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2.3 Ambiente

2.3.1 Contexto e evolução histórica

O ambiente foi introduzido nos estudos organizacionais na década de 1950, através do movimento Estruturalista-Sistêmico. De acordo com Carvalho (2010), esse movimento pode ser dividido em duas fases: Estruturalismo e Teoria dos sistemas, cujo período de maior influência se estendeu até a metade da década de 1960. O Estruturalismo consiste em uma abordagem na quala estrutura ocupa o foco central e se estuda a relação das partes com a sua totalidade. Segundo aautora, as partes da estrutura estariam relacionadas de tal forma que as mesmas poderiam ser utilizadas para a consecução dos objetivos organizacionais, concedendo a esta abordagem uma característica funcionalista.

Tung (1979) afirma que, a partir da década de 1950, os principais teóricos organizacionais defendiam uma abordagem de sistema aberto, considerada por Frishammar (2006) como imprescindível ao desenvolvimento dos estudos sobre o ambiente e sua interação com a organização. A segunda metade do século XX apresentou mudanças tecnológicas, econômicas e sociais em um ritmo mais acelerado do que a primeira metade do século. Esse processo contribuiu para o aumento da incerteza no mundo organizacional, onde mercados se tornaram mais complexos, os

recursos mais escassos e a concorrência mais acirrada. Com o aumento da complexidade, as teorias organizacionais inevitavelmente concederam espaço para o surgimento de estudos nos quais o ambiente desempenhava cada vez mais um papel de destaque e as organizações passavam a ser descritas como adaptativas. Na fase da Teoria dos Sistemas, a ideia principal era a de que a organização deve se adequar ao seu ambiente para sobreviver. Enquanto um sistema aberto, a organização passa a ser afetada por fatores externos, sendo então incumbida de reagir aos mesmos. Somente com as contribuições da Teoria Contingencial, predominantes entre 1965-1980, o ambiente passa a ocupar uma posição de destaque nas teorias organizacionais (CARVALHO, 2010).

Segundo Donaldson (1999), a complexidade comum ao novo cenário organizacional levou as organizações a se preocupar cada vez mais com a adequação de sua estrutura. Conforme a performance fosse mantida ou aumentada, a estrutura organizacional deveria ser modificada levando em consideração os fatores contingenciais que a influenciam. Os estudos desenvolvidos eram inicialmente focados no desempenho organizacional, onde o ambiente, apesar adquirir mais relevância e espaço, ainda era investigado sem ser completamente desvinculado das estruturas e estratégias.

Considerados pioneiros nos estudos sobre o ambiente, Burns e Stalker (1961) foram os primeiros a estabelecer uma conexão entre a estrutura e as condições ambientais. Ainda que o foco de seus estudos estivesse voltado às contingências estruturais, o modelo apresentado serviu como base para o desenvolvimento de teorias mais complexas sobre o tema. Segundo esses autores, a estrutura mais adequada auma organização era diretamente influenciada pela estabilidade do ambiente em que a mesma se insere. Quando estável, estruturas mais rígidas e formais seriam mais adequadas ao ambiente, porém, em ambientes instáveis, o grau de incerteza das tarefas desempenhadas pela organização tornava necessária uma estrutura mais orgânica, onde a capacidade de adaptação era teoricamente maior. Burnes e Stalker (1961) afirmam que, devido às mudanças tecnológicas e à velocidade em que as mesmas aconteceram, as organizações do futuro seriam predominantemente estruturadas de forma mais orgânica.

Da mesma forma que esses autores, Lawrence e Lorsch (1973) apresentam tipologias sobre o ambiente por meio de um foco interno. Ainda que o ambiente seja relevante, sua investigação é desenvolvida com a atenção voltada ao interior da

organização. O ambiente é caracterizado pelos autores em sua relação com a integração (coordenação das partes) e diferenciação (divisão das partes) do trabalho organizacional. A taxa de mudança do ambiente, assim como as especificidades de cada fator contingencial afetam a organização de maneira específica, onde cada setor ou unidade da empresa reage de maneira distinta dos demais.

Em organizações complexas, unidades ou departamentos podem adotar configurações estruturais distintas, adequando-se aos fatores contingenciais mais relevantes a cada setor. O exemplo clássico são as unidades de Produção e Pesquisa & Desenvolvimento. Devido à natureza e aos objetivos específicos dessas unidades, as mudanças no ambiente exercem influência sobre ambas de maneira ímpar. Setores produtivos apresentam características mecanicistas em grande parte das organizações, com funções e tarefas bem definidas e uma hierarquia mais rígida. Por sua vez, o setor de Pesquisa & Desenvolvimento possui características mais orgânicas em função de sua própria finalidade, a inovação. Logo, em meio aum ambiente que passa de estável para dinâmico, uma unidade de P&D é afetada em menor amplitude em relação ao setor produtivo, por lidar com um grau de incerteza mais elevado. De acordo com esses autores, uma vez que o ambiente influencia a estrutura, o objetivo das empresas consiste em buscar a adequação da organização e suas partes aos fatores contingenciais relevantes, e, com isso, otimizar seu desempenho.

Os modelos contingenciais e estruturalista-sistêmicos desenvolvidos são criticados por seu determinismo, considerado por diversos autores como responsável por situar a organização em uma posição não arbitrária. Nesses modelos, os fatores contingenciais são a causa da mudança estrutural, onde uma empresa precisa se moldar ao ambiente sob o risco de perderdesempenho ou ameaça à sua sustentabilidade. Essa relação de causalidade supostamente torna a organização submissa aos fatores que a cercam, deixando-a sem alternativa senão a adequação. Nesse contexto, o processo decisório resume-se ao acúmulo de informações sobre as contingências ambientais e análise racional das consequências das possíveis respostas organizacionais (ASTLEY e VAN DE VEN 1983; DONALDSON, 1999).

Em função de sua análise limitada, essas abordagens passaram a ser contestadas por autores, como Child (1972) e Astley e Van de Ven (1983). Para eles, a realidade se constitui de maneira pluriparadigmática. O racionalismo predominante na adaptação das organizações ao seu ambiente não considerava aspectos relevantes a um processo constituído de facetas múltiplas, nas quais o indivíduo possui influência nem sempre

lógica nas decisões tomadas. As teorias desenvolvidas a partir desse período contribuem para a ampliação da lente pela qual o ambiente é explorado, contribuindo assim para conceitos e modelos mais abrangentes e aprofundados (CARVALHO, 2010).

Como consequência, o funcionalismo começou a responder parte destes descontentamentos e a partir da década de 1970 começam a surgir, dentro do paradigma, teorias que contestam alguns aspectos explicativos da relação entre organização e ambiente, principalmente relacionados à adaptação racional (CARVALHO, 2010. pg. 36).

Frishammar (2006) afirma que o debate dos teóricos deste campo de estudos ainda carece de um consenso. O que é o ambiente e quais são os fatores e elementos que o compõem ainda permanecem confusos devido à pluralidade de conceitos e abordagens disponíveis na literatura. Na opinião do autor, investigar o ambiente através de apenas uma perspectiva é limitarem demasia a análise. Para tanto, as quatro abordagens mais relevantes sobre o ambiente são apresentadas: perspectiva adaptativa; dependência de recursos; cognitiva; e população-ecologia.

A perspectiva adaptativa é considerada pelo autor como a mais “popular, e mais utilizada” das quatro perspectivas analisadas (FRISHAMMAR, 2006, pg. 26). A premissa básica dos estudos concentrados sob essa abordagem consiste no fato de que o ambiente é relevante às organizações, e para que a mesma atinja o sucesso ou garanta sua sobrevivência, as demandas ambientais precisam ser consideradas e utilizadas como pretexto para a mudança. Como seu próprio nome indica, ela enfatiza a adaptação das organizações às mudanças oriundas do ambiente.

É importante ressaltar que, ainda que não seja passivo, o ambiente não atua de forma completamente ativa e desvinculada das influências organizacionais. Empresas possuem um papel ativo no processo de adaptação, modificando-se através das decisões tomadas e de alterações em sua estratégia ou estrutura. Considerada pelo autor como a perspectiva que mais se assemelha à Teoria Contingencial, a perspectiva adaptativa declara que as organizações que melhor se adequarem às demandas ambientais apresentarão a melhor adaptação, consequentemente seguida de melhor desempenho.

Sob a perspectiva adaptativa, a suposição sobre o ambiente é de que o mesmo é analisável. As organizações não inventam ou criam seus ambientes,, porque o ambiente representa uma ordem subjacente ao invés de uma superimposta (FRISHAMMAR, 2006. Pg. 27)4.

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Pelacitação de Frishammar (2006), evidencia-se que, uma vez que o ambiente é analisável, as organizações podem utilizar pesquisas de mercado e análises aprofundadas como base para a formulação de novas estratégias e estruturas, com o objetivo de atingir estágios avançados de adaptação. Autores como Porter (1986) exploram esse aspecto ambiental, argumentando que não só a análise possibilita a tomada de decisão estratégica como o ambiente e seus fatores mais relevantes podem ser conhecidos previamente para aatuação organizacional.

Frishammar (2006) complementa seus argumentos ao afirmar que os estudos dessa perspectiva compreendem o mundo através de uma ótica realista, na qual o ambiente organizacional é formado por instituições e estruturas tangíveis, cuja existência independe de uma organização específica. Visto que o ambiente possibilita a análise, essa perspectiva busca explicações racionais e objetivas através da atuação de indivíduos considerados autônomos e dotados de livre arbítrio.

A perspectiva da dependência de recursos é considerada por Frishammar (2006) como semelhante à adaptativa. Ambas agrupam produções que compartilham as mesmas suposições acerca do ambiente e sua análise. Porém, a principal diferença entre essas perspectivas reside na relevância concedida aos recursos organizacionais.

Ainda segundo o autor, a perspectiva da dependência de recursos originou-se no início dos anos 1960 com as contribuições de Levine e White, que afirmavam haver uma ligação entre o comportamento organizacional e as relações de troca estabelecidas com outras organizações e instituições. Somadas às produções de autores como Pfeffer e Salancik, Emery e Trist e Penrose, esses estudos enfatizaram a relevância das diferenças ambientais na distribuição dos recursos disponíveis para aorganização. Cada ambiente específico possui uma configuração onde os recursos são adquiridos e mantidos através de relações distintas, nas quais cabe à organização desenvolver a habilidade de firmá-las de modo a assegurar sua sobrevivência.

Ainda que a importância dos recursos seja ressaltada, Frishammar (2006, pg. 29) afirma que os autores dessa perspectiva frequentemente “não ressaltam a questão de

como esses recursos são adquiridos ou a interdependência que as organizações

enfrentam em relação aos outros elementos do ambiente quando necessários”. Logo, a importância dos recursos para a sobrevivência organizacional é apontada, mas quais recursos e como os mesmos influenciam a organização não são abordados de maneira aprofundada.

Tratando-se do foco desses estudos, e sendo a organização dependente do seu ambiente e dos recursos nele situados, a maneira como o mesmo a influencia se torna a questão central, visto que o ambiente é descrito aqui como imprevisível e não confiável. Conforme especificado anteriormente, o ambiente também é analisável nessa perspectiva; porém, uma questão destacada por seus autores é a dos limites organizacionais. Segundo Pfeffer e Salancik (1978), uma organização termina onde o controle das atividades desempenhadas pela mesma passa a ser exercido pelo ambiente ou indivíduos e organizações nele inseridos.

A mudança organizacional é descrita por essa perspectiva de maneira objetiva. Quando a distribuição de recursos no ambiente sofrer alterações, as organizações deverão responder através de modificações estruturais e estratégicas para que uma nova adequação seja estabelecida. Pfeffer e Salancik (1978) argumentam que, na medida em que essas alterações vão ocorrendo, as organizações desenvolvem seu aprendizado, modificando-se ao longo do tempo apenas em relação aos fatores que julgam serem relevantes.

Sob a perspectiva cognitiva estão concentrados estudos que entendem que o ambiente não pode ser reduzido a análises aprofundadas, mas é construído através da interação e interpretação dos indivíduos nele inseridos. Nessa perspectiva, a percepção ocupa papel central, pois influencia as ações desencadeadas pela organização, sua resposta ao ambiente e suas alterações.

O ambiente adquire nessa perspectiva um grau de abstração e complexidade que tornam sua análise objetiva quase impraticável. Para que uma organização atue e reaja ao seu ambiente não são necessários estudos aprofundados ou minuciosos, apenas a percepção dos indivíduos serve como instrumento de ação. Visto que o ambiente não é analisável, Frishammar (2006) afirma que os estudos dessa perspectiva se preocupam menos em reduzir a incerteza ambiental através de estudos e levantamentos, e, portanto, direcionam-se à redução dos equívocos gerados pela multiplicidade de sentidos e significados existentes. Devido ao número elevado de informações a serem processadas, frequentemente as ações organizacionais baseiam-se mais em respostas interpretadas pelos indivíduos do que em soluções aprendidas através da análise de novas informações. É possível afirmar que o ambiente é compreendido ao invés de analisado.

Ao contrário da perspectiva adaptativa, a perspectiva cognitiva enxerga o mundo como relativo, onde a interação dos indivíduos e organizações torna o ambiente um conjunto de percepções subjetivas ao invés de uma estrutura real.

Na perspectiva população-ecologia o ambiente passa a exercer um papel central na dinâmica com a organização. Ainda que não seja completamente passiva, a organização se encontra à margem das influências do ambiente, descrito como ativo. A possibilidade de adaptação existe, porém, de maneira remota. Nessa perspectiva, a seleção natural é a racionalidade predominante, na qual as pressões exercidas pelo ambiente nas organizações selecionam apenas aquelas cujas configurações são mais eficientes.

O processo de adaptação organizacional é retratado de maneira distinta da perspectiva adaptativa, que nem sempre ocorre de maneira consciente. A instabilidade e complexidade impossibilitam a organização de realizar uma varredura completa dos elementos ambientais, tornando a própria capacidade de adaptação questionável. Autores dessa abordagem afirmam que as organizações tendem à inercia, sendo programadas para manterem a estabilidade já estabelecida. Existe, portanto, uma limitação significativa na capacidade de mudança das organizações, o que coloca o ambiente como principal fator de influência na sobrevivência das mesmas. No processo de tomada de decisão, os líderes enfrentam configurações estruturais e estratégicas que impedem ou atrasam a velocidade da mudança, fazendo com que as pressões externas sejam mais determinantes na sobrevivência das organizações do que os fatores internos. Nessa perspectiva a incerteza ambiental é significativamente mais influente do que em outras perspectivas. Não bastasse a dificuldade da capacidade adaptativa das organizações, a imprevisibilidade do ambiente faz com que as mudanças e modificações efetuadas nem sempre surtam efeito. Com isso, o ambiente e suas alterações adquirem um caráter aleatório.

A importância dos recursos também é levantada nessa perspectiva, uma vez que os seus principais autores relatam a influência que a disponibilidade e escassez exercem sobre a organização. Determinadas populações ou nichos de mercado se estruturam sobre recursos comuns, e esse laço de dependência, quando afetado por instabilidades ou escassez, provoca mobilização nas organizações, obrigando-as a se adaptar. A capacidade de reter esses recursos define quais organizações são mais eficientes e quais provavelmente não sobreviverão.

As produções dessa perspectiva frequentemente possuem uma visão realista, onde as populações, nichos e sistemas existem independentemente da percepção de indivíduos ou organizações. Ao buscar a previsão de como esses sistemas funcionam e se modificam, a perspectiva população-ecologia se baseia em conhecimento objetivo e

racional, ainda que o determinismo comum ao darwinismo influencie significativamente os estudos.

Quando comparados, os estudos desenvolvidos sob as quatro perspectivas, apresentam áreas concomitantes e divergentes, o que de certa forma estimula a confusão existente. Na tentativa de esclarecer pontos obscuros ou coincidentes, Frishammar (2006) elaborou um quadro onde os principais pontos de análise desses estudos são comparados. Suas principais ideias são apresentadas a seguir:

Quadro 2: Resumo das diferentes perspectivas Perspectiva adaptativa Perspectiva da dependência de recursos Perspectiva cognitiva Perspectiva população- ecologia Pressupostos principais As organizações são ativas ao invés de passivas, e podem mudar em resposta às mudanças do ambiente através de um processo de adaptação As organizações são restringidas pela dependência de recursos externos controlados por outros As organizações criam um ambiente de informações confusas através de um processo de representação A inércia restringe a adaptação das organizações enquanto a seleção explica a mudança de maneiras efetividade Pressupostos sobre o ambiente

Analisável, mas seus limites não são claros apesar de implicitamente supostos

Analisável, com limites definidos pela influência sobre as suas atividades

Não-Analisável, sem limites

Quase não-

analisável, com limites abstratos mas implicitamente supostos Foco investigativo Como o ambiente afeta as organizações Como o ambiente afeta as organizações Como as organizações ou indivíduos compreendem seu ambiente Como o ambiente afeta as organizações Pressupostos sobre a estrutura do ambiente O ambiente é composto de forças/fatores competitivos em uma indústria assim como macro fatores acima da mesma

O ambiente é incorporado em uma estrutura cognitiva

O ambiente é formado por outras organizações e recursos; combinações de recursos formam nichos Fonte: Frishammar, (2006)5. 5

Apresentadas as características específicas de cada perspectiva, é importante ressaltar que, no intuito de manter-se fiel aos objetivos da presente pesquisa, a perspectiva cognitiva não foi utilizada para a descrição do ambiente. O foco a ser seguido consiste nas relações do ambiente e suas dimensões com a organização e sua estrutura e estratégia. Assim, as interpretações e significados produzidos nessa relação não foram investigados empiricamente. Ainda que complexo e com grau significativo de abstração, o ambiente foi explorado como uma instituição com poder de influência na esfera organizacional, não sendo apenas descrito de maneira isolada ou dissociada das organizações posteriormente pesquisadas. Portanto, para que o ambiente fosse retratado de maneira mais objetiva e tangível, são apresentadas a seguir as dimensões e características mais relevantes à sua análise.