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Saberes curriculares

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 160-165)

Saber curricular – estes saberes correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita. Apresentam-se concretamente sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender a aplicar. (TARDIF 2006, p. 38).

Em um primeiro momento de reconhecimento da presença desses saberes na prática docente, a relação encontrada nesta pesquisa entre os professores e os saberes curriculares por eles mobilizados indica que estes foram construídos no inicio da carreira, considerando-se as carências observadas na formação inicial e a utilização de programas e materiais didáticos como referência para o desenvolvimento da atividade docente. Em um segundo momento, há o reconhecimento da importância dos saberes curriculares na construção dos saberes relativos aos conteúdos matemáticos e didáticos desses mesmos conteúdos e para a sua atividade docente, demonstrando um saber-fazer.

O contato com os programas e materiais, didáticos utilizados pelas redes de ensino, são indicados pelos professores como as principais fontes de acesso às estruturas curriculares da disciplina.

– [...] temos que seguir conteúdos e um modo de trabalho, que foi preparado e são vistos como os mais importantes para preparar as crianças e os jovens. E que existe um referencial de conteúdos, sequências, abordagens e modos de avaliações na rede municipal que devemos seguir. Mas também sabemos que são orientações e que existem espaços para adaptar as peculiaridades de cada disciplina e realidade encontrada. (Carlos, terceiro encontro, 2011).

Esse professor reconhece a existência de um currículo escolar, vendo nele um guia para as experiências, socialmente vistas como as mais relevantes para a formação dos educandos. Reconhece ainda a flexibilidade presente nos currículos,

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permitindo ao professor adaptar seu planejamento de acordo com a realidade em que atua e seus objetivos.

Os professores conhecem bem a organização dos conteúdos matemáticos e os objetivos previstos para cada um dos ciclos do Ensino Fundamental, sendo inclusive cobrados pela organização escolar.

– Somos muitos cobrados pela coordenação e pela papelada dos objetivos que geralmente aparecerem, como: o aluno deve saber operar, calcular (...) saber calcular o perímetro, a área (...),ou seja, ações que os alunos devem conhecer bem. (Marcelo, terceiro encontro, 2011).

Os docentes demonstraram a importância e objetivos dos tópicos matemáticos trabalhados, não apenas para a matemática como também para outras disciplinas.

– Ao trabalhar o item (a) os alunos estão se apropriando da ideia de coordenadas, noção que devem ter para trabalhar assuntos abordados em geografia e em matemática, por exemplo, estudo das funções. O padrão de notação adotado para a localização das peças no tabuleiro é o par ordenado (letra da coluna; número da linha).

(Marcelo, entrevista pessoal, 2012).

Quanto às provas matemáticas, os professores apontaram que apenas saber calcular, obter a área, o perímetro (ou seja, as técnicas de cálculo) deixa o currículo matemático pobre, possibilitando a exploração das provas matemáticas.

– Quando apresentamos a definição de um objeto encontramos alguns padrões e eles não são ao acaso, sendo muitas vezes regras gerais, podendo esses padrões na maioria das vezes, serem verificados, encontrando uma explicação plausível diretamente da própria definição ou com a ajuda de outros conceitos e propriedades já conhecidas. (Marcelo, entrevista pessoal, 2012).

O professor Marcelo aponta a oportunidade de exploração dos padrões apresentados no decorrer do ensino-aprendizagem dos conteúdos matemáticos em sala de aula, considerando que, assim, possibilitaria aos alunos a exploração e a compreensão das ideias matemáticas, além de proporcionar-lhes a percepção de que as relações matemáticas encontradas não são apenas casos e, então,

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buscariam uma explicação matemática, mesmo que provisória. A intenção do professor é obter um detalhamento das causas correspondentes, compreendendo o significado da afirmação, ou seja, a função explicativa, conforme De Villiers (1993).

Para o professor Givaldo, a apresentação explícita das provas matemáticas nos livros didáticos é percebida como uma forma de incentivar a elaboração das provas matemáticas em sala de aula, nos diversos níveis de ensino.

– Encontrar demonstrações [provas matemáticas] nos livros é uma indicação, uma sinalização para o professor que o assunto deve ser tratado em sala de aula, devendo o aluno se apropriar e explorar também as relações matemáticas estudadas e que o professor deve estar preparado para trabalhar com o tema. (Givaldo, quarto encontro, 2011).

Isso motiva o professor a pensar que os alunos devem compreender e, portanto, precisam ser incentivados a buscar a compreensão das relações matemáticas, de modo a não as utilizarem de forma apenas mecânica, o que exigiria dos professores o domínio e o planejamento dos temas que permeiam os diversos conteúdos escolares, para cada nível de ensino.

O contato com os programas e materiais didáticos ainda é indicado pelos professores como a principal fonte para a construção de saberes dos conteúdos e de saberes didáticos, inerentes ao ensino desses mesmos conteúdos. Com isso, busca-se sanar as carências encontradas na sua formação inicial, seguindo um árduo trabalho de estudo e pesquisa para lidar com a atividade docente, no início da profissão.

– No começo a gente é pego de calça curta e não sabemos muito bem o que fazer. Verificamos o que é mais urgente, geralmente é dar conta dos conteúdos previstos para a série/ano das salas atribuídas.

(Marcelo, entrevista pessoal, 2012).

Os professores apontaram a importância do saber do conteúdo, a ser ensinado, como condição mínima para o desenvolvimento do trabalho docente em qualquer área.

– É fundamental para qualquer professor de qualquer disciplina que seja, conhecer bem a matéria que leciona, é uma condição mínima

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para ser um professor ou profissional em qualquer área. Para que ele possa conduzir bem o seu trabalho e mais ainda para programar, conduzir e acompanhar o trabalho em sala de aula. (Carlos, primeiro encontro, 2011).

Para esse professor, com o saber dos conteúdos matemáticos a serem ensinados, é possível conceber um planejamento e iniciar uma abordagem para o ensino e aprendizagem matemática em sala de aula.

Este posicionamento é compartilhado pelos demais professores participantes, embora o conhecimento de tais conteúdos não seja visto como uma condição suficiente para dar conta da complexa atividade docente. Isso demonstra a percepção da pluralidade dos saberes utilizados na atividade docente, como apontado pelo professor a seguir.

– Para o sistema, ser um bom professor é diretamente proporcional apenas ao seu conhecimento matemático que ele tem e mais nada, não vale nada ser comprometido, não faltar, se preocupar com os alunos e gostar do que faz. Eu me preocupo com meus alunos (...) não digo que não é importante conhecer muito bem a matemática, mas não é só isso. (Jorge, primeiro encontro, 2011).

Mostrando coerência com a importância atribuída aos saberes dos conteúdos da disciplina a ser ensinada, os professores demonstraram domínio dos vários conteúdos matemáticos colocados em discussão, durante a coleta de dados,e ainda dos saberes didáticos relacionados a esses mesmos conteúdos.

Por exemplo, no primeiro encontro, durante a discussão dos questionários de álgebra e geometria (Cf. Apêndice C e D), os professores não tiveram dificuldades com as propriedades envolvendo os números inteiros, múltiplos e divisores. Além disso, fizeram observações sobre sua abordagem pedagógica em sala de aula.

– É o 8! tem os fatores 3 e 7 é também divisível por 21, ele [o número 21] não está explicito, mas implícito, os alunos teriam dificuldades em enxergar essa propriedade.(...) Da mesma forma tem os fatores 2 e 5, o 10 também está aqui termina com zero.(Marcelo, primeiro encontro, 2011)

O professor Marcelo antecipa as dificuldades que teriam os alunos para enxergarem o 21 como fator de 8!, por não aparecer explicitamente no produto

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(8.7.6.5.4.3.2.1.), saberes da sua experiência na profissão. Trata-se de um conhecimento importante para o planejamento das aulas sobre o assunto, o que demonstra a importância do professor possuir um conhecimento disciplinar e didático para o desenvolvimento de sua atividade docente, saberes provenientes de sua própria experiência na profissão.

Os professores Marcelo e Givaldo sinalizam que desenvolvem, durante a atividade docente, um trabalho cujo objetivo é a exploração e a elaboração de provas matemáticas, permeando os próprios conteúdos matemáticos abordados em sala de aula.

Esses professores aproveitam a abordagem dos conteúdos, explicitando afirmações e padrões, para a exploração e avanço na elaboração das justificativas elaboradas pelos alunos.

As justificativas elaboradas pelos alunos são classificadas pelos professores como sendo predominantemente do tipo pragmáticas, ou seja, baseadas em ações diretas sobre as afirmações, a exemplo da verificação direta de alguns casos concretos, conforme Balacheff (1987).

Acreditamos que, além de intuitiva a preferência dos alunos pelas provas pragmáticas, pode ser uma consequência do uso e incentivo dos próprios professores, como aponta o professor Marcelo a seguir.

– O mais importante, e meu principal objetivo, é o aluno criar o hábito de apresentar justificativas, criando argumentos, mesmo que empíricos, para defender seu ponto de vista. Acredito que com o tempo e o avanço na escolaridade vai refinando e melhorando suas apresentações, podendo inclusive, se for seu interesse, se tornar um matemático profissional. (Marcelo, entrevista pessoal, 2012).

O professor aponta o desenvolvimento de um trabalho na busca de elaboração de justificativas por parte dos alunos, percebendo a elaboração das provas matemáticas como um processo. Da mesma forma, o professor Givaldo.

– É importante, a meu ver, valorizar suas elaborações [alunos] e continuar sempre o trabalho de questionamento. Quando uma criança só consegue identificar os sons das vogais a valorizamos, classificamos e sabemos que isso é um importante passo para sua

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alfabetização, logo, não deveria acontecer outra coisa com relação às provas matemáticas. (Givaldo, segundo encontro, 2011).

Na análise dos questionários de álgebra e de geometria, no primeiro encontro, os professores demostraram uma preferência pelas provas intelectuais (Balacheff, 1987). No entanto, nos demais momentos da coleta de dados, mostraram a utilização das provas pragmáticas, utilizando-as, inclusive, como justificativa na elaboração das próprias provas matemáticas, durante as atividades, no decorrer dos nossos encontros.

Diante da realidade escolar e devido à carência da formação inicial, os professores precisaram (re)elaborar os saberes básicos, necessários para a sua atuação docente.

Ao longo da formação inicial, não deveria ser um dos objetivos a abordagem dos saberes previstos nos currículos da Educação Básica?

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 160-165)

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