, pois
deste modo, estará escrevendo para as prateleiras de uma estante, ou seja, pouco ou nunca lido.
Ela me ensinou que devemos escrever para sermos compreendidos e lidos, senão em nada
estaremos contribuindo com nossas pesquisas para a ciência. A ela, que me inseriu, com sua
simplicidade e tamanho conhecimento e competência, devo a compreensão de uma articulação
teórica, como se estivéssemos conversando com amigos com interesses afins. Estou certa que
ainda terei muitas oportunidades de continuar aprendendo com ela.
Flávia Zimmerle, Ísis Chidid e Anete Sales, minhas amigas e companheiras de todas as
horas, sem as quais seria quase impossível a conclusão deste trabalho. Para elas, qualquer
palavra é pequena para expressar a importância de uma amizade. Fomos as quatro, as
inseparáveis “meninas de moda”, quase como irmãs.
A André Leão, só tenho a agradecer por todos os momentos em que pude usufruir dos
seus brilhantes conhecimentos.
Sergio Benício, com sua capacidade e conhecimentos infinitos adentrou na minha
pesquisa contribuindo, na banca de qualificação, com sugestões que iluminaram meu caminho
e me incentivando na busca de resultados mais profundos.
Lucia Barbosa e Marise Morais que desde 2003, quando entrei como aluna nesta
Instituição, que confiaram na minha capacidade, incentivando e apoiando a seguir a carreira
acadêmica.
Isa Rocha, minha amiga e incentivadora que sempre confiou na minha capacidade
iv Viviane Salazar pelo pronto atendimento quando, em certo momento, me abasteceu de
quase tudo referente à Gerenciamento de Impressões (assunto este, que durante esta
caminhada, perpassou pelo meu interesse) e me apresentou Erving Goffman, que foi
fundamental para minha pesquisa.
Meu agradecimento especial a todos os amigos e amigas que, nos últimos tempos,
aturaram meu quase único assunto: MESTRADO. A eles posso citar Davi Nasser, jornalista,
que nos anos 1970 disse: “Amigo, que realmente é amigo: entende, agüenta e perdoa”. Tenho
certeza que todos já me perdoaram!
Não poderia jamais esquecer meus colegas de “sofrimento”, a Turma 3 deste mestrado
e, todos os colegas de outras turmas com quem pude dividir não só os sofrimentos, mas
também as alegrias dos trabalhos bem sucedidos e as brincadeiras, quando o tempo permitia, e
convivência maravilhosa que tive o prazer de ter junto a todos. Cada um teve sua importância
na construção do nosso conhecimento, considerando a variedade de assuntos que foram
abordados, gerados pela sede de conhecimento de cada um. Pessoal, amei conhecer e conviver
com vocês! Espero que a vida nos dê outras oportunidades de encontrá-los!
Gostaria de agradecer a todos os meus alunos que, ao longo desta caminhada, me
alimentaram com sua compreensão e incentivo e desculpar-me pelos meus momentos difíceis,
porém tão bem compreendidos por eles. Posso dizer que eles sempre serão o “elixir da
vitalidade”. Pois, ao entrar cansada em sala de aula, após a troca de energia e conhecimentos,
pude perceber que, ao sair, mais parecia que o dia acabava de se iniciar. Obrigada a todos pela
energia que me manteve ativa e feliz durante estes últimos meses.
E, finalmente, tenho que agradecer aos deuses. Pois, sem uma força maior, sem fé,
v E, durante esta caminhada, quando o cansaço e desânimo queriam se instalar, me vinha
à cabeça a música de Guilherme Arantes:“Amanhã será um lindo dia, na mais louca alegria,
vi
Sumário
Resumo i
Agradecimentos ii
Lista de Figuras vii
Lista de Tabelas viii
Lista de Quadros ix
1 INTRODUÇÃO 1
1.1 PROBLEMÁTICA 2
1.2 PERGUNTA DE PESQUISA 4
1.3 JUSTIFICATIVA 5
1.4 LIMITES E LIMITAÇÕES 6
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 8
2.1 CLASSES SOCIAIS 8
2.1.1 Classes: “Tradição” e “Emergência” 13
2.2 CONSUMO 15
2.2.1 Consumo Hedônico e Utilitário 16 2.2.2 Consumo Conspícuo ou Ostentatório 20
2.3 LUXO 23
2.4 A TEORIA DA DISTINÇÃO DE PIERRE BOURDIEU 36
3 MÉTODO DE PESQUISA 41
3.1 ORIENTAÇÃO PARADIGMÁTICA 41
3.2 MÉTODO DE PESQUISA 43
3.3 CONSTRUÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA 47
3.4 PLANO DE ANÁLISE DE DADOS 48
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 141
4.1 ASPECTOS EXTRALINGÜÍSTICOS 61
4.2 ASPECTOS DE VISÃO ÊMICA 63
4.3 ASPECTOS DE DEFINIÇÃO DO “EU” 66
4.3.1 Face 66
4.3.1.1 Tradição Decadente 67
4.3.1.2 Tradição Cristalizada 69
4.3.1.3. Emergência Notória 72
4.3.2. Footing 78
4.3.2.1 Tradição Decadente 79
4.3.2.2 Tradição Cristalizada 82
4.3.2.3 Emergência Notória 84
5 CONCLUSÃO 91
6 REFERÊNCIAS 100
vii
Lista de Figuras
Figura - 1 Aspectos Extralingüísticos 49
Figura 2 Aspectos de Visão Êmica 51
Figura 3 – Aspectos de Definição do “Eu” 52
viii
Lista de Tabelas
Tabela 1 - Variáveis de Classes Sociais 12
Tabela 2 - Cenários Pesquisados (Observações) 59
Tabela 3 - Participação nas Observações 60
ix
Lista de Quadros
Quadro 1a – Protocolo de Análise de Leão e Mello (2007) para Aspectos “Não Verbais” 53
Quadro 1b – Protocolo de Análise de Leão e Mello (2007) para Aspectos “Não Verbais” 54
Quadro 2a – Protocolo de Análise de Leão e Mello (2007) para Aspectos “Interacionais” 55
Quadro 2b – Protocolo de Análise de Leão e Mello (2007) para Aspectos “Interacionais” 55
1
1
Introdução
Classes sociais se distinguem. Esta distinção é estabelecida pela hierarquia social entre
pessoas. Neste sentido, foi Veblen (1980), por meio de sua Teoria da Classe Ociosa, um dos
primeiros a observar o consumo como meio de estratificação social. Ele, no final do século
XIX, teorizou como o clero e a nobreza – tidos como classes ociosas – demonstravam sua
riqueza. Demonstração esta, como prática ostentatória, usada na disputa pelo poder
econômico e como estratégia de dominação sobre as demais classes sociais.
No início da era pré-capitalista essas fronteiras sociais eram transparentes na vida
cotidiana. Limites entre essas classes como nobreza, pequena burguesia, capitalistas e
proletariado foram claramente marcados e mantidos através de distintos modos de vida.
Mesmo com as inclusões sociais motivadas pelas leis suntuárias, os limites sociais eram
quase intransponíveis (LIPOVETSKY, 2005).
Com a queda destas leis e com o início da industrialização, surgiu a possibilidade da
mobilidade de classes. A elite, por sua vez, desenvolveu uma notável variedade de bens e
atividades de lazer que serviam de sustentáculo das suas posições sociais diante de parentes
de classe inferior (BOURDIEU, 2007;HOLT, 1998).
Após Veblen, é Pierre Bourdieu quem se dedica a pesquisas sobre o processo de
diferenciação social no intuito de teorizar esta distinção de classes. Em sua Teoria da
Distinção Social, o consumo é parte das muitas práticas sociais utilizadas na legitimação de
uma hierarquia na correspondência entre práticas culturais e classes sociais (BOURDIEU,
2007). Para o autor, o que distingue as classes já não é a produção e, conseqüentemente, o
capital econômico, mas o capital cultural, com suas práticas intrínsecas que diferencia quem
não o detém. A este conjunto de práticas ele denominou habitus, sugerindo que cabe às
2 está presente nem acessível a todos, mas apenas aos que têm o mesmo habitus. Diante disto,
o habitus, por meio de suas práticas, pode definir o gosto e este, por sua vez é que determina
o habitus dos dominantes e dos dominados.
1.1
Problemática
Podemos observar uma “tensão” entre classes em busca de ocupação de espaços. No
topo da pirâmide social, esta tensão se dá fundamentalmente entre as classes tradicionais e
emergentes. Por um lado, vemos uma dificuldade de “novos ricos” ou “emergentes” serem
legitimados nos ambientes das altas classes; por outro, vemos a dificuldade dos “ricos de
berço” ou da “tradição” em manterem seu status quando se encontram em dificuldades
financeiras (LEÃO, 2007).
Trata-se de uma “tensão”, pois não é comum a aceitação dos “emergentes” por parte
da “tradição”. Esta cobra daquela formas culturais específicas de escolha e preferência, ou
seja, a prática do gosto, segundo Bourdieu (2007). Cobranças estas que se verificam no
consumo, em que gosto e estilo são estruturados socialmente (BOURDIEU, 2007; SLATER,
2002).
Diante desta estratificação, que denota gostos refinado, médio ou vulgar, fica
expressa a posição social dos indivíduos. Pode-se observar a hierarquia no gosto, através das
atitudes e atividades, sejam elas sociais ou culturais, quando podemos inferir muitas
informações sobre a educação, rendimentos, aspirações sociais e posição econômica e
cultural de cada indivíduo. Como diria Bourdieu (2007), os gostos classificam o classificado.
Neste momento, a “tradição”, com seu berço cultural, define as normas do
refinamento necessário para o pertencimento àquela classe. Como os “emergentes” não
3 propriedade nos círculos econômicos e financeiros para construção, constituição e
legitimação de suas fortunas, são repelidos e mesmo banidos dos círculos sociais
tradicionais.
Já em termos econômicos quem detém o poder são os “emergentes”, que, por sua vez,
ditam as normas por eles definidas no seu espaço de domínio. Tirando proveito da
superioridade econômica e da decadência financeira da “tradição” gerada pelo mau uso dos
bens e do dinheiro herdado e a preocupação de manter seu status de “ricos de berço”, os
“emergentes” tentam ser legitimados por aqueles. Nesta busca por espaços sociais podemos
observar que é através do consumo que eles podem se equiparar; seja através de produtos de
consumo diário, seja por produtos de luxo, definidos como raros e caros.
Diante da impossibilidade do raro e podendo ter apenas o caro, os “emergentes” passam
a consumir um “novo luxo”. O chamado “novo luxo” ou luxo contemporâneo difere do luxo
tradicional, em que os objetos já não são mais valorizados apenas pela raridade de seus
materiais, mas também pela estética, pelo design. Este novo luxo se dá no ‘detalhe’, na
sofisticação, na tecnologia, na hipermobilidade e nas particularidades percebidas apenas por
alguns, porém bem divulgado para tantos quantos possam pagar (CASTILHO e VILLAÇA, 2006;
LIPOVETSKY, 2005).
Baudrillard (2005) diz que a ostentação e o exagero do luxo passam a ser vistos como
vulgaridade ou ingenuidade cultural. Justifica-se deste modo o cuidado da “emergência” em
não parecer o que não quer que pensem. Porém o “glamour” do luxo só estará disponível para
os que entendem sua linguagem. O luxo contemporâneo destina-se àqueles que dispõem de
capital cultural e econômico suficiente para decodificar as diferenças e este luxo é uma
diferença que diferencia. O “novo luxo” vem sendo impulsionado por um único fator: o desejo
de distinção. No novo ambiente do luxo os indivíduos esforçam-se para fazer parte do “clube
4 Desta forma, na busca de pertencimento e/ou diferenciação e distinção, as classes
“tradição” e “emergência” utilizam o consumo de luxo, por meio do capital cultural ou
econômico, como forma de distinguirem-se entre si. Podemos assim entender que a “tradição”
e a “emergência” utilizam o consumo de luxo como forma de distinguirem-se entre si. Para isto
se faz necessário enfatizar a produção de preferências distintivas por estilos de vida e bens de
consumo; tendo isto em conformidade com os processos sociais e culturais que evidenciam os
fatores que levam às produções de preferências e gostos que, nos campos sociais – onde se dão
as práticas sociais (BOURDIEU, 2007) – nomeiam e classificam os grupos e classes sociais
(FEATHERSTONE, 1995).
1.2
Pergunta de pesquisa
Considerando que nas sociedades contemporâneas, os indivíduos têm consciência da
importância da opção das escolhas de consumo, uma vez que estas escolhas se apresentarão
como símbolo de status (GOFFMAN, 1985), e que a legitimação deste status se faz necessária
por parte dos indivíduos, a adoção de condutas e procedimentos que promovam a classificação
visível na classe social que pertença ou queira pertencer (FEATHERSTONE, 1995). Detendo,
cada uma das classes estudadas, seu próprio habitus e conseqüentemente um estilo de vida,
com suas próprias características que se assemelham no consumo de luxo, buscaremos
compreender como se dá este consumo por meio do habitus de cada uma destas classes
(BOURDIEU, 2007).
Assumindo a possibilidade de que classes sociais – no caso, a “tradição” e a
“emergência” – busquem se distinguir entre si por meio do consumo de luxo é crítico que
buscaremos compreender como este processo se dá. Sendo assim, chegamos à seguinte
5
Como classes sociais buscam distinção por meio do consumo de luxo?1
Assim, a pesquisa que ora propomos objetiva compreender a maneira pela qual as
classes altas consomem o luxo em sua busca de manutenção e/ou ocupação do espaço e do
status social. São considerados de alta classe os indivíduos detentores de capital econômico, cultural e social elevado (BOURDIEU, 2007), que neste estudo trataremos por “tradição” e
“emergência”.
1.3
Justificativa
A contribuição teórica desta pesquisa está na busca de compreensão de como o
consumo de luxo ocupa papel na distinção das classes sociais altas. Esta se mostra como
aspecto crucial para um maior aprofundamento no entendimento da influência das classes
sociais no comportamento do consumidor.
Sabendo-se que nas sociedades contemporâneas, os indivíduos sabem que a sua opção
nas escolhas de consumo, apresentar-se-ão como símbolo de status. Status este, que se
legitima, por parte dos indivíduos, mediante a adoção de condutas e procedimentos que
promovam e determine a classe social que pertença ou queira pertencer (FEATHERSTONE,
1995).
1
6 Por outro lado, a base teórica – alinhada à teoria bourdieusiana, como se verá – tem
ganhado amplo espaço de aplicação e discussão na área e uma forte busca de compreensão na
área de comportamento do consumidor, tendo sido tema de trabalhos apresentados, por
acadêmicos, nos encontros da ANPAD (e.g. CASTILHOS, 2007; MISOCZKY, 2001; ROSA et al,
2006; STREHLAU, 2007).
Em termos de aplicabilidade, pretendemos contribuir para as estratégias de produtos de
luxo, considerando que os membros destas classes têm consciência que a comunicação do luxo
não se dá apenas pelo vestuário, perfumes e jóias, mas também através da moradia, mobiliários
– incluindo objetos de decoração e obras de arte – e automóveis, bem como viagens e
atividades de lazer e esportes (BOURDIEU, 2007).
Pretendemos ainda contribuir para uma maior compreensão dos consumidores de altas
classes acerca de seu lugar na sociedade, considerando que um número cada vez maior de
produtos se revestem de características e qualidades aspiracionais, se tornando produtos
premium e tops de linha, exclusivos e de notória qualidade (LAGE,2008(a)).
1.4
Limites e Limitações
Como limite deste trabalho temos a escolha da Teoria da Distinção de Pierre Bourdieu,
em que os atores são analisados pela sua praxiologia, ou seja, pelas práticas sociais dos
sujeitos. Esta escolha justifica-se pelo fato desta teoria buscar compreensão da distinção de
classes por meio do modus vivendi e da formação cultural de seus integrantes.
Uma possível limitação da pesquisa relaciona-se aos diferentes estilos de vida das
7 minimização deste impacto está no fato da pesquisadora ter, em sua vida cotidiana, acesso e
vivência tanto na classe tradicional quanto na emergente.
A seguir apresentaremos a fundamentação teórica que nos dará suporte para tal
8
2
Fundamentação Teórica
Neste capítulo são apresentados os principais alicerces teóricos que sustentam este
trabalho de pesquisa inserido na perspectiva de estudos culturais e embasado na condição
pós-moderna. Inicialmente, apresentaremos as origens e conceitos de classes sociais na visão do
comportamento do consumidor e na visão sociológica. Em seguida, as classes sociais
“Tradição” e “Emergência”. Na seqüência, o consumo, o consumo conspícuo ou ostentatório e
o consumo hedônico e utilitário. Após compreendermos o consumo, apresentaremos o luxo
com suas origens e conceitos, como se dá o consumo de luxo e a abordagem do luxo pelo
marketing. A distinção por meio do luxo antecederá a Teoria da Distinção de Pierre Bourdieu
com seus desdobramentos e aplicabilidade no consumo de luxo e na distinção de classes pelo
luxo. Deste modo, tornar-se-á evidente nossa compreensão dos signos como forma de ação
social e constituindo uma prática cultural baseada na interação dos sujeitos sociais.
2.1
Classes Sociais
À luz das ciências sociais, estratificação pode ser definida como a diferenciação de
determinada população em estratos hierarquicamente sobrepostos, desde os inferiores aos
superiores. Com o início da era pré-capitalista as fronteiras entre as mais diversas classes
sociais – nobreza, burguesia, proletariado – eram bastante claras. As leis suntuárias motivaram
estes rigorosos limites. Com o início da industrialização e o surgimento de novas atividades
produtivas, numerosos estudos sociológicos a partir das teorias de Karl Marx, Thorstein
Veblen, Georg Simmel e Max Weber, serviram para demarcar as fronteiras entre as classes
9 O uso do termo “estratificação de classes” por parte dos teóricos
estrutural-funcionalistas pressupõe critérios mais normativos que materiais de descrição e classificação
dos grupos sociais nas sociedades designadamente contemporâneas, os quais se opõem
diametralmente aos sustentados pela teoria marxista em torno das classes. Em suma, duas
grandes tradições sociológicas em contraste, não só quanto ao número de classes, mas,
sobretudo quanto à própria definição de estrato/classe: uma de inspiração
estrutural-funcionalista, mais fortemente acentuada desde os anos 50, e uma outra, a marxista, que, não
obstante variantes internas, é sustentada desde os fundadores do marxismo, no século XIX, até
o presente (SANTOS, 2004).
Para a concepção marxista tradicional, a classe era basicamente analisada a partir do
lugar ocupado pelos atores sociais no sistema econômico, ou, mais precisamente, no/ou em
face do processo de produção. Max Weber, por sua vez, releva o grau de estima, honra e
prestígio como o critério social de aferição do sentimento de pertença a determinado grupo e
seus correlativos modos ou estilos de vida, eventualmente exercidos em círculo fechado (por
ascendência, profissão, educação, etnia ou religião) e expressos em diversas formas. O seu
conceito de classe é restrito ao critério econômico da distribuição de poder de disposição sobre
bens, serviços, qualificações e outros recursos, nomeadamente as capacidades aquisitivas nos
diversos tipos de mercados (HENRY, 2002; SANTOS, 2004; WILLIAMS, 2002).
É fato que, independente do critério utilizado todas as sociedades exibem uma estrutura
em que alguns membros são, de algum modo, melhor colocados do que os outros. Podem ter
mais autoridade e poder, ou serem mais admirados e/ou respeitados, isso determinando o
acesso às classes sociais. Portanto, classe social define-se como a divisão dos membros de uma
sociedade em “uma hierarquia de classes de status distintos, de modo que os membros de cada
classe tenham relativamente o mesmo status e os membros de todas as outras classes tenham
10 que um indivíduo ocupa na sociedade de acordo com o julgamento coletivo ou consenso de
opinião do grupo a que pertence. Portanto, o status é a posição em função dos valores sociais
correntes na sociedade.
Porém, a partir da década de sessenta foi formado um novo conceito, um conceito
pós-moderno em torno de uma concepção de organização social, onde observamos uma ruptura
entre a classe social e a posição dos padrões de consumo (HOLT, 1998).
Segundo a ótica marxista, em praticamente toda sociedade, seja ela pré-capitalista ou
caracterizada por um capitalismo desenvolvido, existe a classe dominante, que detém, direta ou
indiretamente, o controle e o poder; e as classes dominadas por ela, reproduzida
inexoravelmente por uma estrutura social implantada pela classe dominante. A construção das
classes sociais passa a ser caracterizada como uma rede de características manipuladas de
maneira inconsciente com base em critérios únicos, de modo a apreender as origens e se
agruparem em práticas habituais e se mobilizarem pela e para uma ação política, individual e
coletiva (SILVA, 1988).
A posição social de um indivíduo na sociedade é determinada por um conjunto de
variáveis econômicas composto por ocupação, renda e riqueza. Podemos dizer que sua classeé
influenciada pela sua família. A ocupação dos pais e sua situação financeira também são
fatores determinantes para sua posição social. Não querendo dizer com isto que quem ganha
mais, não necessariamente, ocupe posições sociais mais altas, mas que o fato também possa
contribuir para as variáveis de interação – prestígio pessoal, associação e socialização – e as
variáveis políticas – poder, consciência de classe e mobilidade (ENGEL et al, 2000;SOLOMON,
2002).
Todas as sociedades são divididas entre os que “tem” e os que “não tem”, ou seja, há
uma estratificação ou sistema formal de desigualdade que geram as classes sociais. Esta
11 em sociedades com desigualdade econômica. Essa identidade social se dá nas interações entre
pessoas de status desigual (ENGEL et al, 2000).
Genericamente, definimos status social como o “conjunto de direitos e deveres que
caracterizam a posição de uma pessoa em suas relações com as outras” (HOLANDA, 1984,
p.1594). Conceitua-se que o status é ‘atribuído’ quando independe da capacidade do indivíduo
para sua obtenção; ele recebe este status quando nasce. O status é ‘adquirido’ quando depende
do esforço pessoal para sua obtenção. Portanto, através de suas habilidades, conhecimentos e
seu sucesso relativo ao de outros na mesma ocupação – pelo desempenho pessoal do indivíduo.
Este indivíduo pode alterar seu status ao competir com outras pessoas ou grupos e triunfar
sobre eles (ENGEL et al, 2000;SOLOMON, 2002).
Os produtos e serviços podem representar o status do indivíduo, pois a sua posse
depende das restrições impostas a cada classe. Desse modo, sabemos que para representar esse
status social, os indivíduos exibem bens compatíveis com sua classe social e esses bens só
serão reconhecidos dentro das mesmas, uma vez que são sinais compartilhados culturalmente.
Porém, se um membro de outra classe estiver portando um símbolo que não pertence à sua
classe, este não representará com precisão o significado desejado por não ser compartilhado.
Para que um ítem de consumo seja simbolizado adequadamente para cada classe social será
necessário que haja uma codificação e uma decodificação (MOWEN e MINOR, 2003).
Um bem para que seja codificado dentro de uma única classe social faz-se necessário
ser de propriedade homogênea. Quando “um significado de status compartilhado é ligado a um
bem material por grande parte dos membros da sociedade, ocorre precisão de codificação”
(MOWEN e MINOR, 2003, p.330). A codificação de um nível de status é alcançado por apropriação dos símbolos que presumivelmente, são exclusivos para esse nível. O símbolo
encontrado com relativa homogeneidade dentro de níveis de classe incluem mobiliário,
12 diferentes posições ocupadas por um indivíduo que , por meios visuais, fornecem ‘pistas’ que
são a fonte mais clara do prestígio e status social (DAWSON e CAVELL, 1987).
Assim, em sociedades, o status social de um indivíduo é a soma do que ele desfruta em
cada grupo de que ele participa. Portanto, status social é o “posto”, a honra ou o prestígio
anexado à posição de alguém na sociedade e o status social é influenciado pela posição social
que o indivíduo ocupa dentro daquela sociedade (SILVA, 1988). Enquanto que, “grupos de
status são estratificados de acordo com os principios de seu consumo de bens representados por “estilos de vida” especiais” (ENGEL et al, 2000, p. 438). O conceito de classes sociais é
bastante discutido por estudiosos do comportamento do consumidor e da sociologia. De modo
geral eles reconhecem que os valores, motivações e processos de informação e decisão de
compra de produtos variam de acordo com as classes (MATTOSO, 2005).
O que determina a classe social e, conseqüentemente o seu status social foi motivo de
pesquisa de estratificação de classes, inicialmente nos anos 1920 e 1930 em pequenas cidades
dos Estados Unidos, porém apenas com descrições das classes sociais. Mais recentemente,
Dennis Gilbert e Joseph Kahl com “The American Class Structure” (1957), buscaram nas
grandes cidades “movimento entre as classes sociais, as interações de classe social com gênero,
raça, etnia e educação, e os efeitos de classe social na pobreza e na política econômica”
(ENGEL et al, 2000, p.439).
Embora existam estudos nacionais e mais recentes na literatura, como por exemplo, o
de Cecília Mattoso(2005): “Classes Sociais: uma discussão sobre os conceitos na Sociologia e
Antropologia e sua incorporação ao marketing”, para o nosso estudo, a pesquisa de Gilbert e
Kahl(1957) definiu mais objetivamente as variáveis sociais suas categorias .
Da pesquisa de Gilbert e Kahl (1957) sugiram nove variáveis que mais se destacaram
13
Tabela 1 - Variáveis de Classes Sociais
Variáveis Econômicas Variáveis de Interação Variáveis Políticas
Ocupação Prestígio Pessoal Poder
Renda Associação Consciência de Classe
Riqueza Socialização Mobilidade
Fonte: Engel et al (2000)
Diante destes conceitos de classes sociais podemos dizer que cada classe tem seu locus
de consumo com seus valores, motivações, processos de informação e decisão de compra de
acordo seu status e posição social. De conformidade com nosso trabalho, analisaremos o
comportamento de consumo das classes “tradição” e “emergência” utilizando as variáveis de
poder, consciência de classe e mobilidade utilizadas nas pesquisas de Gilbert e Kahl (1982), no
entanto, considerando o momento atual com os costumes vigentes e inerentes à alta sociedade
pernambucana.
2.1.1
Classes: “Tradição” e “Emergência”
As famílias tidas como “ricos de berço” (SOLOMON, 2002) que vivem principalmente de
bens e recursos herdados são denominadas por nós de “tradição”. Porém, não basta apenas ter
herança pecuniária. Esta herança deve vir acompanhada de uma história familiar. Deve vir
acompanhada da “pátina”. Segundo McCracken (2003, p.55), a “pátina”, “tomada como uma
propriedade ao mesmo tempo física e simbólica dos bens de consumo” foi tida até o século
XVIII como um meio, dos mais importantes de distinção das classes alta e classe baixa ente si.
Nos dias atuais funciona como estratégia de diferenciação pelos muito ricos.
Conceituando “pátina”, segundo McCracken (2003), como signos da idade acumulados
na superfície dos objetos deixados pelo tempo. Quando os objetos manufaturados passam por
um processo de “envelhecimento” natural decorrente do passar dos anos, da hereditariedade
14 presença desta “pátina” legitima aqueles objetos como posse de família, passando de geração a
geração. Conclui-se que aquela família não é novata na atual posição social (MCCRACKEN,
2003).
Coerentemente com esta perspectiva, os consumidores do “dinheiro antigo”
preocupam-se mais em falar “dos ancestrais e de sua linhagem, do que de sua riqueza”
(SOLOMON, 2002, p. 321). “As pessoas realmente ricas fogem à ostentação” comenta Richers
(1996, p. 127) e Allérès (2006, p.100) corrobora, ao falar das sociedades dos séculos 18, 19 e
20:
Duas classes sociais se enfrentam através de seus códigos distintivos de reconhecimento social: aquela que, pelo nascimento e pela história persiste em guardar a distância, em conservar seus privilégios e marcar sua diferença pelo recurso e usos inacessíveis, a outra, que tenta permanentemente esquecer as origens trabalhadoras sonha em pertencer à classe dominante, copia seus usos e compensa a vacuidade de sua história como um frenesi de aquisições seletivas com o fim de apagar o fosso entre essas duas classes. (...) Sem história, sem referências sociais particulares, uma grande parcela dessa nova classe da burguesia recuperará suas diferenças através de uma avidez consumidora sem precedentes.
Observamos ainda que nos anos 90, com a “febre do luxo”, originada por um grande
crescimento econômico, preponderantemente nos Estados Unidos, tenham sido marcados por
posturas diversas quanto ao luxo, muitas vezes até contraditórias, denotando que não existe um
perfil único de consumo destes produtos de luxo (D’ANGELO, 2004). Diante disto, Barth (1996,
p.10), colocaria: “o mundo dos consumidores dos produtos e serviços de luxo não constituem
(sic) uma massa uniforme, existindo uma segmentação que não é somente determinada por
estratificações de poder econômico de compra”, mas também por elementos culturais.
A estes indivíduos, pertencentes à classe do “dinheiro antigo” e detentora da “pátina” e
dotados de elementos culturais, nomeamos de classe “tradição cristalizada”.
Tradição, pois, seu significado é o da transmissão de doutrinas, de lendas, de costumes
etc., durante longo espaço de tempo, especialmente pela palavra. A tradição é o laço do
passado com o presente e também é o costume transmitido de geração a geração (HOLANDA,
15 experimentar mudança; e ainda: tornar-se concreto; consolidar-se, materializar-se (HOLANDA,
1984, p. 505).
Analisando ainda pela “febre do luxo”, como diria D’Angelo (2004), o crescimento
econômico dos anos 90 fez surgir uma nova classe de pessoas ricas que, a exemplo da década
de 80, caracterizada pela ostentação e exibicionismo proporcionados pelo “novo dinheiro”. À
esta classe nomearemos “emergência notória”2, que, embora sem capital econômico inicial, é detentora de bens, propriedades, automóveis, obtidos através de trabalho próprio, num esforço
de autoconstrução (ex. comerciantes, empreendedores ) ou estudos escolares, o caso de
profissionais liberais que ascenderam a melhores posições. Esta classe possuidora do dinheiro
busca, por meio do luxo, galgar degraus na escala social.
Diante do acima exposto, podemos dizer: o que diferencia as classes sociais em questão
– “tradição” e “emergência” - apesar de ambas possuírem as mesmas propriedades e a mesma
posição social é a sua origem.
Neste trabalho veremos o luxo patrimonial, cultural e social, considerando as classes
aqui em estudo: “tradição” e “emergência”.
Para estas classes sociais será considerado luxo patrimonial: os imóveis, veículos,
embarcações e aeronaves. O luxo cultural será analisado quanto aos estudos e artes. Serão
incluídos aí os produtos de luxo de uso pessoal, visto que este uso é intrínseco à cultura.
Seriam eles: vestuário, calçados e acessórios, joalheria, escrita, perfumaria, cosméticos e ainda
os objetos de uso doméstico: porcelana, prata, obras de arte, cristais, bebidas e alimentos,
vinhos, champanhe e especiarias. Como luxo social analisaremos as prestações de serviços,
hotelaria e viagens. (D’ÂNGELO, 2004). Para tanto se faz necessária a compreensão do
processo de consumo, seja de produtos ou por meio da prestação de serviços.
2
16
2.2 Consumo
O consumo é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como
indivíduos; é uma condição e um aspecto, permanente e irremovível, sem limites temporais ou
históricos; um elemento inseparável da sobrevivência biológica, que nós humanos,
compartilhamos com todos os outros organismos vivos (BAUMAN, 2008).
O consumo é público e desempenha um papel ritual nas sociedades. Há o predomínio
da idéia de que as relações entre as pessoas são mediadas por bens, uma vez que eles servem
para transmitir significados; significados esses, que só existem pelo e para o social, que só
fazem sentido se compartilhados socialmente. Na visão de Douglas & Isherwood (2004), serve
principalmente para dar sentido. Os produtos consistem num meio não-verbal de transmitir, de
expressar, de afirmar e até mesmo de negar valores, princípios e ideais de um determinado
contexto sócio-cultural.
Diante das contínuas mudanças no comportamento dos indivíduos dentro da sociedade
vem sendo provocada uma revolução na cultura subjetiva, na relação do homem com os
demais, com o mundo e consigo mesmo. Essa nova maneira de se relacionar vai encontrar suas
formas de realização numa variedade de objetos que formam um novo repertório material
advindo da pós-modernidade, o qual é importantíssimo na (re)definição de si mesmo, da
personalidade e do estilo de vida. O consumo adquire novos contornos e nova aceitação do que
era considerada à parte da cultura ou como uma cultura menor (BERGER e LUCKMANN,1985;
HALL,2005).
17 As pesquisas no campo do comportamento do consumidor, sob o aspecto
emocional, iniciaram-se nos anos 60, quando Stewart Henderson Britt(1966) fez uma
pesquisa motivacional, por meio da investigação, da influência da emoção nos processos
mentais humanos e sua participação nos fatores que levam um indivíduo à ação(COSTA e
FARIAS,2004 ).
No início da década de 80 Hirschman e Holbrook (1982) propuseram uma sistematização de alguns dos aspectos intangíveis e subjetivos ligados à compra e consumo denominando-a compra hedônica ou consumo hedônico. Para estes autores a compra hedônica “designa os aspectos do comportamento do consumidor que estão relacionados com aspectos multisensoriais, emocionais e à fantasia” (pp. 92). A emoção no consumo de bens e serviços passa a ser explorada como um fator determinante do comportamento do consumidor, em contraponto ao modelo de tomada de decisões racionais no processo de decisão de compra (COSTA e FARIAS, 2004).
Já na década de 90, o consumo hedônico é pesquisado por outros autores (Babin,
Darden e Griffin, 1994; Tuam Phan, 1998). No entanto, Westbrook e Oliver (1991) em sua
pesquisa, observaram a influência da emoção na avaliação de satisfação como um fator de
relevância no processo da pós-compra, corroborando deste modo, com as teorias dos
pesquisadores sobre o comportamento do consumidor.
O consumo hedônico refere se ao valor derivado da experiência prazerosa
(CARPENTER et al., 2005), uma vez que o consumo hedônico busca a diversão, distração, fantasia (existentes apenas no imaginário), excitação, prazer e estimulação sensorial,
associações internas históricas(que resgatam emoções já vivenciadas (HIRSCHMAN e
HOLBROOK, 1982b).Experiência esta podendo inclusive promover um estímulo que altera o
estado emocional tanto do corpo como da mente, através da evocação de sentimentos não
18 O consumo hedônico é ligado à construção imaginativa da realidade. Deste modo,
os atos do consumo hedônico são baseados não no que os consumidores sabem da
realidade, mas sim no que desejam que ela seja. Considerando desta forma, a construção da
realidade pelo indivíduo pode não ser condizente com a realidade externa (GOLDSMITH,
2002). O elemento da fantasia é refletido na habilidade mágica contida em cada
experiência hedônica de consumo. A experiência mágica transcendental é intimamente
ligada com os processos existenciais psicológicos e sociais e com as projeções pessoais e
particulares do ser humano nas atualidades de suas vidas (KAPFERER, 1998).
Já a satisfação hedônica é a aquela proveniente destes elementos além da obtenção
de informação nova e da interação social (BUHRMAN, 2002). O consumo hedônico, deste
modo, está relacionado às imagens multisensoriais (recebimento de experiência sensorial,
como paladar), fantasias e aos aspectos emotivos da experiência de alguém com produtos.
Essa perspectiva hedônica de consumo acaba observando que os produtos não são vistos
meramente como objetos de consumo, mas símbolos subjetivos. Mesmo sem comprar
produtos fatores como ver cores, manipular os produtos, olhar vitrines, sentir cheiros,
passear, compõem a experiência hedônica, uma vez que proporciona prazer aos indivíduos
(HIRSCHMAN E HOLBROOK, 1982a).
Observando a pesquisa de Salazar, Lucian e Goes (2008), podemos dizer que os
indivíduos estão buscando experiências:
Os consumidores estão buscando não apenas produtos e experiências, pois os produtos são tangíveis, os serviços intangíveis e as experiências inesquecíveis. No consumo de serviços de lazer, os clientes possuem razões mais hedônicas do que utilitárias para contratação destes e o consumo hedônico busca preencher necessidades emocionais. Por causa do contexto hedônico ou emocional, os consumidores dos serviços de lazer tendem a ser mais sensíveis ao ambiente e ao pessoal linha de frente, como no caso dos restaurantes.
Criar uma experiência para o consumidor é o que têm buscado os lojistas e os
prestadores de serviços. Para tal, tem-se procurado criar nos espaços uma atmosfera em
19 consumir. Podemos observar nas lojas, por exemplo, um crescente número de produtos que
evocam o bem-estar pessoal e o prazer da sua utilização. Produtos estes que vão da
cosmética à alimentação, passando pelo vestuário e artigos para o lar. É neste sentido que
falamos atualmente sobre o gradual desenvolvimento de um consumo hedonista, em que
produtos e serviços são adquiridos para a “satisfação pessoal do consumidor
prazer), e não apenas em função de necessidades tidas como “essenciais”
(compra-obrigação) (OBSERVATÓRIO DOCOMÉRCIO, 2001).
Recentes estudos têm ressaltado a importância de fatores ligada ao hedônico (uma dimensão do divertimento), contrapondo-se aos estudos tradicionais que se detinham apenas nas motivações utilitárias (uma dimensão de resolução de problemas) das compras (DIAZ e GERTNER, 1998). Em 1994, Babin et al. partindo do valor hedônico e do valor utilitário desenvolveram uma escala de avaliação dos consumidores durante o processo de compra e consumo, e concluíram que a compra por impulso, ou seja, a compra não planejada está mais relacionada com o hedônico, quando da ida a um centro comercial e de fazer compras como terapia. Quanto à compra inteligente, diante da pressão do tempo, há uma redução do hedônico em prol do utilitário, quando da necessidade da opção por outro produto. No entanto, Babin et al (1994), indica que os consumidores vão às compras como opção de entretenimento e lazer.
Já os aspectos utilitários da experiência de compra e consumo estão relacionados ao “cumprimento da missão” do ato de comprar. E só considerará a missão cumprida se a mesma tiver sido executada de forma meticulosa (BABINet al., 1994; ARNOLD e REYNOLDS, 2003).
A idéia é de relacionar a satisfação utilitária com a conclusão da tarefa de compra e ainda
considerando que foi fácil adquirir um produto. O valor utilitário pode depender do
estímulo com que o indivíduo foi às compras para o consumo particular ou necessário. O
valor utilitário é relevante também na explicação da ida às compras descritas pelos
consumidores como uma incumbência ou trabalho onde eles se sentem felizes
20 Porém, dentro do comportamento do consumidor existem indivíduos que
consomem não apenas pela necessidade (leia-se utilidade) nem tampouco por prazer. Sobre
este outros tipos de consumo vamos falar a seguir.
2.2.2 Consumo Conspícuo ou Ostentatório
Thorstein Veblen, economista americano de origem norueguesa, no final do século
19, afirma que o consumo era apenas uma afirmação de status perante outros indivíduos.
Na sua obra “A Teoria da Classe Ociosa” ([1899] /[1978] / [1988] ) trata, entre outros
assuntos, do consumo especializado de bens e do consumo como riqueza.
Veblen (1988) passa a observar uma visão utilitária do consumo, que ainda
prevalece no viés economicista, e dá uma nova atenção ao significado cultural contido
neste fenômeno e em suas práticas. O consumo é um fato social considerado sensível às
interpretações que envolvem significados culturais e públicos. A teoria de Veblen (1988)
foi decisiva, em primeiro lugar, por retirar o consumo da posição de simples efeito reflexo
da produção e colocá-lo como fenômeno capaz de assumir um lugar destacado também
como um discurso sobre as relações sociais.
Veblen faz uma contundente crítica às análises utilitaristas e instrumentalistas dos
economistas, procurando mostrar de que maneira o consumo é socialmente construído. Foi,
portanto, pioneiro em tirar esse fenômeno do eixo das “necessidades”, ao publicar a 1ª
edição de A Teoria da Classe Ociosa no ano de 1899. Sua abordagem desloca o consumo
da esfera psicológica e econômica e o joga no campo das forças sociais. Veblen postula
que o homem não é movido apenas pela busca do ganho econômico, como queriam os
21 ainda embasado na sua teoria da classe ociosa. Classe esta, que surge quando a sociedade
cria a distinção entre funções “dignas”, que ele denomina como um elemento de proeza, e
as funções “indignas”, que são as funções diárias e rotineiras (BARROS, 2009).
O aparecimento de uma classe ociosa atesta Veblen, acontece simultaneamente ao
inicio da propriedade, uma vez que, as duas instituições fazem parte do mesmo conjunto de
forças econômicas. A evolução cultural inicia-se a partir da produção industrial e o
acumulo de bens por ela gerados, passa a sobrepor-se às façanhas e proezas como indício
de poder e sucesso, e a propriedade torna-se a base da estima social, como prova de
realização notável e heróica. Diante disto, uma nova base de valores se estabelece e passa
existir uma preocupação em cada um de estar sempre acima do padrão médio da
comunidade, ou como chamou Veblen, “emulação pecuniária”, o que leva o indivíduo a
querer um contínuo aumento de sua riqueza em relação aos outros, já que uma insatisfação
crônica com o que se possui é estabelecida desde o início deste sistema de valores. O
desejo de riqueza torna-se uma busca para se alcançar a “honorabilidade pecuniária”
(VEBLEN, 1988).
Deste modo, para a “classe pecuniária superior” obter a legitimidade, não basta
apenas possuir riqueza ou poder, se faz necessário exibir esta riqueza e poder à sociedade.
O consumo conspícuo praticado pelos indivíduos, caracterizado por uma busca de
excelência nos alimentos, bebidas, vestimentas e divertimentos alia-se a um crescente
refinamento de gostos e sensibilidade, uma vez que, para apreciar tais objetos de consumo
é preciso ter sido educado para tal, ou seja, vai acontecendo gradualmente um refinamento
(BARROS, 2009).
O termo "consumo conspícuo”, o consumo que se vê que se faz conhecido, posses
de valor visível, que dão sinal de riqueza, sucesso e status ao indivíduo, foi cunhado por
22 realizado com a finalidade de demonstrar aos olhos dos outros a capacidade de gastar
daquele que consome. Identificou ainda na sociedade capitalista moderna a competição
febril entre os indivíduos por meio do consumo conspícuo. A “prodigalidade conspícua”,
como também é chamada este tipo de consumo, mostra que as escolhas quantitativas ou
qualitativas de consumo são indicadoras de estratificação ou segregação social (ALLÉRÈS,
2006).
Uma das formas de enfatizar este consumo conspícuo é a ostentação da riqueza
dando presentes valiosos a amigos e rivais e oferecendo festas suntuosas com o objetivo de
comprovar sua maior respeitabilidade e status frente aos outros membros da comunidade,
ou seja, o consumo passa a ser visto como um indexador simbólico. E ainda, vê-se o
consumo como expressão de status e como fenômeno capaz de construir uma estrutura de
diferenças. O consumo é uma mensagem codificada que permite aproximar e diferenciar
grupos classificando pessoas e espaços. Uma série de produtos e serviços é articulada, pelo
consumo, a várias pessoas, grupos sociais, estilos de vida, gostos e desejos que a todos
envolve em um permanente sistema de poder e prestigio na vida social (VEBLEN, 1988).
O consumo para denotar status não é, obviamente, a única razão para consumir,
embora seja um fator que influencia, outros fatores que levam um indivíduo a consumir. O
consumo conspícuo dita as preferências dos indivíduos, dos mais ricos na medida em que
tentam se diferenciar dos demais, e dos mais pobres ao tentar imitar o padrão das classes
mais altas. A riqueza em si não teria nenhum significado social se fosse simplesmente
consumida ou possuída. (VEBLEN, 1988). Podemos dizer que o juízo estético não é
desinteressado, pois se julga belo aquilo que é caro e cuja posse distingue os indivíduos.
Ao apreciar os materiais raros e as qualidades decorativas dos objetos, até mesmo os que
são úteis, constatamos que sua raridade e beleza evoca a ociosidade vivenciada pelos muito
23 classe superior”(VEBLEN, 1988, p.36).
O rico vangloria-se de suas riquezas por sentir que atrai, naturalmente, as atenções.
O pobre, ao contrário, envergonha-se da sua pobreza, pois ela o coloca fora da visão dos
indivíduos e da sociedade. O indivíduo que sente que não tem atenção decepciona-se por
não ter “um dos mais ardentes desejos da natureza humana” (PINTO, 2007). A aquisição de
bens materiais é um dos maiores indicadores do sucesso social e status. O desejo é
responsável por grande parte do comportamento do consumidor e o status é a posição ou
lugar que um indivíduo ocupa na sociedade ou em um grupo e gera, neste individuo, uma
forma de poder que consiste em respeito, admiração e inveja dos outros. Vance
Packard(1959), em sua obra “American Social Classes in the 1950s: The Status Seekers”
aplicou na sociedade moderna a idéia vebleriana do consumo ostentatório, sugerindo que
os indivíduos consomem produtos para demonstrar um nível superior para si mesmo e para
seus amigos, definindo como “caçadores de status”, os indivíduos que estão sempre em
busca de cercar-se de sinais de evidencia que denotem sua posição superior.
Conseqüentemente, os indivíduos têm a necessidade da pertença à grupos para sentir-se
psicologicamente satisfeitos e para tal, inicialmente imitam outros membros do grupo e,
posteriormente, lutam pelo reconhecimento por meio da diferenciação. Para obtenção desta
superioridade, muitas vezes, utilizam sua renda e seu poder econômico para destacar-se
dos demais (DAWSON e CAVEL, 1987).
Esta distinção, que é objeto de nossa pesquisa e que será considerado no contexto
do campo social do luxo.
2.3 Luxo
Buscando definições para o luxo encontramos várias visões que veremos a seguir.
24 entendido que o luxo brilha, é iluminado. Castarède (2005), por sua vez, considera que
luxo vem do latim luxus (abundância, refinamento) e não lux, o que teria induzido alguns a
identificá-lo à luz que ilumina o mundo. Roux (2005, p.115) sugere a leitura de dicionários
etimológicos onde se lê que luxo é derivado do latim luxus, “oriundo do vocabulário
agrícola, que inicialmente significou “o fato de crescer de través”, para em seguida
significar “crescer em excesso”, em seguida significar “excesso em geral” para, a partir do
século XXVII, significar “luxo”.
Entre os séculos XVI e XVIII o luxo caracterizava-se por extensas propriedades,
riqueza em adornos, jóias e vestimentas. Neste momento o tecido era valorizado, sendo
feito por artesãos que davam suntuosidade de aparência à peça por meio do uso de
materiais nobres e raros (LURIE, 1997). Durante a produção fabril o consumo ainda era
restrito em decorrência de escassez de matéria prima. Porém com a revolução industrial
com capacidade de produção ampliada, o consumo foi crescendo e crescendo também o
consumo conspícuo, ou seja, consumir para se mostrar socialmente. Observa-se, a partir
deste momento, que as identidades passam a ser marcadas por meio da hereditariedade,
tradicionalidade do nome ou da família (LIPOVETSKY, 2005). Criado o impasse da
diferenciação, surge simultaneamente a preocupação com a produção, que deveria
continuar incentivando o desejo de compra a partir do prestígio, que até então era menos
aparente. Sobre este momento Lurie (1997, p. 145) descreve:
25 Então se dá inicio ao luxo das marcas como podemos ver hoje. As primeiras marcas
que surgiram deste modo, mercado foram Hermes (1837), Louis Vuitton (1845), Chanel
(1912) e Balenciaga (1921) (THOMAS, 2008). Diante disto, o luxo ficou sendo reconhecido
a partir de um nome, ou seja, o responsável pela criação dos modelos exclusivos e de alta
qualidade. Com o crescente consumo e aumento da demanda, pelas elites, de modelos
exclusivos, sob medida e com qualidade superior, o artista volta a ter a posição de destaque
como os antigos artesãos de séculos anteriores. Ou seja, prestígio e notoriedade associados
a seu nome. No entanto, este período durou aproximadamente 100 anos e, em seguida,
estas empresas de luxo, de modo geral pequenas e de administração familiar, aos poucos
foi perdendo espaço para os grandes conglomerados que visavam o lucro acima de tudo
(LIPOVETSKY, 2005; THOMAS, 2008). Hoje, poucas delas ainda mantêm-se sob a batuta dos
herdeiros. A maioria rende-se às propostas financeiras dos grandes grupos empresariais de
marcas de luxo que reunidas, dominam o mercado internacional (THOMAS, 2008). O mais
famoso destes grupos é o LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton S.A) pioneiro e detentor
de marcas Louis Vuitton, Christian Dior, Donna Karan, Givenchy, marcas de champanhe
Moet& Chandon e Veuve Clicquot e de conhaques Hennessy, Krug e Dom Perignon, a
grife de relógios TagHeuer, entre outras, totalizando 51 marcas (VARELA, 2004).
Podemos dizer que muitas podem ser as características do luxo, objetos caros,
raros, tradicionais, originais, de alto prestígio, dotados de qualidade superior, ou seja,
produtos voltados para um consumidor seleto e muito rico (ALLÉRÈS, 2006; CASTARÉDE,
2005; D’ANGELO, 2004; LIPOVETSKY & ROUX, 2005). No entanto, o luxo que aqui
trataremos, são produtos de alto valor, não necessariamente pecuniário, não implicando em
excesso ou sacrifícios pela ostentação, mas fazendo parte do cotidiano de quem o consome.
Nos anos 1980, certas marcas deixaram-se levar e dominar pela onda de uma
26 inovação, qualidade e preço. Nos anos 1990, elas tiveram que reagir, para comunicar um
valor autêntico à sua clientela, pois se os clientes estivessem convencidos de que o preço
era justificado por valores únicos, então não pediam mais que compartilhar deles e fazê-los
seus (LIPOVETSKY & ROUX, 2005), uma vez que outra palavra importante para o
entendimento do significado de luxo é a "tradição". Isso significa saber manter raízes,
origens, estilos, autorias, memórias, valorização do passado, reconhecimento, a
preservação das tradições históricas e herança dos ancestrais e, portanto, valorizar o
tradicional (FAGGIANI, 2006).
No entanto, tudo isto fica muito vago diante do universo que é o luxo. “O luxo
define o belo” (KAPFERER, 2003, p. 42) e exige aprendizado do raro, do exótico e do
sensível. O luxo “é indispensável porque atende a uma necessidade psicológica e
biológica” (CASTARÈDE, 2005, p.28). O luxo se dá no design, na sofisticação tecnológica,
na hipermobilidade e na individualização (CASTILHO E VILLAÇA, 2006; D’ÂNGELO, 2006).
Sob aspectos impalpáveis, o luxo se associa a um signo e símbolo, a um código,
comportamento, comodidade, conforto, a valores éticos e estéticos, ao reconhecimento, ao
prazer e à satisfação e requinte. O luxo também se envolve com o raro, com a restrição, o
exclusivo e, por isso, o alto custo. Por estar associado à qualidade, diferença, raridade,
satisfação pessoal, reconhecimento, à preferência, ao desejo, ao inatingível, pode-se dizer
que o luxo é uma diferenciação com custo mais elevado (SHERMACH, 1997; CASTARÈDE,
2005). Toda criação fora do comum ou do trivial, extraordinária, sinônimo de beleza, de
estética, de refinamento, produto mágico, com as marcas da sedução, objeto lúdico,
evocativo de sonho, de prazer, promessa de felicidade, “é qualificada como prestigiosa, “de
alta classe”, inacessível produto de luxo” (ALLÉRÈS, 2006, p.19). Os produtos de luxo
envolvem todos os fatores mais racionais da compra – qualidade e originalidade – e os
27 produtos de luxo são signos distintivos das classes recentemente mais favorecidas –
emergentes – que gostam de novidades e, principalmente, estão abertos às novidades
(ALLÉRÈS, 2006).
Para muitos, o luxo ainda está associado à suntuosidade, à pompa, à extravagância,
magnificência, ao supérfluo, à frivolidade, à aparência, ao poder material, porém nota-se
que progressivamente este conceito tem se modificado. De acordo com Lipovetsky (2005),
o luxo é tradicionalmente visto como algo inacessível, mas essa é só uma das suas facetas.
Pois, os produtos de luxo podem assumir funções diversas, como: subjetiva, de prazer
pessoal (hedonismo) e de representação pessoal (consumo conspícuo) (SCARABOTO et al,
2005).
Diante destas constatações, estas novas e grandes empresas do luxo, além de
modificar a administração e produção das antigas grifes, expandiram e diversificaram os
produtos oferecidos anteriormente. Com isto deu-se início a “democratização do luxo”
(ALLÉRÈS, 2006; CASTARÉDE, 2005; D’ANGELO, 2004; LIPOVETSKY, 2005), processo pelo
qual produtos com preços mais viáveis, passaram a entrar no mercado, com o mesmo nome
da marca de luxo.
A partir deste contexto, os produtos ou bens de luxo passam ser hierarquizados em
duas categorias: luxo inacessível: bens seletos, tradicionais, raros e de alto valor financeiro
e inestimável (ex. obras de arte, aviões particulares, ilhas, iates). O luxo intermediário que
considera produtos também de valores altos, porém produzidos em série (ex. relógios,
roupas, bolsas). Por fim o luxo acessível, onde estão inseridos os objetos em série com a
marca de luxo, porém são produzidos com atributos de qualidade menos elevados e
vendidos a baixos preços, em lojas multimarcas e deste modo teremos o reconhecimento
28 objetos com assinatura de luxo (ALLÉRÈS, 2006; CASTARÈDE, 2005; D’ANGELO, 2004;
LIPOVETSKY, 2005).
No sentido de elucidar o acesso deste produto aos indivíduos a quem seduz, se faz
necessária a compreensão dos conceitos e processos do consumo de luxo.
2.3.1 Consumo de Luxo
Em uma sociedade de consumo como a ocidental se faz necessária a compreensão
do comportamento do consumidor e do consumidor de luxo. Para tanto, entendemos por
consumo (MCCRACKEN, 2003), os processos usados pelos quais os bens e serviços são
criados, comprados e usados.
A cultura do consumo é um modo dominante de reprodução cultural onde há uma
relação entre a cultura local com seus recursos sociais, recursos materiais e simbólicos e os
recursos mediados pelos mercados. Segundo Slater (2002), em qualquer lugar, o consumo
é um processo cultural
O consumo dos bens de luxo e serviços tem comportamento muito particular no
mercado e os esforços de marketing são diferenciados neste setor, com adaptações de
conceitos ou inovações dentro da área (GALHANONE, 2005). No segmento do luxo,
consumir o produto é uma conseqüência da estratégia da marca que promete a realização
dos desejos inconscientes do consumidor. Hoje o que se espera das marcas é a satisfação
de prazeres íntimos, de caráter mais intimista, que legitimem o luxo como necessidade