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Contato inicial

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 86-95)

No primeiro contato com os professores aproveitamos para realizar uma entrevista inicial, apêndice A, para estabelecer um contato inicial e realizar um levantamento histórico-profissional dos professores, visando conhecer a trajetória de formação inicial e continuada e experiência docente.

Professor Marcelo

O Professor Marcelo se graduou primeiramente em engenharia, em uma universidade pública do Paraná, onde se destacou como excelente aluno na disciplina de cálculo, como consequência de seu desempenho, passou a fazer parte da monitoria da disciplina, tal atividade despertou seu gosto pelo magistério. Avaliou sua formação matemática universitária de excelente qualidade.

Quando concluiu o curso de engenharia ingressou no magistério na rede pública estadual de ensino e posteriormente na rede municipal de ensino de São Paulo, na época era possível lecionar sem possuir a licenciatura na área de atuação, só após a exigência legal de licenciatura retornou à universidade para obter a licenciatura curta em matemática e ciências numa universidade particular. Avaliou a licenciatura como um curso de péssima qualidade, no entanto, estava apenas buscando a certificação exigida.

Sempre foi um excelente estudante e apaixonou-se pelo magistério, motivo que o levou a ministrar aulas gratuitamente. Possui dezoito anos de experiência no magistério na Educação Básica, lecionaatualmente apenas no ensino fundamental II da rede municipal de São Paulo, acumulou cargos na rede estadual por vários anos no início da carreira, quando lecionava exclusivamente no ensino médio.

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Avalia como um erro o tempo de duração dos ciclos adotados na rede municipal. Tem uma grande satisfação na profissão e como distração busca atividades matemáticas em livros ou internet e possui uma grande curiosidade matemática, hábito esse que subsidia sua atuação em sala de aula.

Desenvolve atualmente vários projetos na escola, como xadrez e violão. Afirma que o professor de matemática deve proporcionar também ao aluno um olhar mais conceitual da matemática, isso tem uma importância fundamental. Para ele a matemática: “abre a cabeça do aluno”, ajudando-o a raciocinar (importância do raciocínio dedutivo, explorado em suas aulas de matemática). “A abordagem do raciocínio dedutivo, faz o aluno gostar e se apaixonar pela leitura, possibilitando uma melhor compreensão e planejamento para a vida.”

É contra o excesso de “decorar” e realizar “tarefas mecânicas”, para ele essa não é a melhor abordagem para obter a atenção dos alunos para a matemática. A forma de abordar a matemática em sala de aula é determinante, devendo o professor aguçar a curiosidade dos alunos, desafia-los, ganhando assim a atenção deles para as tarefas apresentadas.

Entende que a grande maioria dos seus alunos compreende satisfatoriamente suas abordagens, não tendo grandes dificuldades em sala de aula, no entanto, reclama que antes possuía mais tempo para desenvolver um trabalho efetivo em sala de aula. Hoje, devido às dificuldades de leitura e interpretação, falta de concentração e de limites em casa, indisciplina e falta de interesse, principalmente devido à imaturidade dos alunos, perde um grande tempo da aula.

Em resumo, o professor avalia bem sua formação inicial em engenharia, onde indica o início pelo gosto de ensino, apontando ter tido uma formação matemática de qualidade e boa apropriação dos saberes disciplinares matemáticos. Do curso de licenciatura fez uma péssima avaliação, pois já possuía anos de experiência docente e já havia desenvolvido saberes experienciais que lhe permitia desenvolver seu trabalho em sala de aula, ou seja, possuía um conjunto de saberes provenientes de sua própria experiência na profissão.

O professor possui uma prática de educação continuada própria que realiza buscando ler materiais diversos relacionados à matemática em geral. Usa termos

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que indica se preocupar com atividades ligadas as provas matemáticas e aponta o mau comportamento dos alunos como um fator de obstáculo para o ensino- aprendizagem em sala de aula. O professor tem um discurso apaixonado e grande satisfação pela profissão docente.

Professor Fausto

O Professor Fausto se graduou primeiramente em ciências contábeis, depois em matemática e mais recentemente se especializou em pedagogia. Queria ser médico, tendo inclusive, passado no vestibular para o curso em sua cidade natal na rede particular, mas não conseguiu o crédito educativo. Após terminar o curso de ciências contábeis resolveu cursar, por insistência de um grupo de amigos a licenciatura em matemática. Queria entender mais de matemática já que sempre teve muita dificuldade na matéria.

Possui dezoito anos de experiência no magistério na Educação Básica e leciona nas redes municipal e estadual de ensino de São Paulo nos níveis fundamental e médio, respectivamente. Durante a licenciatura teve dificuldades na disciplina de cálculo, avalia como razoável a formação matemática recebida e que necessita para lecionar. Prestou concurso na rede estadual e ingressou em uma Escola Padrão8, descreve como o melhor projeto que já participou nas redes de ensino por onde passou. O projeto incentivava a troca de conhecimento e experiências entre os professores da mesma área, proporcionando boas recordações da época, acredita ter crescido muito profissionalmente nesse período não só com relação aos conhecimentos matemáticos como também pedagógicos. Não presenciou mais a experiência de troca entre os pares, e acredita que vivemos numa sociedade muito individualista, fato que para ele reflete também na profissão.

Considera-se um ótimo professor, sendo assim também apontado e reconhecido por seus ex-alunos. Tem mais satisfações que decepções na profissão. Sempre procura desenvolver sua atividade docente buscando alcançar objetivos bem definidos. Não tem o hábito de seguir um material didático especifico, livro

8 Escola Padrão foi uma política educacional desenvolvida por algumas escolas públicas da

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didático, e utiliza uma variedade de sequências didáticas elaboradas nos anos de experiência na profissão.

Resumindo o professor iniciou a licenciatura em matemática por influência de amigos, buscou com o curso suprir as deficiências de conteúdos matemáticos oriundos da primeira graduação. Avalia sua formação inicial de forma positiva e aponta para a importância da formação continuada, exaltando a importância das trocas com os colegas de profissão no início de sua careira no magistério. Para ele a troca de conhecimentos e experiências entre os professores da disciplina lhe possibilitou ampliar/refletir sobre sua prática em sala de aula. Esse depoimento do professor converge com nossas leituras quanto aos saberes docentes, que apontam como primordial a troca entre os professores para a formação dos saberes docentes. Percebe que o individualismo presente na sociedade atual reflete na profissão docente.

Professor Jorge

O Professor Jorge é licenciado em matemática, no entanto, começou a cursar a licenciatura em outra área e só depois migrou para a licenciatura em matemática por questão de amizades. Tem vinte anos de experiência no magistério e é formado pela rede particular de ensino superior. Leciona na rede municipal e estadual de São Paulo nos níveis fundamental e médio, respectivamente. Diz ter tido uma boa Educação Básica na parte de exatas, mesmo tendo cursado a suplência no Ensino Fundamental II e Médio, pois teve de abandonar os estudos, devido a uma infância difícil e ter que trabalhar para ajudar a família desde muito jovem. Durante a licenciatura teve dificuldade na disciplina de física, mas na parte de matemática não encontrou maiores problemas.

Antes de começar a lecionar era bancário, iniciou a carreira docente por insistência da sua esposa que lhe indicou uma escola onde precisava de professor com sua formação e com remuneração atraente na época. No começo da carreira realizou muitos cursos promovidos na rede municipal de ensino de São Paulo e avalia esses cursos como de grande importância para seu crescimento profissional, tanto na parte específica de matemática, como na pedagógica.

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Atribui boa parte da indisciplina e a falta de interesse dos alunos, atualmente em sala de aula, a forma errônea que foi implantada a progressão continuada entendida como promoção automática dos alunos. Procura sempre ajudar seus alunos que estão na escola “buscando conhecimentos”. Não segue nenhum livro didático especifico, segue um planejamento baseado na experiência profissional adquirida nos anos que leciona, no entanto, não descarta o uso do livro didático ou os materiais como apostila ou paradidáticos.

Entende que é papel da instituição oferecer a educação continuada e reclama que os cursos atualmente oferecidos na rede de ensino ocorrem fora do horário de trabalho do professor ou aos sábados, fato que o impossibilita de participar devido à carga de trabalho que enfrenta para obter uma remuneração razoável. Vê a profissão desvalorizada e sem reconhecimento social nem profissional, acredita que se estivesse começando, teria tomado outra direção ou continuado na área de informática, mas não seguiria novamente a carreira do magistério.

Quando iniciou a carreira no ensino público municipal era comissionado, como a grande maioria dos professores na época, dificultando assim a troca de experiência ou exposição de dúvidas com os colegas, pois existia um sentimento de que se você é professor deve possuir um profundo saber dos conteúdos da sua disciplina. “É difícil após conseguir aulas expor dúvidas ou falta de conhecimentos, isso poderia ser interpretado como um professor sem capacidade e consequentemente não ter o contrato renovado”.

Possui atualmente um aluno com deficiência em sala de aula, e procura conseguir ajuda e materiais para trabalhar com o aluno em contatos com professores do Fundamental I (anos iniciais).

Em resumo mesmo tendo o professor uma formação da Educação Básica na suplência, seu interesse e dedicação possibilitaram uma aprendizagem significativa dos conteúdos matemáticos. Queixa-se de algumas dificuldades do início do magistério, como por exemplo, a falta de liberdade para compartilhar suas inquietações com os colegas. Tais dificuldades eram provenientes da política de contratação para a função ocupada. Sofria com a falta de um processo de troca de experiências entre pares, e classificou as formações oferecidas há época pela rede,

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como decisiva para aprimorar e ampliar seus conhecimentos matemáticos e pedagógicos, os saberes disciplinares e pedagógicos, tendo grande impacto em sua prática escolar. A indisciplina e a falta de valorização do magistério são indicadas pelo professor como um fator negativo, impactando diretamente no ensino e aprendizagem dos alunos.

Percebemos no discurso do professor um sentimento muito forte de desvalorização de sua profissão e do seu próprio ser, sentindo falta de apoio e do reconhecimento social, profissional e econômico. Situação essa que, segundo a leitura do professor, agravou-se nos últimos 15 anos.

Professor Givaldo

O Professor Givaldo é licenciado em matemática, sendo formado na rede particular de ensino superior, possui vinte anos de experiência no magistério na Educação Básica e leciona nas redes municipal e estadual de ensino de São Paulo nos níveis fundamental e médio, respectivamente. Foi um bom aluno em matemática na Educação Básica. Durante a licenciatura teve dificuldades na disciplina de estatística e sempre gostou de álgebra, faz uma boa avaliação dos conhecimentos matemáticos obtidos na sua licenciatura, os saberes disciplinares, mesmo que muitos deles não tenham sido colocados em prática, percebe dessa forma uma grande distância dos conteúdos escolares que leciona dos recebidos na formação inicial. Ressalta que a duração de sua licenciatura foi de quatro anos com aulas ministradas de segunda a sábado, mas acredita não ter sido bem preparado na área pedagógica, ou talvez tenha, mas não tinha maturidade na época ou esqueceu por ter entrado na profissão apenas cinco anos após o término do curso.

Trabalhava antes na área de informática na rede bancária, e começou a lecionar só depois de ficar desempregado. Não sendo o salário o atrativo principal, seu primeiro contracheque no magistério era muito inferior ao recebido no emprego anterior.

Diz que nos últimos anos a maioria dos professores ingressantes, pelo menos nas escolas onde leciona, desiste da profissão, permanecendo em sala de aula apenas os mais antigos, “eles não aguentam a realidade escolar e rapidamente

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mudam de profissão”. Arrepende-se de não ter insistido na área de engenharia, sua primeira opção no vestibular, mesmo avaliando o magistério gratificante e desgastante.

Acredita na importância crucial da educação fundamental inicial, primeiro ciclo, defende um número menor de alunos por sala nessa fase, e diz não ser possível alfabetizar com qualidade trinta e cinco ou quarenta alunos. A alfabetização para ele é uma coisa muito séria, percebe em seus alunos muitas dificuldades básicas e não vê como pode cobrar dos professores dos ciclos anteriores:

– Não é possível cobrar deles, enquanto tiverem um número de alunos tão grande por sala de aula. O aluno não alfabetizado corretamente apresenta dificuldades de autoestima, atenção, interpretação, por muito tempo, muitos para o resto da vida.

Não segue livro didático, segue seu planejamento inicial e vai inventando, parte da realidade dos alunos, joga informações e com as respostas vai planejando as próximas abordagens. Pela experiência adquirida no magistério percebe um melhor aproveitamento das suas aulas com a utilização desse método. Afirma possuir muitos saberes matemáticos acumulados para transmitir e não consegue, e nas correntes pedagógicas é onde percebe mais mudanças.

Em sua opinião a instituição deveria proporcionar cursos e materiais: “Aqui tem o horário coletivo, mas não temos condições de comprar bons livros, ficamos pesquisando aqui e ali.”

Acredita ser um excelente professor de matemática e segue os conselhos de seu pai: “ Devemos sempre nos empenhar ao máximo em realizar bem o que fazemos”. E seguindo esse conselho se tornou um bom professor. Sua maior chateação é quando não consegue alcançar seus objetivos em sala de aula, mesmo quando pensava ter desenvolvido um excelente trabalho.

Em resumo o professor avalia sua formação inicial de boa qualidade com carga horária adequada, mesmo não verificando relação entre muitos conteúdos vistos na formação inicial e sua atividade prática, distância dos saberes da formação inicial com os experienciais. Quanto à questão pedagógica do ensino diz não ter

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dado muita atenção durante sua formação inicial, talvez devido a sua falta de maturidade quando realizou o curso. Destaca a importância do ensino fundamental I na vida dos alunos e vê a profissão sendo desvalorizada e pouco atrativa, tem a impressão de um apagão de mão de obra na profissão. Devido a sua experiência o professor acredita que os primeiros anos de profissão são os mais difíceis e para ele é nesse período que ocorre o maior abandono da profissão. Podemos interpretar essa visão do professor como consequência da falta do desenvolvimento dos saberes experienciais por parte desses novos docentes, a falta desses saberes, acarreta problemas graves no contato com a realidade em sala de aula, sentimento esse de impotência, como diria Clot (2006). Diz seguir um trabalho adquirido com o tempo de magistério, seus saberes experienciais, realiza seu trabalho com dedicação e segue os preceitos da sua história de vida.

Professor Carlos

O Professor Carlos cursou a licenciatura em matemática na rede particular de ensino superior. Queria ser arquiteto, mas seu orçamento não era compatível com a mensalidade do curso, sendo possível pagar uma licenciatura. Avalia sua licenciatura como de baixa qualidade, tendo maiores dificuldades nas disciplinas pedagógicas.

Nunca pensou em lecionar, acreditava que a licenciatura lhe daria uma bagagem para passar em concursos públicos na rede estadual ou federal, mas por indicação de uma amiga começou a lecionar. Começou a lecionar após ter concluído a licenciatura e atualmente possui oito anos de experiência no ensino de matemática na rede estadual de ensino e nos últimos cinco anos acumula cargo na rede municipal de ensino da cidade de São Paulo. Na rede municipal leciona no ensino fundamental e no estadual no ensino médio e na educação de Jovens e Adultos. Diz ter sido um bom estudante durante a Educação Básica, principalmente na área de exatas.

No começo da carreira se assustou com a indisciplina dos alunos, ao lecionar em uma escola estadual na periferia, teve muitos problemas e foi inclusive agredido por um aluno. Ficou surpreso com a estrutura de atribuição de aulas da rede de ensino estadual, pois mesmo sendo um professor recém formado e ingressante sem

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nenhuma experiência de ensino, lhe foi atribuído as salas com os maiores problemas de indisciplina e rendimento da escola. Acreditava ficar um período em tutoria de outros professores com mais experiência, ou que ficaria com salas com menos problemas, e que as turmas com maiores dificuldades seriam atribuídas aos professores com mais experiência. Estudou e efetivou-se na rede estadual de ensino, buscando uma escola melhor localizada e com menos problemas para trabalhar. Depois de algumas remoções está atualmente em uma escola sem tantos problemas.

Está terminando uma especialização na área financeira e pretende sair do magistério, pois não está satisfeito nem financeiramente nem profissionalmente com a profissão. Com o acúmulo de cargo não consegue tempo para se dedicar ao planejamento de suas aulas e isso reflete em sala de aula. Acredita não ser o magistério a profissão que lhe dará um prazer, um sentimento de dever cumprido.

O professor é dentre os demais, o com menor tempo de experiência no magistério, não era sua intenção inicial ser professor, apesar de ter feito o curso de licenciatura. Avalia sua formação inicial de forma negativa sendo deficientes os saberes da sua formação profissional. No seu contato com a sala de aula sentiu dificuldades, o que poderíamos atribuir a carência da formação inicial para servir de referência na condução das suas primeiras aulas, ou insuficiente para mobilizar na reflexão e desenvolvimento dos saberes experiências que, segundo Tardif (2006), os professores adquirem nos seus primeiros anos de profissão.

O professor também não encontrou apoio na estrutura da rede estadual de ensino, classificando-a como ilógica, onde são atribuídas aos professores com menos experiência as turmas mais problemáticas, com dificuldades de aprendizagem ou disciplinar. Acreditava serem os novos professores tutelados por professores mais experientes, oportunizando trocas com o outro e criando uma prática inicial sobre a realidade de sala de aula, até ter condições de reger uma turma por conta própria. O professor deixa claro não se realizar com o trabalho docente e pretende seguir outra profissão.

Os professores compartilham de uma visão de desvalorização da profissão, falta de reconhecimento social e percebem ainda um desinteresse pela profissão e

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seu abandono, contribuindo para isso o próprio sistema de ensino, pela forma de recepção e atribuição de turmas aos ingressantes no magistério.

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 86-95)

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